Celso Bandeira de Mello desmente revista Veja
September 22, 2012 21:00 - Pas de commentaire

Leia a declaração de Celso Antônio Bandeira de Mello.
Uma notícia deslavadamente falsa publicada por um semanário intitulado “Veja” diz que eu estaria a redigir um manifesto criticando a atuação de Ministros do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ação que a imprensa batizou de mensalão e sobremais que neste documento seria pedido que aquela Corte procedesse de modo “democrático”, “conduzido apenas de acordo com os autos” e “com respeito à presunção de inocência dos réus”. Não tomei conhecimento imediato da notícia, pois a recebi tardiamente, por informação que me foi transmitida, já que, como é compreensível, não leio publicações às quais não atribuo a menor credibilidade.No caso, chega a ser disparatada a informação inverídica, pois não teria sentido concitar justamente os encarregados de afirmar a ordem jurídica do País, a respeitarem noções tão rudimentares que os estudantes de Direito, desde o início do Curso, já a conhecem, quais as de que “o mundo do juiz é o mundo dos autos” – e não o da Imprensa – e que é com base neles que se julga e que, ademais, em todo o mundo civilizado existe a “presunção de inocência dos réus”.É esta a razão pela qual, sabidamente, indiciados não são apenados em função de meras conjecturas, de suposições ou de simples indícios, mas tão somente quando existirem provas certas de que procederam culposa ou dolosamente contra o Direito, conforme o caso. Pretender dizer isto em um manifesto aos Ministros do Supremo Tribunal Federal seria até mesmo desrespeitoso e atrevido, por implicar suposição de que eles ignoram o óbvio ou que são capazes de afrontar noções jurídicas comezinhas. Nenhum profissional do Direito experimentado, com muitos anos de profissão, cometeria tal dislate. É claro que isto pode passar desapercebido a um leigo ao preparar noticiário, mas não convém que fique sem um cabal desmentido, para que os leitores não sejam enganados em sua boa-fé.
Simone de Moraes
No Advivo
"Joaquim Barbosa não é investigador no processo do mensalão"
September 22, 2012 21:00 - Pas de commentaireConsidero a tese inclusive contaminada por um certo subjetivismo exagerado, ao falar em "influência psicológica" na pessoa do ministro que esse contato inicial com as primeiras provas juntadas aos autos supostamente provocaria (esse tipo de argumento eu li numa entrevista dele ao Viomundo). Sinceramente, a tese não vinga. E o precedente citado da Corte Interamericana de Direitos Humanos precisaria ser analisada mais de perto para ver se tem relações com o que aconteceu no processo da AP 470. O precedente seria Las Palmeras contra a Colômbia Para saber se realmente possui vínculos com a legislação brasileira, seria preciso analisar a legislação colombiana aplicada à espécie. Luiz Flavio Gomes afirma que o que aconteceu naquele caso seria igual ao que aconteceu na AP 470. Eu acho muito difícil dar credibilidade a este afirmação.
No mais, se a tese que ele defende tiver o mínimo fundamento, os efeitos de uma eventual decisão de nulidade da Corte Interamericana de Direitos Humanos seria um milhão de vezes pior e mais problemática do que a alegação de que leis foram aprovadas pelo Congresso mediante corrupção: simplesmente todos os condenados pela justiça neste país poderiam recorrer a este tipo de expediente (inclusive via revisão criminal, caso os processos não estejam ainda em andamento), uma vez que o Código de Processo penal e, de resto, a legislação processual penal brasileira extravagante preceitua na mesma linha do RISTF, o qual se baseia na legislação infraconstitucional. No Brasil, sempre existe um juiz de direito que atua nessa fase preliminar. E isso sempre foi tido como um legítimo controle prévio de legalidade, sem que houvesse espaço para considerar que isso afetaria a sua parcialidade, tese que não é verdadeira, necessariamente, ou não deriva da sistemática adotada pela lei. Se um juiz de direito vier a ser parcial, isso depende de outros fatores e não dele atuar na fase preliminar do processo enquanto juiz de direito.
