Lugo alerta para existência de novos tipos de golpe na América Latina
6 de Agosto de 2012, 21:00 - sem comentários aindaFernando Lugo foi destituído da presidência por um impeachment relâmpago e agora trabalha pela unidade política do Frente Guasú |
O ex-presidente paraguaio Fernando Lugo, destituído em 22 de junho pelo congresso do país, alertou para a existência de novos modelos de golpe de Estado na América Latina – sem tanques de guerra nas ruas nem presos políticos nem mortes. “É como disse o representante do Paraguai na OEA, a Organização dos Estados Americanos: está tudo tranquilo no país: portanto, não há golpe.”
No intervalo de quatro anos, Fernando Lugo foi o segundo presidente da região forçado a deixar o poder antes do término de seu mandato constitucional. O primeiro foi Manuel Zelaya, de Honduras, derrubado em 2009 quando um grupo de militares invadiu sua residência em plena madrugada e o colocou num avião rumo ao exílio. “Foi um golpe muito mais grosseiro”, compara o ex-presidente paraguaio. “Agora há golpes mais refinados, como o que sofri, que pretendem vender ao mundo uma imagem de legalidade, como se não passassem de uma ferramenta jurídica e constitucional.”
Fernando Lugo revelou que, há três anos, lhe disseram que, depois de Honduras, o Paraguai seria o próximo país latino-americano a sofrer um golpe. Isso porque mistura uma frágil institucionalidade democrática a um congresso que representa os setores mais conservadores da sociedade: está dominado por membros dos partidos Liberal e Colorado. “A direita não dorme”, avalia. “Não sei onde haverá o próximo golpe, mas será onde as multinacionais queiram ter acesso livre e direto aos recursos naturais.”
No Paraguai, a riqueza econômica está na agricultura – mais precisamente, no cultivo da soja. O país é o quarto exportador mundial da leguminosa. Por isso, o ex-presidente não descarta que os interesses das grandes multinacionais agrícolas tenham participado da orquestração do golpe parlamentar. “Existem poderes à sombra, que não mostram seu rosto, mas que influenciam na tomada de decisões”, reconhece. “Quando comecei na política me disseram que 70% do que acontece no Paraguai se decide fora do país. Na época, não quis acreditar. Agora, pelas experiências que passamos, não descarto essa possibilidade.”
As multinacionais, lembrou Lugo, financiam candidaturas no Paraguai sem que seja necessário aos políticos beneficiados explicarem à justiça de onde vêm os recursos de campanha. O narcotráfico faz o mesmo. Para o ex-presidente, algumas medidas tomadas por seu sucessor, Federico Franco, oferecem algumas evidências sobre quais grupos de poder econômico podem ter participado do impeachment relâmpago. Quarto decisões recentes do novo governo merecem destaque.
Primeiro, o anúncio do recém-empossado ministro da Fazenda de que não haverá mais impostos sobre a exportação da soja. Segundo, a abertura do país ao cultivo de sementes transgênicas. “Estávamos trabalhando pela recuperação das espécies nativas de milho, feijão e algodão”, contrapõe Fernando Lugo. Em terceiro lugar, o ex-presidente informou que Federico Franco aceitou pagar uma dívida ilegal e ilegítima contraída pelo Paraguai junto a bancos suíços durante a ditadura de Alfredo Stroessner. “É um empréstimo de 80 milhões de dólares que nunca chegou ao país”, explica. “Estávamos nos recusando a pagá-la e brigando nos tribunais internacionais.”
A quarta medida do novo governo se refere à instalação da mineradora e siderúrgica canadense Rio Tinto Alcan em território paraguaio. “Como é possível que uma empresa tão grande queira produzir alumínio no Paraguai se a matéria-prima está no Brasil e o mercado consumidor também?”, questiona Lugo. A explicação, continua, é o preço da eletricidade. O ex-presidente afirma que seus sucessores estão negociando com a companhia um contrato de fornecimento de energia que causará um prejuízo de 14 bilhões de dólares ao Estado pelos próximos 30 anos – que podem se transformar em 50. “Não há dúvida de que as multinacionais são poderes de fato em nosso país”, conclui.
Desafios
Diante das condições políticas e econômicas adversas para o estabelecimento de uma agenda popular e progressista no Paraguai, Fernando Lugo esboçou algumas ideias de como se poderia dar início a um processo de mudança estrutural. E admite que, em seu governo, não conseguiu aplicá-las. “Modificar a estrutura fundiária é o primeiro desafio: o Paraguai tem uma extensão territorial de 406.752 km2, mas, somando todos os títulos de propriedade da terra, temos 529.000 km2 legalizados”, informa.
