Assange e o sutiã de Gisele
6 de Agosto de 2012, 21:00 - sem comentários aindaHá dois anos, assistimos a um debate intenso sobre liberdade de imprensa no Brasil. Depois que a Secretaria das Mulheres decidiu questionar no Conar uma publicidade de lingerie de Gisele Bunchen, os principais jornais e revistas se empenharam na denúncia de que a liberdade de imprensa encontrava-se sob risco. De meu ponto de vista, era um argumento risível.
O Conar, que regula a publicidade no país, está cansado de vetar integralmente dezenas de anúncios por ano. Outras campanhas precisam ser modificadas por determinação do órgão. Isso porque não é razoável confundir liberdade comercial como liberdade de expressão. Os próprios publicitários reconhecem que há diferenças.
Vamos combinar, porém, que é possível debater o assunto.
Mas não vejo como se possa ter duas opiniões sobre as ameaças contra Julian Assange, o presidente do Wikileaks.
Assange não quer vender sutiãs nem calcinhas nem cintas-liga. Nada contra essas mercadorias. Também reconheço que Gisele Bunchen parece feita sob medida para exibí-las.
Mas Assange permitiu a divulgação das maiores descobertas sobre o governo americano desde os papéis do Pentágono, que revelaram hesitações e dúvidas do governo americano durante a guerra do Vietnã (encerrada ainda nos anos 1970, meus garotos…)
Com esse trabalho, tornou-se uma fonte. Mais do que um repórter, é uma das origens de notícias relevantes sobre o mundo contemporâneo.
As pressões sobre Assange constituem um caso inédito, na verdade. Não se tenta ameaçar um jornalista, mas silenciar a própria fonte. Acho que nunca pensei que fossemos ver isso.
Enquanto, no mundo inteiro, jornais de grande tradição consumiram sua reputação fazendo um jornalismo chapa branca desde a invasão do Iraque, o Wikileaks dá um exemplo de independência e apego à liberdade. Recolhe informações de indiscutível interesse púbico, a que ninguém acesso, e trata de divulgá-las pelos bons veículos da imprensa mundial.
Tão ciosa para defender o sigilo da fonte, mesmo quando ele envolve episódios pouco defensáveis, a imprensa do mundo inteiro mantém um silêncio incompreensível diante das ameaças sobre Assange.
O risco ser extraditado para os Estados Unidos, onde o militar acusado de fornecer milhares de documentos confidenciais divulgados pelo Wikileaks é mantido incomunicável na prisão, sem julgamento, não comove ninguém. No momento, Assange se encontra na embaixada do Equador em Londres, onde pediu asilo ao governo de Rafael Correa. O governo britânico nega-se a lhe dar um salvo-conduto para deixar o país.
A boa notícia é que Baltazar Garzon, o juiz espanhol responsável pelo pedido de prisão do ditador Augusto Pinochet, resolveu assumir a defesa de Assange. Não é uma garantia de sucesso.
Mas abre, pelo menos, a oportunidade para se refazer uma discussão importante. Uma imprensa que ficou tão empenhada em defender seus direitos em episódios como o sutiã de Gisele não deveria mostrar-se tão silenciosa diante de uma ameaça direta a liberdade de informação, concorda?
Do Vamos combinar
No Brasil! Brasil!
Escândalo da Libor se alastra rapidamente com prejuízos espalhados por todo o mundo
6 de Agosto de 2012, 21:00 - sem comentários aindaO governo do Reino Unido, uma coalisão entre os partidos Conservador e Liberal Democrata, em contradição com a máxima do liberalismo de um Estado distante dos assuntos privados, anunciou nesta segunda-feira os termos de uma revisão para a London Interbank Offered Rate (Libor), após a descoberta do maior escândalo de corrupção mundial das últimas décadas. A revisão foi encomendado pelo chanceler George Osborne, e será liderada por Martin Wheatley, diretor da autoridade financeira britânica, a Financial Services Authority (FSA, na sigla em inglês), e diretor-executivo da Autoridade Financeira de Conduta, instituição que fiscaliza a atividade financeira no país.