Alessandre Argolo
No Advivo
O último e tardio “aviso” a Jango
September 22, 2012 21:00 - Pas de commentaireNo dia do golpe, 31 de março de 1964, o então chefe do Estado-Maior das Forças Armadas (Emfa), general Pery Constant Beviláqua, encaminhou ao presidente João Goulart um documento que o alertava sobre os ânimos exaltados na caserna. No texto, provavelmente nunca lido por Jango, Beviláqua faz uma longa análise a respeito do quadro de indisciplina militar momentos depois de iniciada a quartelada, assusta-se com a perspectiva de implantação de uma ditadura “comuno-sindicalista” no País e dá um conselho ao presidente. Segundo o general, a única maneira de Goulart restabelecer a confiança dos chefes militares seria fazer uma “formal declaração” de que iria se opor às “greves políticas” anunciadas à época pela Central Geral dos Trabalhadores (CGT) e ordenar uma intervenção nos sindicatos envolvidos nos planos de paralisação.
Confira aqui (em PDF) a íntegra do documento.
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Ambíguo. Beviláqua seria cassado pela ditadura por denunciar a farsa dos inquéritos policiais militares. Foto: Arquivo/Ag. O Globo |
Beviláqua era uma figura controversa na caserna. Oficial legalista, continuou chefe do Emfa após o golpe simplesmente porque os golpistas não sabiam o que fazer com ele. Em 1965 foi nomeado ministro do Superior Tribunal Militar (STM), mas logo se desentendeu com a turma da linha dura. Em 1968 foi cassado com base no Ato Institucional número 5, o AI-5, por ter denunciado a fraude em que se transformaram os Inquéritos Policiais Militares (IPMs) da ditadura, usados para perseguir, prender, torturar e matar adversários do regime. Proscrito da caserna, Beviláqua filiou-se ao antigo MDB, única oposição permitida pelos generais, e foi um dos criadores do Comitê Nacional de Anistia.
Foi, ele mesmo, anistiado em 1979, e aposentado como ministro do STM. É pouco provável, contudo, que tenha escrito o documento de 31 de março de 1964 sem saber da movimentação golpista à sua volta. Isso porque o chefe do Emfa era o responsável pela organização e emprego conjunto das Forcas Armadas. Também era responsável por emitir pareceres sobre todos os problemas relativos à segurança nacional, além de exercer a alta direção dos serviços de informação e contrainformação militares. Ou seja, Beviláqua sabia – ou deveria saber – de tudo.
Ninguém entende quais foram as razões que o levaram a produzir um alerta a Jango, registrado num documento de nove páginas, horas depois de os tanques do general Olímpio Mourão Filho terem partido de Juiz de Fora, Minas Gerais, em direção ao Rio de Janeiro, na madrugada de 31 de março de 1964. Beviláqua morreu em 1990, aos 91 anos, sem nunca ter tocado no assunto, ao menos publicamente.
Embora tenha sempre se mantido longe da linha dura, Beviláqua era anticomunista de carteirinha e via na agitação sindical pré-1964 uma tentativa de substituição dos partidos democráticos por “ajuntamentos dominados por comunistas”, dos quais ele queria distância do governo e da República. O “espectro de uma ditadura comuno-sindical”, alertava o general, contribuiria, além de tudo, para o agravamento da inflação.
O documento encaminhado a Jango faz parte de uma papelada secreta encontrada há três meses no prédio do Ministério da Defesa, em Brasília, onde por 35 anos funcionou a sede do Emfa, extinto em 1999. Ao todo, foram achados 37 volumes encadernados classificados como sigilosos, além de 52 volumes de boletins reservados. Por ordem do ministro Celso Amorim, a papelada foi enviada ao Arquivo Nacional para ser colocada à disposição do público. Além da mensagem de Beviláqua há muitas comunicações administrativas (ofícios, memorandos, mensagens) e diversos relatórios sobre a conjuntura política nacional e internacional entre 1946 e 1991.
A mensagem de Beviláqua a Jango pode ser interpretada tanto como uma peça de cinismo quanto um atestado de ingenuidade do chefe do Emfa. O distanciamento histórico, contudo, dá a cada conselho do general um toque de ironia. Ao tratar do tema “Exame da situação militar”, Beviláqua alerta para a necessidade de impedir a infiltração de “elementos subversivos” nas Forças Armadas, pessoas que, segundo ele, “chegam a iludir a boa-fé de certas autoridades”, uma insinuação pouco sutil ao próprio presidente. O moral da tropa, avisa o general no dia do golpe, poderia ser considerado “bom”, mas apresentava-se “suscetível de (sic) bruscas variações” por causa da tensão provocada pelo processo “comuno-desagregador em desenvolvimento no País”.