Por isso, o primeiro passo para a transformação do país, segundo Lugo, seria convocar uma assembleia constituinte – tal qual fizeram Venezuela, Bolívia e Equador. “Nossa constituição é uma fotografia da década de oitenta e noventa, e põe panos quentes sobre a posse ilegal da terra”, diz. “Depois, o país deve integrar-se à região, porque o pior castigo para uma nação que não tem saída para o mar nem companhia aérea é estar isolado.”
Fernando Lugo não acredita em mudanças imediatas. “Há esperança”, alega, lembrando de alguns processos sociais que se instalaram no Paraguai durante seu governo. A saúde pública e gratuita é um deles. “É uma conquista dos cidadãos e não haverá volta atrás.” Para começar a implementá-las, porém, o ex-presidente reconhece que é necessário possuir uma ampla base de apoio no parlamento – coisa que não teve durante seu governo. Eis uma das razões que lhe impulsionará à candidatura para o Senado nas próximas eleições pelo Frente Guasú.
No Correio do BrasilO argumento da fraude caiu
6 de Agosto de 2012, 21:00 - sem comentários aindaPor uma dessas coincidências do destino, coube ao advogado Dino Miraglia Filho (entrevista à pág. 36 da CartaCapital desta semana) se apresentar ao Supremo Tribunal Federal, em Brasília, na manhã da quinta-feira 2, justamente quando os 11 ministros da mais alta corte estavam reunidos para iniciar o julgamento do chamado “mensalão”. Miraglia estava lá por causa de outro escândalo praticamente idêntico nos métodos e absolutamente igual na fonte de abastecimento de recursos: o publicitário Marcos Valério de Souza.
Miraglia havia embarcado de Belo Horizonte no dia anterior para entregar ao ministro Joaquim Barbosa o original da lista do valerioduto mineiro, ou melhor, tucano, um documento de 27 páginas com o registro contábil, registrado em cartório, de 104,3 milhões de reais movimentados por meio de caixa 2. Essa é a quantia, segundo o documento, gasta na fracassada campanha à reeleição do ex-governador e atual deputado Eduardo Azeredo, do PSDB, em 1998.
Publicada na penúltima edição de CartaCapital, a lista inclui nomes de empresários, políticos, juízes, jornalistas e autoridades, quase todos tucanos, registrados no documento assinado por Marcos Valério, um dos principais réus do mensalão do PT. Também é do publicitário a assinatura de um documento de apresentação da lista, no qual ele garante ter repassado, apenas a Azeredo, 4,5 milhões de reais para a campanha.
Brasília. Miraglia quer escapar do círculo de influência política na Justiça mineira |
Entre os beneficiários aparece o ministro do STF Gilmar Mendes. Por um erro de edição, o trecho no qual o nome de Mendes é citado na lista acabou suprimido da edição impressa da revista. Embora esse trecho em destaque, bem como a íntegra dos documentos, esteja disponível em nosso site desde a sexta-feira 27, decidimos republicá-lo abaixo.
Novos documentos, todos com firmas reconhecidas em cartório, revelados agora por CartaCapital, reafirmam a existência da transação. Um deles é uma “Declaração de Desembolso” assinada por Souza em 28 de março de 1999. Nela, o publicitário declara que as empresas SMP&B Comunicação e DNA Propaganda, principais escoadouros de dinheiro do chamado “valerioduto”, destinaram a Azeredo 4,5 milhões de reais em 13 de outubro de 1998. A intermediação do pagamento, segundo o documento, foi feita por Carlos Mourão, tesoureiro da campanha do ex-governador de Minas Gerais.
A declaração do publicitário discrimina minuciosamente a origem dos 4,5 milhões de reais: Banco Bemge (350 mil reais), Cemig (estatal de energia, 500 mil reais), Comig (estatal de infraestrutura, 250 mil reais), construtora Andrade Gutierrez (500 mil reais), Construtora ARG (900 mil reais), Copasa (estatal de saneamento, 550 mil reais), Banco Credireal (350 mil reais), Loteria Mineira (estatal de loterias, 300 mil reais) e Banco Rural (800 mil reais).
O outro documento é um recibo assinado por Azeredo, também em 13 de outubro de 1998, referente aos 4,5 milhões de reais, “para saldar compromissos diversos”. O tesoureiro Mourão é apresentado como intermediador do pagamento. Todas as assinaturas foram confirmadas por cartórios de Belo Horizonte.
Logo após a divulgação da lista, Marcos Valério, por meio de seu advogado, apressou-se em afirmar a falsidade do documento. No mesmo caminho seguiram Azeredo e Mendes, que teria recebido 185 mil reais. A negativa do publicitário era mais do que esperada. Réu do processo do mensalão, ele não pode assumir a responsabilidade pela administração de outro esquema criminoso. O caso de Minas Gerais também está no STF, mas somente para os envolvidos com direito a foro privilegiado, Azeredo e o senador Clésio Andrade (PMDB-MG). Os demais serão julgados pela Justiça comum mineira.