A Libor é uma taxa diária que cobre dez moedas ao redor do mundo e é aplicada no cálculo dos juros médios cobrados nos empréstimos de curto prazo entre os grandes bancos. A taxa é calculada com base nos contratos de 16 bancos e gerida pela Associação de Bancos Britânicos (BBA, na sigla em inglês). As taxas de juros para dezenas de trilhões de dólares em hipotecas, empréstimos estudantis e cartões de crédito estão atrelados à Libor, assim como derivados financeiros avaliados em US$ 350 trilhões e títulos futuros no valor de 564 trilhões de eurodólares, próximo à significativa casa de R$ 1 quatrilhão.
No mês passado, o Barclays Bank, um dos maiores do mundo, foi multado em um total de £ 290 milhões (R$ 900 milhões) por manipular ilegalmente o movimento diário da Libor, entre 2005 e 2009. A revisão a ser realizada por Wheatley deverá impor uma limitação de danos para “proceder a uma revisão do quadro à fixação da Libor”, embora considere possível examinar “o potencial para alternativas de fixação de uma nova taxa”, de forma que os interesses dos bancos estejam priorizados. A missão de Wheatley também é a de considerar “as conseqüências da estabilidade financeira de uma mudança para um novo regime e como uma transição poderia ser adequadamente gerenciada”.
Wheatley reconheceu que a manipulação da Libor foi algo “extremamente grave”, mas antes de se pronunciar sobre qualquer ação penal contra os culpados, deixou claro que sua maior preocupação será uma “reforma urgente do processo de compilação da Libor”. A revisão de Wheatley evita lidar com qualquer das práticas ilegais do Barclays, que estão na origem do escândalo. Os termos da revisão não devem levar em conta todas as questões relacionadas “com as medidas ou ações específicas de supostas instituições financeiras na tentativa de manipular a Libor ou outras taxas de referência. Estas questões continuarão a ser investigadas pela FSA e outros reguladores ao redor do mundo”, diz a nota.
A revisão ainda leverá cerca de um mês para indicar as mudanças na legislação, incluída no Projeto de Lei de Serviços Financeiros, atualmente em curso no Parlamento. Nesta sexta-feira, os escritórios do Barclays em Milão, Norte da Itália, foram alvo de uma batida policial em um processo ligado à crise da Libor. Oficiais da polícia italiana apreenderam documentos, e-mails e outras comunicações eletrônicas durante o procedimento autorizado pela Justiça daquele país. Segundo o diário econômico conservador londrino Financial Times, a batida foi “parte de uma investigação que procura ver se os consumidores italianos foram atingidos pela manipulação do banco britânico na Libor e na sua equivalente, a Euribor euro”. Analistas calculam que 2,5 milhões de famílias italianas com hipotecas ligada à Euribor sofreram graves prejuízos financeiros, no total aproximado de € 3 bilhões, com a manipulação da Euribor.
As consequências do escândalo, no entanto, aumentam dia após dia, em nível global.
Principal banco da Alemanha, o Deutsche Bank reconheceu o envolvimento de alguns de seus funcionários no aparelhamento da Libor. Alegou, porém, que apenas um “número limitado” de empregados estava envolvido e disse que uma investigação interna tinha afastado a alta direção do banco de qualquer delito. Mas o Deutsche Bank já responde a processo por denúncias de que manipulava o iene, a taxa Libor e o preço dos derivados vinculados à referência euro-yen, por litigantes norte-americanos.
Neste fim de semana, chegou-se a ventilar nos meios financeiros suíços a existência de uma operação global para se verificar a regularidade dos serviços financeiros do banco UBS, que também estaria envolvido na manipulação da Libor. No sábado, a agência inglesa de notícias Reuters, especializada em Economia, informou que os bancos Barclays, RBS e UBS “desempenharam um papel central” na manipulação das taxas. Com base na revisão de documentos judiciais e de outras fontes, a Reuters também afirma que “entre eles, os três bancos empregaram mais de uma dezena de traders que buscavam influenciar as taxas tanto em dólar, euro ou yenes. Alguns deles, que estão sob investigação, têm trabalhado para vários bancos elevando a possibilidade de que a fixação da taxa se tornou mais enraizada”.