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Na missiva, o chefe do Emfa recomenda ao presidente que proíba as greves “políticas” e barre o avanço comunista. Foto: Dominicio Pinheiro/AE |
Beviláqua cita, claro, o comício de 13 de março de 1964, na Central do Brasil, no Rio, como um evento que teve “funda repercussão nos meios militares”. E deu a dica do que iria acabar se consolidando dali a algumas horas. “Os chefes militares das três Forças Armadas, em todos os graus da hierarquia, veem com crescente apreensão o desenvolvimento da grave crise de autoridade”. De acordo com o general, “o sistema comuno-sindical-grevista, na medida em que se fortalece e amplia, torna-se cada vez mais perigoso para a segurança do País”.
Uma “República Sindicalista”, delírio comum entre os generais em 1964, diz Beviláqua ao presidente João Goulart, só poderia ser implantada no Brasil “sobre o cadáver moral” das Forças Armadas. Não deixa de ser uma ironia o fato de que, em seguida, uma ditadura tenha sido implantada sobre o cadáver moral do País. Por ingenuidade ou ideologia, o general via nos sindicalistas, e não nos militares golpistas, “inimigos mortais” da democracia, do que, justiça seja feita, iria se arrepender, poucos anos depois, ao ser cassado, entre outros motivos, por conceder habeas corpus demais quando ministro do STM.
No item “Impressão sobre a situação no que concerne à segurança interna”, Beviláqua informa a Jango que as Forças Armadas estavam, suprema ironia, “prontas a cumprir e fazer cumprir a Constituição e as leis do País, que a todos obrigam”. Mas faz uma ressalva: “Desde que prontamente seja restabelecido o princípio da autoridade e o clima de disciplina militar rotundamente abalados pelas últimas ocorrências”. E repreende Goulart por ele ter ido, na noite anterior ao golpe, receber uma homenagem de sargentos da Marinha, Exército, Aeronáutica e das polícias militares no Automóvel Clube do Rio de Janeiro.
Autor de O Sequestro dos Uruguaios, primeiro livro sobre a Operação Condor, o consórcio do terror montado pelas ditaduras da América do Sul nas décadas de 1970/1980, o jornalista Luiz Cláudio Cunha afirma nunca ter visto o texto do general Beviláqua. Depois de ler o documento escrito pelo general, a pedido de CartaCapital, Cunha, recentemente nomeado consultor da Comissão Nacional da Verdade, avaliou que o registro não destoa do ambiente golpista da época. “O Pery, no documento, repete o que os golpistas diziam há tempos.”
Leandro FortesNo CartaCapital
ONG verde profetiza: apocalipse aconteceu há pouco. Mas, nós nem soubemos!
September 22, 2012 21:00 - Pas de commentaireNão é piada. Pretende ser algo muito sério. A ONG Global Footprint Network – GFN anunciou que no dia 22 de agosto a humanidade acabou de consumir todos os recursos naturais que o planeta é capaz de produzir num ano.
Essa data fatídica, estipulada a partir de cômodos escritórios governamentais e de saborosos restaurantes pagos pelos impostos dos cidadãos, foi levada muito a sério pelo jet-set ambientalista.
O dia foi batizado de “Global Overshoot Day”, ou o “Dia da ultrapassagem”.
O ex-frei Leonardo Boff, que de teólogo pró-marxista passou sem renegar seu passado a teólogo do extremismo verde, tem explorado essa data até em discursos na ONU.
O ex-frei Leonardo Boff, teólogo do panteísmo verde, deu a "catastrófica" notícia em discurso no Dia da Terra na ONU |
Se o leitor acha isto por demais histriônico, contrário à realidade que entra pelos olhos no dia-a-dia, prepare-se porque ainda tem mais.
A claque “verde” rasgou as vestiduras diante daquilo que o pretensamente sério diário socialista parisiense “Le Monde” qualificou de “má notícia para o planeta”.
O catastrofismo do GFN e dos que dizem acreditar em seus prognósticos acrescenta outro elemento indutor ao pânico: o “dia da ultrapassagem” está acontecendo cada vez mais cedo.
Se em 2012 ele aconteceu 36 dias antes que em 2011, em 2005 os limites teriam estourado em 20 de outubro, e em 2000, em 1º de novembro.
Neste ritmo não falta muito para não se poder nem mesmo começar o ano, pois não haveria disponibilidade de recursos alimentares, energéticos e outros, básicos para a subsistência do planeta.
O disparate é demais, mas tem suas arapucas para pôr no ridículo a quem não está advertido sobre as artimanhas do ambientalismo.
Na primeira embromação, os especialistas da ONG esclarecem que não é que a Terra parou de produzir – basta olhar o prato todos os dias.
Eles acrescentam que seus sábios cálculos apontam que no ritmo atual de consumo, não poderíamos estar consumindo mais do que consumimos até 22 de agosto.
