Caiu muita coisa do céu no espetáculo de inauguração das Olimpíadas de Londres: as argolas olímpicas incandescentes, várias Mary Poppins — e a rainha, de paraquedas. Está certo, não era a rainha e sim um fac-símile razoável, mas Elizabeth se prestou a participar da encenação e só cedeu seu papel a um dublê na hora do salto, apesar da insistência do príncipe Charles para que ela mesma se atirasse.
De qualquer jeito foi admirável ver a rainha incluída numa seleção de ícones britânicos — Shakespeare, Beatles, 007 — feita sem distinção entre o pop e o solene. Tudo que era solidamente inglês se integrava no espetáculo, fosse a rainha ou o Mr. Bean.
Imagino que a primeira decisão de quem organiza uma festa como a da inauguração das Olimpíadas ou de evento similar, como uma Copa do Mundo, deva ser entre celebrar o país que faz a festa ou o chamado espírito olímpico, de congraçamento entre os povos acima de fronteiras e identidades nacionais etc, etc.
Os ingleses decidiram ser ingleses ao ponto de ostentação. Nada de espírito olímpico, o festejado, e bem festejado, foi o espírito nacional. Mas não foi uma celebração acrítica.
Mostraram a revolução industrial que começou na Inglaterra e mudou o mundo e ao mesmo tempo — com aquelas espantosas chaminés brotando do chão para espalhar a fuligem por campos outrora verdes e pastorais — as consequências das sombrias usinas satânicas, as “dark satanic mills” do poema de William Blake, na vida das pessoas.
E não deixou de haver política na apresentação. Não havia muita razão para aquele longo segmento dedicado ao serviço nacional de saúde, o plano de assistência médica universal posto em prática pelos trabalhistas que nenhum governo conservador ousou tocar, a não ser como um recado para o atual governo conservador.
Como medida de austeridade para enfrentar a crise, o governo Cameron está cortando benefícios sociais com um entusiasmo inédito desde os tempos da sra. Thatcher e sua machadinha impiedosa.
O show das enfermeiras dançantes e das crianças bem tratadas foi para lembrar que o National Health Service é uma instituição inglesa tão digna de ser celebrada quanto as outras — e quem se atrever a mudá-la terá que se entender com a Mary Poppins.
Luís Fernando Veríssimo
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