Antigo funcionário do Barclays, Jay V. Merchant, por exemplo, supervisionou o dólar norte-americano na mesa de operações de swaps do Barclays, em Nova York, entre março de 2006 e outubro de 2009. Ele agora ocupa uma posição semelhante do UBS em Stamford, Connecticut, EUA, segundo a Reuters.
Demandas judiciais
Na última terça-feira, o Deutsche Bank e o UBS aumentaram as suas estimativas sobre risco de processos em € 580 milhões. Até o final de junho, o Deutsche Bank aumentou a sua estimativa a partir de € 2.1 bilhões para € 2,5 bilhões. UBS adicionou mais 210 milhões de francos suíços na conta de litígios. A exposição dos principais bancos envolvidos no escândalo da Libor para potenciais pagamentos resultantes de demandas judiciais coletivas chega a US$ 1 trilhão.
Nesta segunda-feira, verificou-se que o banco New York Berkshire está processando 21 bancos, incluindo o Bank of America, o Barclays e o Citigroup por danos causados pela manipulação Libor. O Berkshire alega que o aparelhamento da Libor “teve um impacto negativo sobre os pagamentos dos juros em dezenas, senão centenas de bilhões de dólares de empréstimos com taxas vinculadas à Libor”.
Professor da escola de Direito da Harvard, o professor John Coates disse que o litígio resultante da crise Libor “tem o potencial para ser o maior conjunto único de casos fora da crise financeira mundial, porque a Libor é utilizada em tantas transações, e é tão importante para tantos contratos, que este escândalo significa o mesmo que dizer que os relatórios sobre a taxa de inflação estavam errados”.
Os bancos só poderiam estar envolvidos em tais práticas ilegais porque lhes foi dada carta branca para fazê-lo pelo establishment político e os reguladores da banca internacional. Como o relatório de junho acusando Barclays demonstrou, a Autoridade de Serviços Financeiros do Reino Unido era nada além do que um facilitador para as práticas do banco consideradas necessárias para fazer “um dinheirinho rápido”.
Com raiva do público contra os bancos crescendo, o escritório do Reino Unido para Fraudes Financeiras Graves (SFO, na sigla em inglês) foi forçado a reconhecer que tinha poderes para agir contra os bancos envolvidos na manipulação de Libor, mas ainda não os exerceu. Como as investigações sobre Libor continuam em dezenas de instituições bancárias ao redor do mundo, por pelo menos 10 autoridades reguladoras financeiras, em três continentes, espera-se que alguns deles terão de enfrentar acusações pesadas por atividade criminosa.
Executivo-chefe do RBS, Stephen Hester disse ao diário britânico The Guardian, nesta segunda-feira, esperar que o banco venha, em breve, a enfrentar acusações relativas à Libor e ser atingido com uma multa ainda sem um valor definido. Uma investigação do banco pela FSA estava em andamento, disse ele, acrescentando: “O RBS é um dos bancos atrelados à Libor”.
– Nós vamos ter o dia em que os holofotes irão se direcionar na nossa direção – prevê.
Robert Stevens é articulista da Global Articles
Que “opinião pública” é essa?
6 de Agosto de 2012, 21:00 - sem comentários ainda “Brasília virou as costas para o julgamento do maior escândalo da história recente do país. Em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), silêncio e um vazio perturbador. O maior ato do dia, que contou com apoio do PSDB, do DEM e do PPS – principais partidos de oposição – reuniu apenas 15 manifestantes.”
Assim começa matéria sob o título “Faltou quorum na praça” que o Correio Braziliense publicou no dia seguinte ao início do julgamento da Ação Penal nº 470 pelo Supremo Tribunal Federal (ver aqui).
No Valor Econômico, a matéria “Nas ruas, mensalão é ignorado pela população, que preferiu Olimpíada”, descreve:
“Na fachada das lojas populares de eletrodomésticos do centro de São Paulo, grandes televisores, cuja compra pode ser parcelada em até 24 vezes, dividiam-se na programação do dia. A animação Monstros S.A. e a transmissão dos jogos olímpicos em Londres ocupavam com grande vantagem as telas, com exceções dedicadas a programas de culinária e uma apresentação da banda americana Bon Jovi. Nenhuma mostrava o primeiro dia do histórico julgamento da Ação Penal nº 470, vulgo mensalão” (ver aqui).