Todo o que consumimos desde essa data em diante é mediante crédito: “nós estamos vivendo a crédito até o fim do ano”, explica “Le Monde”, e essa dívida mais cedo ou mais tarde tornar-se-á impagável e o planeta parará.
Fiéis ao dirigismo totalitário verde, os peritos do GFN calcularam todos recursos da Terra, compararam a capacidade de produção de cada hectare e o consumo dos cidadãos. Na balança, incluíram o lixo gerado.
O resultado desse cálculo cerebrino é que, segundo Mathis Wackerngel, fundador do grupo GFN, “um déficit ecológico está se abrindo de maneira exponencial há 50 anos”.
O GFN tenta pôr em termos compreensíveis essa construção descolada da realidade, dizendo que uma só Terra já não basta para atender às necessidades atuais da humanidade e absorver o lixo que ela produz.
No momento atual, seriam necessárias uma Terra e meia para satisfazer aos homens.
Mas, como é que a humanidade continua vivendo e progredindo? Não faça essa pergunta, pois ela é reveladora de mentalidade retrógrada, ecologicamente incorreta, sem sensibilidade ambiental, e, pior que tudo, capitalista.
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Mathis Wackerngel,fundador da ONG Global Footprint Network - GFN |
Pois é na diatribe anticapitalista e antiocidental que vai dar esse bicho de sete cabeças.
A lista de culpados de “consumismo” é encabeçada pelo Qatar, o Kuwait e os Emirados Árabes Unidos. Seria preciso cinco planetas, segundo o delirante cálculo, só para absorver a produção de C02 do Qatar.
Dos 149 países analisados segundo estes critérios enviesados, há 60 que são réus. Não é preciso dizê-lo: trata-se dos países industrializados onde ainda vigoram a propriedade privada e a livre iniciativa.
E a China, a maior poluidora mundial?
Na hora de falar dela, o relatório do GFN abunda em comiserações e condescendências: no fim das escusas, Pequim acaba fora do número dos réus.
O relatório do GFN foi realizado com o contributo de um dos movimentos mais militantemente contrários à civilização ocidental: a World Wildlife Foundation – WWF. Esta outra ONG acrescenta mais estatísticas e considerações apocalípticas afins com o seu objetivo ideológico anticivilizatório.
E se o leitor achar que talvez com algumas concessões em matéria de gastos de matérias primas ou energia – que sob certos pontos de vista são excessivos – poder-se-ia impedir o Apocalipse aqui profetizado, pode ‘tirar o cavalo da chuva’.
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Pelo rebuscado, porém esdruxulo cálculo, seriam precisos cinco planetas para os homens viverem no nível de vida dos americanos. Leia-se: não sonhemos mais em progredir nem melhorar |
Para Mathis Wackerngel, fundador do grupo GFN, nem a austeridade nem o desenvolvimento poderão evitar a queda final do sistema que ordena o mundo atual.
A Terra, diz ele, ficou sem regeneração e por causa disso a economia descambará em qualquer hipótese. O cataclismo final, segundo ele, ocorrerá infalivelmente, seja de um modo planificado ou por desastre inevitável.
A sabedoria resolveria estes e muitos outros problemas, mas quando ela não existe nos espíritos, os profetas da irracionalidade não só pregam absurdos como trabalham com poderosos apoios para que eles se tornem uma sinistra realidade.
Um vazio que se abre: a morte de Carlos Nelson
September 22, 2012 21:00 - Pas de commentaire
Analista herege de Marx e antiestalinista ferrenho, Carlos Nelson também foi um ser humano excepcional. Foi do velho “partidão” ao Psol, passando pelo PT, sem romper uma relação pessoal, sem desrespeitar um amigo ou qualquer pessoa que divergisse das suas posições e, mais do que isso, sem qualquer resquício de sectarismo ou pretensão de ser tornar paradigma. Tenho uma dívida pessoal com Carlos Nelson, por ter aprendido muito com ele, seja nas nossas conversas ou no intercâmbio de opiniões por escrito, seja pela leitura dos seus livros: um grande intelectual, sem afetação e sem medo de enfrentar os temas mais complexos da esquerda contemporânea.
Em março de 79, na antiga revista “Encontros com a Civilização Brasileira” (n..9) Carlos Nelson publica um brilhante artigo, “A democracia como valor universal”, que começa assim: “A questão do vínculo entre socialismo e democracia marcou sempre, desde o início, o processo de formação do pensamento marxista; e, direta ou indiretamente, esteve na raiz das inúmeras controvérsias que assinalaram e assinalam a história da evolução desse pensamento.”
