Há dois anos, assistimos a um debate intenso sobre liberdade de imprensa no Brasil. Depois que a Secretaria das Mulheres decidiu questionar no Conar uma publicidade de lingerie de Gisele Bunchen, os principais jornais e revistas se empenharam na denúncia de que a liberdade de imprensa encontrava-se sob risco. De meu ponto de vista, era um argumento risível.
O Conar, que regula a publicidade no país, está cansado de vetar integralmente dezenas de anúncios por ano. Outras campanhas precisam ser modificadas por determinação do órgão. Isso porque não é razoável confundir liberdade comercial como liberdade de expressão. Os próprios publicitários reconhecem que há diferenças.
Vamos combinar, porém, que é possível debater o assunto.
Mas não vejo como se possa ter duas opiniões sobre as ameaças contra Julian Assange, o presidente do Wikileaks.
Assange não quer vender sutiãs nem calcinhas nem cintas-liga. Nada contra essas mercadorias. Também reconheço que Gisele Bunchen parece feita sob medida para exibí-las.
Mas Assange permitiu a divulgação das maiores descobertas sobre o governo americano desde os papéis do Pentágono, que revelaram hesitações e dúvidas do governo americano durante a guerra do Vietnã (encerrada ainda nos anos 1970, meus garotos…)
Com esse trabalho, tornou-se uma fonte. Mais do que um repórter, é uma das origens de notícias relevantes sobre o mundo contemporâneo.
As pressões sobre Assange constituem um caso inédito, na verdade. Não se tenta ameaçar um jornalista, mas silenciar a própria fonte. Acho que nunca pensei que fossemos ver isso.
Enquanto, no mundo inteiro, jornais de grande tradição consumiram sua reputação fazendo um jornalismo chapa branca desde a invasão do Iraque, o Wikileaks dá um exemplo de independência e apego à liberdade. Recolhe informações de indiscutível interesse púbico, a que ninguém acesso, e trata de divulgá-las pelos bons veículos da imprensa mundial.
Tão ciosa para defender o sigilo da fonte, mesmo quando ele envolve episódios pouco defensáveis, a imprensa do mundo inteiro mantém um silêncio incompreensível diante das ameaças sobre Assange.
O risco ser extraditado para os Estados Unidos, onde o militar acusado de fornecer milhares de documentos confidenciais divulgados pelo Wikileaks é mantido incomunicável na prisão, sem julgamento, não comove ninguém. No momento, Assange se encontra na embaixada do Equador em Londres, onde pediu asilo ao governo de Rafael Correa. O governo britânico nega-se a lhe dar um salvo-conduto para deixar o país.
A boa notícia é que Baltazar Garzon, o juiz espanhol responsável pelo pedido de prisão do ditador Augusto Pinochet, resolveu assumir a defesa de Assange. Não é uma garantia de sucesso.
Mas abre, pelo menos, a oportunidade para se refazer uma discussão importante. Uma imprensa que ficou tão empenhada em defender seus direitos em episódios como o sutiã de Gisele não deveria mostrar-se tão silenciosa diante de uma ameaça direta a liberdade de informação, concorda?
Do Vamos combinar
No Brasil! Brasil!
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