As observações acima constituem exceções. De maneira geral, a grande mídia ignorou o desinteresse da população em relação ao julgamento. Até mesmo os responsáveis pela segurança pública na Praça dos Três Poderes em Brasília teriam sido surpreendidos.
Confirmando os fatos descritos, pesquisas de opinião indicam que apenas uma em cada dez pessoas tem conhecimento do julgamento. Perguntados sobre “quem é o principal envolvido no mensalão?”, o nome mais citado é Carlinhos Cachoeira (cf. CartaCapital nº 709, pág. 21).
Apesar de tudo isso, jornalistas e colunistas insistem em equacionar o massacre dos indiciados que tem sido veiculado diariamente na grande mídia como sendo “a voz das ruas” e “pressão da opinião pública” sobre os ministros do STF para que se condene “os réus do maior escândalo da história recente do país”.Como escreveu o sociólogo Marcos Coimbra, presidente do Instituto Vox Populi, “o que a grande imprensa brasileira menos quer é que o Supremo julgue. Ela já fez isso. E não admite a revisão de seu veredicto” (ver aqui).
Qual opinião pública?
Existem lições recentes de nossa história política que merecem ser relembradas. Retomo comentários que fiz sobre o livro do historiador e cientista político Aluysio Castelo de Carvalho – A Rede da Democracia – O Globo, O Jornal e Jornal do Brasil na queda do governo Goulart (1961-64)” – coedição da NitPress e Editora da UFF, 2010 (ver “Os jornais e a ‘opinião pública’“).
Carvalho parte de uma visão panorâmica do papel postulado para a “opinião pública” por alguns dos pensadores clássicos da tradição liberal – Hobbes, Locke, Montesquieu, Constant, dentre outros. No Brasil, Rui Barbosa e Oliveira Vianna atribuíram “às elites dirigentes responsáveis o papel de intérprete dos interesses da nação” e também colocaram “a imprensa em primeiro plano, enfatizando sua posição central como órgão da opinião pública” (pág. 29).
A principal hipótese de Carvalho é a de que, no início da década de 1960, os jornais cariocas estudados abandonaram a concepção institucional de representatividade da opinião pública – aquela que se materializa através dos partidos, de eleições regulares e de representantes políticos – e recorreram a outra concepção, a publicista, que “ressalta a existência da imprensa como condição para a publicização das diversas opiniões individuais que constituem o público”.
A adoção da concepção publicista faz com que não só a crítica aos partidos políticos e ao Congresso se justifique, como também sustenta a posição de que os jornais são os legítimos representantes da opinião publica.
A partir da análise de pronunciamentos feitos na Rede da Democracia e de editoriais dos jornais, Carvalho conclui:
“Ocorreu por parte (de O Globo, O Jornal e Jornal do Brasil) uma exaltação da própria imprensa como modelo de instituição representativa da opinião pública, porque se viram mais comprometidos com a preservação da ordem social liberal. Os jornais cariocas construíram uma imagem positiva da imprensa, em detrimento da divulgada sobre o Congresso. (...) Os jornais se consideravam o espaço público ideal para a argumentação, em contraposição à retórica dita populista e comunista que teria se expandido no governo Goulart e estaria comprometida com a desestruturação das instituições, sobretudo do Congresso. Os jornais se colocaram na posição de porta-vozes autorizados e representativos de todos os setores sociais comprometidos com uma opinião que preservasse os tradicionais valores da sociedade brasileira ancorados na defesa da liberdade e da propriedade privada” (pág. 156).
Entre os inúmeros pronunciamentos e editoriais analisados por Carvalho, merece destaque o publicado em O Jornal [2 de março de 1962] que toma como referência o que considera a relação existente entre sociedade e sistema político nos Estados Unidos. Diz o editorial:
“Ninguém ignora quanto o governo americano é sensível à opinião pública e se deixa conduzir por suas reações. Congresso e Poder Executivo não ousam nunca contrariá-la, temendo republicanos e democratas os seus pronunciamentos nas urnas. (...) Nos Estados Unidos os governos condicionam invariavelmente as suas decisões aos resultados da auscultação da vontade e do sentimento do povo, rigorosamente traduzidos pela imprensa” (pág. 159).