Era uma bomba. A luta armada derrotada no Brasil, a transição controlada pelos políticos centristas - acordados com os militares que viam o modelo econômico da ditadura ruir- Carlos Nelson parecia ajudar a transição promovida pelas elites, que apenas abririam um espaço mais generoso para o povo sete anos depois, com a convocação da Assembléia Nacional Constituinte, aliás não originária. Mais adiante, seu artigo teve uma resposta respeitosa e de alto nível do meu irmão, já falecido, Adelmo Genro Filho, (n.17, da mesma revista).
Vale a pena transcrever o início do texto de Adelmo, que discuti com o próprio autor na época e o secundei com algumas opiniões: “Carlos Nelson Coutinho pensa grande.(...) Seu combate às tendências estruturalistas e neopositivistas que vicejam nas cátedras universitárias, tanto na Europa como no Brasil, em alguns momentos tornou-o quase um solitário. E o reconhecimento da persistência na solidão de teses justas é tributo mínimo que lhe devemos. Assim, é Carlos Nelson Coutinho, um pensador com “R” (de razão dialética) maiúsculo.”
O debate travado, naquela oportunidade, por Carlos Nelson e Adelmo, ainda mantém sua atualidade, mas, creio, não mais a partir da dúvida se a democracia - como forma de organização do Estado e de organização das liberdades públicas - tem ou não valor universal. A atualidade do debate está mais centrada na questão de “qual a democracia?”, capaz de expandir as liberdades públicas e organizar o Estado, de tal forma que dele derivem políticas que reduzam crescentemente as desigualdades sociais e as dominações de classe. Que uma ditadura não faz isso - qualquer ditadura - isso a crise dos modelos do Leste já demonstrou.
Quem “ganhou” o debate naquela época não importa, mas que a democracia - o oposto de qualquer ditadura - que garanta as liberdades públicas e as mesmas condições de concorrer para chegar o poder (o que ainda é muito relativo na atual democracia brasileira), tem um valor universal - como dizia Coutinho - parece não haver dúvida na ampla maioria da esquerda pensante. Em grande parte, devemos a integração deste pensamento antidogmático a Carlos Nélson Coutinho, sua persistência no debate, sua capacidade de inovar dentro do marxismo, sua postura permanentemente “revisionista” das ideias positivistas-naturalistas, que estiveram no cerne do marxismo-leninismo da Academia de Ciências da URSS.
No prefácio que Carlos Nelson fez do meu livro ”Utopia Possível” (Artes e Ofícios, 1994), no qual inclusive diverge de algumas abordagens críticas que faço, do marxismo “realmente existente”, ele diz com a sua sinceridade e clareza lapidar: “Tenho insistido na ideia - com a qual Tarso talvez concorde - de que a essência do método marxista é o revisionismo, o empenho permanente em aprender dialeticamente as novas determinações do real.
Na ampla gama de intelectuais que acompanharam e participaram das lutas do nosso povo nos últimos 50 anos lá está, luminosa, a coerência e a profundidade intelectual de Carlos Nelson. Alguns, originários da mesma época, organizaram-se em torno dos pensamentos liberais (mais propriamente neoliberais), que hoje formam o grande conglomerado do conservadorismo político nacional, cuja ocupação predileta é inconformar-se com as conquistas sociais, educacionais e políticas, dos últimos dez anos. Até nisso Carlos Nelson foi mais brilhante do que eles: suas divergências com o PT e com os governos Lula, ocorreram porque ele entendeu que estas mudanças foram pouco profundas e também modestas, em termos sociais e econômicos. Rompeu com o PT - concorde-se ou não com as suas razões - pela esquerda, não pelo udenismo fundamentalista ou pelas ideias do Consenso de Washington.
Os intelectuais do PT, os formuladores de ideias dentro do nosso Partido - nesta época que se abrirá depois das eleições - depois do “Fantástico” (em todos os aspectos) julgamento do “mensalão”, quando se aprofunda a crise europeia e os tucanos afiam suas garras ajudados pela mídia complacente com os seus mensalões, - nossos intelectuais e formuladores - deveriam ler e reler Carlos Nelson Coutinho. Sua contribuição teórica é um bom antídoto contra o pragmatismo e uma boa vacina contra a acomodação burocrática. Bravo Carlos Nelson Coutinho. Vai fazer muita falta.
Tarso Genro, Governador do Rio Grande do SulNo Carta Maior