Há algo em comum entre os líderes das mais recentes revoltas populares: todos cultuam Sharp
 O autor de Como começar uma revolução?  e outros 20 livros traduzidos em mais de 30 idiomas com receitas  didáticas para derrubar ditaduras sem pegar em armas esteve em Oslo na  semana passada, onde conversou com Opera Mundi. Durante três dias, Gene Sharp (à esquerda)  debateu com líderes de movimentos de protesto de 26 países, entre eles  sírios, egípcios e nepaleses que vêm enfrentando repressão brutal,  prisão e morte por reivindicar mudanças nas muitas primaveras espalhadas  hoje pelo globo – algumas apoteóticas e muito midiatizadas, como a do  Egito, outras lentas e de sucesso incerto, como a do Zimbábue.
O autor de Como começar uma revolução?  e outros 20 livros traduzidos em mais de 30 idiomas com receitas  didáticas para derrubar ditaduras sem pegar em armas esteve em Oslo na  semana passada, onde conversou com Opera Mundi. Durante três dias, Gene Sharp (à esquerda)  debateu com líderes de movimentos de protesto de 26 países, entre eles  sírios, egípcios e nepaleses que vêm enfrentando repressão brutal,  prisão e morte por reivindicar mudanças nas muitas primaveras espalhadas  hoje pelo globo – algumas apoteóticas e muito midiatizadas, como a do  Egito, outras lentas e de sucesso incerto, como a do Zimbábue.O filósofo e professor emérito de Ciência Política da Universidade de  Massachusetts Dartmouth, cotado mais de uma vez para o Prêmio Nobel da  Paz e apontado como um dos inspiradores da revolução egípcia, tem hoje  84 anos, mas a idade não o impede de viajar o mundo debatendo ideias,  mesmo em países hostis às suas publicações.
"Um companheiro foi detido e condenado a sete meses por estar com  páginas fotocopiadas de seu livro, senhor Sharp", disse um moreno  barbado de aspecto maciço, chamado Al Maskati Mohamed, representante da  Sociedade dos Jovens pelos Direitos Humanos no Bahrein, uma ilha do  Golfo Pérsico 2 mil vezes menor que a cidade de São Paulo, onde há  alguns meses grupos de manifestantes vêm pedindo a renúncia do líder de  uma dinastia que está há mais de 200 anos no poder. "Sete meses de  detenção?", retrucou Sharp. "Isso é quase uma ofensa para a minha obra. O  que está havendo? Eu costumava ver dissidentes serem condenados a sete  anos por possuir um exemplar dos meus livros", disse Sharp, sem sorrir.
Com o corpo curvado sobre a bengala e uma voz rouca quase ausente, ele é  a personificação da resistência serena. Cruzar o Atlântico numa  exaustiva viagem de 12 horas até chegar a Oslo não abateu em nada esse  senhor de cabelos completamente brancos e aparência frágil como  porcelana. Entre 6 e 8 de junho, ele se fez presente numa longa reunião,  de três dias, auspiciada pelas chancelarias da Noruega e da Suíça, para  debater com alguns dos líderes dos mais ativos grupos de direitos  humanos do mundo, para discutir o tema "Defensores de Direitos Humanos e  Manifestações Pacíficas".
Se há algo que o veteraníssimo Sharp conhece de perto é o risco de  questionar governos. Nos EUA, ele passou nove meses numa cela por  protestar contra o recrutamento de jovens para combater na Guerra da  Coreia, nos anos 1950. A longa experiência lhe deu parte da preciosa  bagagem necessária para irritar gente poderosa – e ganhar a pecha pouco  criativa em muitas praças de "agente da CIA".
Uma de suas maiores contribuições é um guia com 198 medidas pacíficas a  serem tomadas caso você e seus amigos queiram derrubar uma ditadura. Há  muitas dicas úteis, além das tradicionais marchas e protestos. Por  exemplo, porque não organizar uma série de festas? Ninguém poderá dizer  que se trata exatamente de um protesto e, num lugar fechado como a  Coreia do Norte ou o Sri Lanka, isso pode ter algum efeito. Ou ainda  mais simples: instruir o povo a simplesmente virar as costas às  autoridades. Todos juntos, ao mesmo tempo. Parece ingênuo, mas estamos  falando de rincões realmente obscuros.
Você também pode simplesmente ficar em casa. Ninguém sai na rua, não há  protesto. Ou, ao contrário, combinar um dia para que toda a população  vá andando ao trabalho, na mesma hora; deixe de pagar em massa  determinada conta pública como luz ou água num determinado mês do ano ou  combine um dia para que o máximo de pessoas saque dinheiro dos bancos  no mesmo dia, na mesma hora. Nada disso? Então suma. Isso, ele propõe  desaparições coletivas voluntárias como forma de abalar a "normalidade"  que regimes fechados tentam manter a todo custo.
Apesar de escrever guias assim, Sharp se recusa entretanto a dar  conselhos. "Se você está metido numa luta política, arriscando a sua  vida, e vem pedir para que alguém de outro país lhe diga o que fazer,  então, está perdido. É melhor parar e pensar", adverte.
Ele diz que nada substitui a análise acurada dos fatos. "Um movimento  pacifista maduro e bem articulado, com poder de análise competente,  dificilmente não atinge seus intentos. Se algo sai errado, é preciso  melhorar a análise, saber identificar as oportunidades, as brechas",  diz.
Para Sharp, a sacada não é exatamente sonhar em derrubar governos, mas  "drenar de tal forma a confiança e o apoio do ditador que ele não tenha  mais a quê poder renunciar. Que sua queda seja natural". Uma de suas  frases mais célebres é "um ditador nunca é tão invencível quanto ele  quer que você creia que ele é".
Foi assim na Sérvia, com a queda de Slobodan Milosevic, e na Ucrânia de  Victor Yanukovych, onde os movimentos de protesto pagam enorme tributo a  Sharp.
"Esses movimentos políticos são dramáticos e não acontecem porque as  pessoas pensem que eles vão triunfar, porque pareça uma boa ideia no  momento. Normalmente, isso é fruto da necessidade. Não se trata de  cálculo", diz para tentar explicar o que acontece, em parte, em países  como a Síria e o Egito hoje.
Sharp é realista, quase cético, sobre o que acontece no Egito. Ele  chegou a prever o golpe branco que os militares dariam uma semana  depois, durante o segundo turno das eleições presidenciais – as  primeiras depois da era Mubarak – delegando a si mesmas poderes  legislativos biônicos. "Isso frequentemente acontece. Por isso é preciso  ser muito cuidadoso".
Sobre a Síria, ele diz que seria muita ingenuidade acreditar que um  regime como o de Assad não recorreria ao uso de medidas brutais para  reprimir os dissidentes. E sem completar a ideia, sugere que talvez  fosse prudente esperar por uma janela de oportunidade mais clara para  mudar o regime. Como um pacifista, Sharp não aposta fichas numa  hipotética – e cada vez mais improvável – intervenção militar da ONU.  Para ele, ou os movimentos aprendem a romper a lógica da violência, ou  não passarão de mais um movimento no pêndulo de intolerância que produz  mudanças de cargos, mas não de paradigmas.
No Opera Mundi
    







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