Grande mídia e “opinião pública” hoje
A “concepção publicista”, apresentada por Carvalho, foi um fenômeno restrito à articulação do golpe de 1964 pelos principais jornais cariocas ou corresponde a uma postura permanente da grande mídia brasileira?
Diante da cobertura que vem sendo feita do julgamento da Ação Penal n. 470 pelo STF e da postura de jornalistas e colunistas, deixo a resposta com o eventual leitor(a).
Venício A. de Lima, jornalista, professor aposentado da UnB e autor de, entre outros livros, de Política de Comunicações: um balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012
Atriz esclarece foto em que aparece ao lado de José Serra
6 de Agosto de 2012, 21:00 - sem comentários aindaNo dia 23 de julho, uma foto minha foi publicada na Folha, com a seguinte legenda: "Serra beija atriz de teatro amador".
O candidato José Serra beija atriz de teatro durante campanha à Prefeitura de São Paulo Marcelo Justo - 22.jul.2012/Folhapress |
Na ocasião, eu trabalhava como palhaça contratada pela Biblioteca de São Paulo. No domingo (22/7), ao receber o candidato José Serra, meu colega e eu não posamos para fotos nem as autorizamos, pois não fazemos propaganda política.
Os palhaços queriam apenas dar "um beijo na careca" daquele senhor, que tão pomposamente visitava a biblioteca, cercado por seguranças e assessores como se fosse intocável. Ele recusou o "beijo na careca". Recusou também o beijo de um palhaço, mesmo que no rosto, pois ele era homem, mas insistiu em beijar uma palhaça: isso daria uma boa foto.
Maria Silvia do NascimentoAtriz e Pesquisadora
Mostrar o elefante
6 de Agosto de 2012, 21:00 - sem comentários aindaHá várias maneiras de esconder um elefante. Uma delas é apresentando suas partes em separado. Em um dia, aparece a pata. No dia seguinte, você mostra a tromba. Passa um tempo e vem a cauda. No fim, não se mostra o elefante, mas uma sequência de partes desconectadas.
Desde o início, o mensalão foi apresentado pela grande maioria dos veículos da imprensa nacional dessa maneira. Vários se deleitaram em mostrá-lo como um caso de corrupção que deixaria evidente a maneira com que o PT, até então paladino da ética, havia assegurado maioria parlamentar na base da compra de votos e da corrupção. No entanto o mensalão era muito mais do que isso.
Na verdade, ele mostrava como a democracia brasileira só funcionava com uma grande parte de seus processos ocultados pelas sombras. O jogo ilícito de financiamento de campanha e de uso das benesses do Estado deixava evidente como nossa democracia caminhava para ser uma plutocracia, independentemente dos partidos no poder.
Como a Folha mostrou em uma entrevista antológica, o então presidente do maior partido da oposição, o senador Eduardo Azeredo, havia sido um dos idealizadores desse esquema, que, como ele mesmo afirmou, não foi usado apenas para sua campanha estadual, mas para arrecadar fundos para a campanha presidencial de seu partido.
Não por acaso, o operador chave do esquema, o publicitário Marcos Valério, já tinha várias contas de publicidade no governo FHC. Ninguém acredita que foi graças à sua competência profissional.
Ou seja, a partir do mensalão, ficou claro como o Brasil era um país no qual a característica fundamental dos escândalos de corrupção é envolver todos os grandes partidos.
Mas, em vez de essa situação nos mobilizar para exigir mudanças estruturais na política brasileira (como financiamento público de campanha, reformas que permitissem ao partido vencedor constituir mais facilmente maiorias no Congresso, proibição de contratos do Estado com agências de publicidade etc.), ela serve atualmente apenas para simpatizantes de um partido jogar nas costas do outro a conta do "maior caso de corrupção do pais".
No entanto essa conta deve ser paga por mais gente do que os réus arrolados no caso do mensalão. O STF teria feito um serviço ao Brasil se colocasse os acusados do PT e do PSDB na mesma barra do tribunal. Que fossem todos juntos!
Desta forma, o povo brasileiro poderia ver o elefante inteiro. Com o elefante, o verdadeiro problema apareceria e a indignação com a corrupção, enfim, teria alguma utilidade concreta.