Brasília – A Comissão de Memória e Verdade da Universidade de Brasília (UnB) investigará a suspeita que o ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB), Anísio Teixeira, foi assassinado em março de 1971, por agentes do Estado, após ser sequestrado e levado para uma unidade da Aeronáutica, quando se dirigia à casa do filólogo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, em Botafogo, no Rio de Janeiro, conforme informou hoje a Agência Brasil.
Segundo a nova versão, Anísio sofreu tortura e foi encontrado com vários ossos quebrados e traumatismo na cabeça e no ombro, devido a pancadas com objeto de forma cilíndrica, possivelmente feito de madeira. Na época, o Jornal do Brasil em 15 de março de 1971 (Leia reportagem sobre a morte do educador publicada no JB) já levantava a possibilidade de um crime ao informar que "a 10a. Delegaica Policial registrou o caso como suspeita de homicídio, mas, até as últimas horas da noite de ontem, não se sabia se tratava de homicídio ou acidente".
No final de semana seguinte, a revista Veja, em sua edição 133 com data de capa de 24 de março de 1971, também registrava a suspeita sobre a causa morte do professor. Ela, depois de afirmar que a primeira hipótese levantada foi a do acidente, expôs: "Sem descartar de vez essa hipótese, os policiais começam, entretanto, a examinar alguns dados que permitem acreditar na possibilidade de morte criminosa. Entre eles, a posição em que o corpo foi encontrado (de cócoras, com a cabeça sobre os joelhos e as mãos parecendo segurar as pernas), inédita em acidente do gênero".
A versão do assassinato, segundo a reportagem da Agência Brasil, é admitida pela família do ex-reitor. Ela veio a público na semana passada, em Brasília, no momento de instalação da comissão de memória e verdade da UnB.
Durante a cerimônia, João Augusto de Lima Rocha, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e biógrafo de Anísio Teixeira, anunciou que tinha conhecimento do assassinato conforme lhe confidenciara, em relatos diferentes, o ex-governador da Bahia Luís Viana Filho (1967-1971) e o professor e crítico literário Afrânio Coutinho.
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Anísio Teixeira teria sofrido tortura de acordo com a nova versão apresentada |
“Essa suspeita perdura até hoje entre os familiares. Nunca se soube uma situação que objetivamente negasse isso. Muito pelo contrário, ficaram sempre situações não esclarecidas. Então, não nos surpreendeu [a revelação do professor João Augusto] porque, vez por outra, já tinham sido levantadas que se processaria alguma coisa no sentido de investigar isso”, confirmou à Agência Brasil, o médico psiquiatra Carlos Antônio Teixeira, terceiro filho de Anísio Teixeira.
Segundo a versão oficial, o ex-reitor morreu após cair acidentalmente no poço do elevador de serviço do prédio onde morava Aurélio Buarque. Conforme Carlos Antônio, a família sempre desconfiou da versão, mas temia buscar investigação aprofundada. “Nós, na verdade, não víamos clima e nem maior mobilização para isso. Por isso, nos mantivemos distantes. Na época, tentamos clarear os fatos, mas as coisas tomaram o caminho de querer culpar o mordomo, aí desistimos de prosseguir”, disse, ao salientar que a família “sempre se dispôs” à qualquer iniciativa de investigação apesar de nunca ter tomado a frente. “A família tinha medo de sofrer retaliações”, complementa o professor João Augusto.
A suspeita sobre as circunstâncias da morte de Anísio Teixeira será investigada pela Comissão de Memória e Verdade da UnB, que por coincidência tem o nome do ex-reitor, em uma homenagem a ele. A informação é do historiador da UnB José Otávio Nogueira Guimarães, coordenador de investigação da comissão. “Anísio Teixeira era alguém que incomodava. Ele foi cassado [depois do golpe militar de 1964], mas não tinha posições de esquerda explícita. Tinha, porém, projetos e uma forma de pensar que certamente não agradava o regime”, avalia o historiador.
Conforme o professor João Augusto, quem primeiro confidenciou a versão de assassinato foi Luís Viana Filho, que a época (dezembro de 1988) escrevia o livro Anísio Teixeira: a Polêmica da Educação (Editora Unesp). Viana, que apoiou o golpe e era próximo do marechal Castello Branco (primeiro presidente militar), “teve informação de que Anísio não tinha morrido, estava detido em instalações da Aeronáutica no Rio.”
O segundo depoimento foi de Afrânio Coutinho (março de 1989) na casa e na presença de James Amado (irmão de Jorge Amado) e da sua esposa Luiza Ramos (filha de Graciliano Ramos). “Ele me disse que presenciou a necrópsia de Anísio Teixeira. Pelos ossos que estavam quebrados de Anísio, ele não admitia que tenha sido queda. Quase todos os ossos estavam quebrados. A versão era de que ele foi sequestrado no caminho [à casa de Aurélio Buarque] e submetido à tortura”. Conforme o relato de Afrânio, “Anísio também disse a ele que estava recebendo telefonemas com ameaças.”
Carlos Antônio Teixeira acrescenta que no momento do suposto sequestro, Anísio tinha em sua pasta um texto do Partido Comunista Brasileiro, o Partidão (que estava na clandestinidade, mas era contra a guerrilha). O texto, que desapareceu, foi dado ao ex-reitor pelo próprio filho – ele, sim, militante do PCB. “Era um documento crítico. Falava da ditadura, não falava das pessoas, mas das perspectivas próximas e imediatas”, descreveu Carlos Antônio à Agência Brasil. De acordo com ele, o pai “achou o texto lúcido e por causa da clandestinidade do Partidão não se afastava fisicamente do documento.” A pasta e outros documentos de Anísio Teixeira foram devolvidos à família.
Além de Afrânio Coutinho, a necropsia de Anísio Teixeira foi testemunhada pelos médicos e amigos do ex-reitor: Diolindo Couto (neurologista), Domingos de Paola (professor titular de anatomia patológica) e Francisco Duarte Guimarães (anatomopatologista do do Hospital dos Servidores). Todos os três médicos, assim como Afrânio Coutinho e Luís Viana Filho, já estão mortos.
A Comissão de Memória e Verdade da UnB deverá fazer a primeira reunião de trabalho na próxima semana e terá acesso ao acervo do Arquivo Nacional, entre outros, além de ser apoiada pela Comissão da Verdade do governo federal, a quem deverá encaminhar o relatório final.
Procurado pela Agência Brasil, o Ministério da Defesa informou que não irá se manifestar sobre o assunto e que o caso deve ser tratado no âmbito da Comissão da Verdade.
No JB
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