UPPs são moralistas com os bailes funk, que são banidos das comunidades. Já em SP, homicídios de funkeiros são encarados como merecidos.
O funk não é caso de polícia. No entanto, é assim que os bailes funk, confinados nas periferias e favelas, têm sido encarados pelo poder público e por grande parte da mídia.
Sob os pretextos de combater o barulho excessivo, as brigas, o tráfico de drogas, a corrupção de menores e a apologia ao crime, os bailes funk chegaram a ser, na prática, proibidos em todo o território fluminense a partir da segunda metade da década de 1990, por meio de leis que impunham uma série de requisitos burocráticos para sua realização de maneira lícita.
Apenas no ano de 2009 foi aprovada uma lei, de autoria dos deputados Marcelo Freixo (PSOL) e Wagner Montes (PDT), que reconhece o funk como movimento cultural de caráter popular e veda ações discriminatórias por parte do Estado.
Mas ela não tem sido respeitada. A instalação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) em comunidades no Rio de Janeiro tem sido acompanhada por uma política bastante moralista e paternalista com relação aos bailes, encarados não como um importante espaço de sociabilidade e lazer juvenil, mas como resquícios do tempo de “dominação” dos traficantes.
Em nome da manutenção da ordem, comandantes das UPPs se comportam como xerifes, impondo toques de recolher. Ao proibir os bailes, no entanto, o Estado faz com parte dos jovens dessas comunidades se desloque para bailes em áreas ainda não “pacificadas”.
Caberia, pois, ao Estado, permitir a realização de bailes pacíficos, em locais com infraestrutura adequada e isolamento acústico. É preciso reconhecer que funk é cultura. Há historicamente a tendência de compreender a cultura “de pobre” como cultura pobre. Não que os funkeiros precisem ter seu gosto chancelado pelo Estado ou por outros setores da sociedade. Basta que não tenham seu gosto criminalizado.
Quando não são acusados de fazer letras pobres e alienadas, os MCs são acusados de compor músicas que fazem apologia ao crime, taxadas de “proibidões”. Por outro lado, consumo de drogas e violência existem em praticamente todos os locais de divertimento de jovens, inclusive em “baladas” caras de bairros nobres, mas nem por isso a polícia proíbe tais festas.
Não se deve ter a ilusão de que a criminalização do funk se restringe ao Rio. A gigantesca e protagonista força cultural do funk nas periferias de São Paulo tem sido condenada à invisibilidade. Quando retratada, aparece como fenômeno que tira a paz dos moradores dos bairros onde os bailes ocorrem e, portanto, legitima a repressão policial.
O resultado trágico dessa política pode ser constatado na sequencia de assassinatos de grandes ídolos do funk da Baixada Santista. Só no último mês de abril, foram executados MC Primo e, onze dias depois, MC Careca. Os principais suspeitos, até o momento, são policiais militares. Já são cinco assassinatos de ídolos do funk na Baixada Santista em 24 meses. Outros MCs declararam que já receberam ameaças de morte.
Não só a origem social dos ídolos torna essas mortes invisíveis, como, nesses casos, costuma-se responsabilizar a própria vítima por seu destino, sugerindo-se apressadamente que sua morte é resultado esperado (merecido?) de seu suposto envolvimento com traficantes.
Nesse ponto, o extermínio de MCs talvez represente a face mais radical da política de “tolerância zero” contra os funkeiros.
Danilo Cymrot, 26, é mestre e doutorando em criminologia pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
No Sul21
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