Fernando Lugo foi destituído da presidência por um impeachment relâmpago e agora trabalha pela unidade política do Frente Guasú |
O ex-presidente paraguaio Fernando Lugo, destituído em 22 de junho pelo congresso do país, alertou para a existência de novos modelos de golpe de Estado na América Latina – sem tanques de guerra nas ruas nem presos políticos nem mortes. “É como disse o representante do Paraguai na OEA, a Organização dos Estados Americanos: está tudo tranquilo no país: portanto, não há golpe.”
No intervalo de quatro anos, Fernando Lugo foi o segundo presidente da região forçado a deixar o poder antes do término de seu mandato constitucional. O primeiro foi Manuel Zelaya, de Honduras, derrubado em 2009 quando um grupo de militares invadiu sua residência em plena madrugada e o colocou num avião rumo ao exílio. “Foi um golpe muito mais grosseiro”, compara o ex-presidente paraguaio. “Agora há golpes mais refinados, como o que sofri, que pretendem vender ao mundo uma imagem de legalidade, como se não passassem de uma ferramenta jurídica e constitucional.”
Fernando Lugo revelou que, há três anos, lhe disseram que, depois de Honduras, o Paraguai seria o próximo país latino-americano a sofrer um golpe. Isso porque mistura uma frágil institucionalidade democrática a um congresso que representa os setores mais conservadores da sociedade: está dominado por membros dos partidos Liberal e Colorado. “A direita não dorme”, avalia. “Não sei onde haverá o próximo golpe, mas será onde as multinacionais queiram ter acesso livre e direto aos recursos naturais.”
No Paraguai, a riqueza econômica está na agricultura – mais precisamente, no cultivo da soja. O país é o quarto exportador mundial da leguminosa. Por isso, o ex-presidente não descarta que os interesses das grandes multinacionais agrícolas tenham participado da orquestração do golpe parlamentar. “Existem poderes à sombra, que não mostram seu rosto, mas que influenciam na tomada de decisões”, reconhece. “Quando comecei na política me disseram que 70% do que acontece no Paraguai se decide fora do país. Na época, não quis acreditar. Agora, pelas experiências que passamos, não descarto essa possibilidade.”
As multinacionais, lembrou Lugo, financiam candidaturas no Paraguai sem que seja necessário aos políticos beneficiados explicarem à justiça de onde vêm os recursos de campanha. O narcotráfico faz o mesmo. Para o ex-presidente, algumas medidas tomadas por seu sucessor, Federico Franco, oferecem algumas evidências sobre quais grupos de poder econômico podem ter participado do impeachment relâmpago. Quarto decisões recentes do novo governo merecem destaque.
Primeiro, o anúncio do recém-empossado ministro da Fazenda de que não haverá mais impostos sobre a exportação da soja. Segundo, a abertura do país ao cultivo de sementes transgênicas. “Estávamos trabalhando pela recuperação das espécies nativas de milho, feijão e algodão”, contrapõe Fernando Lugo. Em terceiro lugar, o ex-presidente informou que Federico Franco aceitou pagar uma dívida ilegal e ilegítima contraída pelo Paraguai junto a bancos suíços durante a ditadura de Alfredo Stroessner. “É um empréstimo de 80 milhões de dólares que nunca chegou ao país”, explica. “Estávamos nos recusando a pagá-la e brigando nos tribunais internacionais.”
A quarta medida do novo governo se refere à instalação da mineradora e siderúrgica canadense Rio Tinto Alcan em território paraguaio. “Como é possível que uma empresa tão grande queira produzir alumínio no Paraguai se a matéria-prima está no Brasil e o mercado consumidor também?”, questiona Lugo. A explicação, continua, é o preço da eletricidade. O ex-presidente afirma que seus sucessores estão negociando com a companhia um contrato de fornecimento de energia que causará um prejuízo de 14 bilhões de dólares ao Estado pelos próximos 30 anos – que podem se transformar em 50. “Não há dúvida de que as multinacionais são poderes de fato em nosso país”, conclui.
Desafios
Diante das condições políticas e econômicas adversas para o estabelecimento de uma agenda popular e progressista no Paraguai, Fernando Lugo esboçou algumas ideias de como se poderia dar início a um processo de mudança estrutural. E admite que, em seu governo, não conseguiu aplicá-las. “Modificar a estrutura fundiária é o primeiro desafio: o Paraguai tem uma extensão territorial de 406.752 km2, mas, somando todos os títulos de propriedade da terra, temos 529.000 km2 legalizados”, informa.
Por isso, o primeiro passo para a transformação do país, segundo Lugo, seria convocar uma assembleia constituinte – tal qual fizeram Venezuela, Bolívia e Equador. “Nossa constituição é uma fotografia da década de oitenta e noventa, e põe panos quentes sobre a posse ilegal da terra”, diz. “Depois, o país deve integrar-se à região, porque o pior castigo para uma nação que não tem saída para o mar nem companhia aérea é estar isolado.”
Fernando Lugo não acredita em mudanças imediatas. “Há esperança”, alega, lembrando de alguns processos sociais que se instalaram no Paraguai durante seu governo. A saúde pública e gratuita é um deles. “É uma conquista dos cidadãos e não haverá volta atrás.” Para começar a implementá-las, porém, o ex-presidente reconhece que é necessário possuir uma ampla base de apoio no parlamento – coisa que não teve durante seu governo. Eis uma das razões que lhe impulsionará à candidatura para o Senado nas próximas eleições pelo Frente Guasú.
No Correio do Brasil
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