A reação de Mendes foi a de anunciar a intenção de processar (mais uma vez) CartaCapital. Por meio de acólitos na mídia a serviço da desinformação e da trapaça, tentou desqualificar a lista ao alegar que a sigla “AGU” (Advocacia-Geral da União) colocada ao lado do nome dele no documento não faz sentido, porque, em 1998, trabalhava na Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil no governo Fernando Henrique Cardoso. Ele só se tornaria advogado-geral da União em 2000, nomeado por FHC. Ocorre que a referida subchefia é uma unidade atrelada à AGU, conforme demonstra o site oficial do órgão, na internet.
A argumentação de Azeredo é ainda mais frágil. Em nota enviada à revista, o deputado afirma que a lista se assemelha “a outras comprovadamente falsas”. Acusa, com o cuidado de não citar o nome, o lobista Nilton Monteiro de ser o mentor da denúncia. E para desqualificar o denunciante, informa que Monteiro esteve preso por falsificação “até bem pouco tempo atrás”.
Para azar de Azeredo, justo na semana em que a lista veio à luz, a procuradora da República no Rio de Janeiro, Andrea Bayão Ferreira, denunciou o ex-diretor de Planejamento de Furnas Centrais Elétricas Dimas Fabiano Toledo por participação, em parceria com um grupo de empresários e políticos, no esquema de arrecadação ilegal exposto na chamada Lista de Furnas. Divulgada em 2006, a lista assinada por Toledo e por Monteiro foi o primeiro documento a revelar os esquemas de caixa 2 do PSDB montados durante o governo FHC, particularmente no ano eleitoral de 2002.
A denúncia do MPF, revelada pelo jornalista Amaury Ribeiro Jr. no diário mineiro Hoje em Dia, reúne documentos da Polícia Federal e da Receita Federal. Entre eles, o resultado da perícia feita pela PF em 2006 que atestou a veracidade da lista. O caso será julgado pela Vara da Fazenda do Rio de Janeiro.
A novidade sobre a Lista de Furnas derrubou boa parte da argumentação de Azeredo e do PSDB sobre a similaridade da denúncia de Miraglia e as tais “listas comprovadamente falsas”. Além disso, neutralizou a tentativa de desqualificar a informação a partir da participação de Monteiro na história. O lobista foi figura fundamental nos esquemas tucanos de arrecadação em Minas, mas caiu em desgraça quando começou a cobrar as faturas, muitas das quais mantém guardadas, da campanha eleitoral de 1998.
Monteiro foi de fato preso em 2006, durante a investigação sobre a veracidade da Lista de Furnas, mas acabou solto quando saiu o laudo da PF. Também chegou a ser detido sob a acusação de intimidar uma testemunha, Gilmar Adriano Corrêa, em 2005, mas acabou liberado em seguida. O próprio Corrêa foi à Polícia Civil informar que jamais havia sido procurado pelo lobista. Essas ações contra Monteiro podem, inclusive, ter sido armadas pelo grupo de Azeredo, segundo afirma um novo documento entregue por Monteiro a Miraglia (o advogado assumiu a defesa do lobista faz 15 dias).
Trata-se de um longo depoimento, registrado em 18 páginas, do advogado Joaquim Egler Filho ao delegado João Octacílio Silva Neto, da Divisão de Operações Especiais da Polícia Civil de Minas, em 1º de março de 2010. Egler Filho foi advogado de Monteiro em 2001, mas os dois se desentenderam por causa de dinheiro. O advogado entrou com uma ação de cobrança contra Monteiro na 1ª Vara Cível de BH em 7 de março de 2002. Ambos iniciaram uma guerra de acusações, sobretudo em relação a contratos de pagamento de honorários e notas promissórias.
Egler Filho havia procurado a polícia mineira, em 24 de janeiro de 2008, para fazer uma série de acusações a políticos mineiros envolvidos em esquemas de financiamento de caixa 2, entre eles Azeredo. Naquele mesmo ano, segundo contou ao delegado Silva Neto, foi obrigado por Mourão a negar tudo que havia dito. Ao depor novamente em 2010, não só reiterou as acusações como fez outras. Informou, por exemplo, ter sido Mourão o responsável pela armação contra Monteiro no caso da falsa denúncia de intimidação à testemunha em 2005.
No depoimento, disse ter participado de uma reunião agendada por Azeredo com a juíza Rosimere das Graças do Couto, da Vara de Inquéritos Policiais de Belo Horizonte, para tratar de uma estratégia para acelerar os inquéritos policiais em que Monteiro é réu e, assim, colocá-lo na cadeia. Todo esse ódio pelo lobista, disse ao delegado, vem da percepção de que a Lista de Furnas, divulgada em 2006 em meio à crise do mensalão, teria impedido os tucanos de levar adiante a estratégia de pedir o impeachment do ex-presidente Lula.
Leandro FortesNo CartaCapital