Para Lelé Coltz
Chiquinho era um cabra vistoso. A mulherada ficava de olho quando ele passava na rua. E todos os dias ele saia de sua casa pela manhã para ir ver sua criação de porcos. Ele era marchante. E como era costume seu, ia ver como seus animais estavam. E colocar comida para eles.
Além da criação de porcos, Chiquinho também vendia no final de semana na feira, carne bovina. Essas ele comprava de Zezinho, meu primo, que deixava lá e só ia buscar o dinheiro da venda no final do dia após a apuração de tudo que era comercializado.
A tarimba dele no mercado público era uma das mais organizadas e limpa. Não se via sujeira nela. O homem fazia questão de deixar tudo organizado. E talvez tenha sido este o motivo de tantas compradoras preferirem ir lá adquirir carne para cossunir durante a semana.
Chiquinho muitas vezes ouvia gracejos de algumas delas. Mas ele levava na brincadeira. Sempre soube o seu lugar. Ele sabia que não se deve mexer com a mulher de outro homem. E mesmo que umas delas lhe olhassem diferente, ele sempre abaixava os olhos nestes momentos.
Júlia era uma mulher jovem e linda. Tinha casado já fazia uns três anos com Tonhão. Homem de estatura média, mas que botava medo em muita gente. Contam que seu retorno de São Paulo teria acontecido após deixar uns três mortos por lá. Os vizinhos falavam a boca miúda que os sujeitos tinham mexido com sua esposa e ele não os teria perdoado por tal afronta.
E essa história meu amigo sabia e por isso mesmo, nunca olhava direto para ela. Mesmo assim, já tendo sido envolvida em problemas, Júlia muitas vezes quando ia entregar o dinheiro das compras, fazia questão de tocar nos dedos de Chiquinho. Que tremia de medo.
Pedro, vizinho de venda sempre teve ciúmes das vendas que aconteciam ao seu lado. Sua mercadoria só saia quando a do outro acabava. Em algumas semanas sobravam muita carne e o prejuízo era grande. Ele tinha que salgar tudo e vender por um preço menor na próxima feira.
Ao ver, por várias vezes aquela cena da mulher de Pedrão dando ousadia a Chiquinho, o malfazejo teve uma ideia. Chamou seu filho em uma tarde de quarta-feira e mandou ir deixar por baixo da porta da casa do “corno” um bilhete que estava escrito, “se tu, que já foi chifrado em São Paulo, não quiser ser novamente aqui no Juá, toma conta de tua mulé que todo sábado tem um macho de olho nela na feira”.
Ao pegar aquele bilhete, Pedrão feito um touro raivoso espumava de raiva. Quem seria o homem capaz de mexer com sua mulher? Ele que fez com que todo mundo do povoado soubesse das histórias vividas na capital do Sudeste.
Ele passou o resto da semana tentando saber quem teria mandado o bilhete. Ficava olhando cada uma das pessoas que passava em frente da sua casa. Nunca tinha feito isto. E de tanto ficar sentado em um tamborete na porta, chamou a atenção da mulher. “O que danado deu em tu que não sai mais dessa porta homem?”. Ele não respondia nada. Estava envenenado pelo ódio.
Como todos os sábados, sua mulher saiu para fazer a feira. Dessa vez, como nunca fez antes, ele a seguiu de longe. Nunca tinha feito curso de espião, nem por correspondência, mas seguia furtivamente os passos de Júlia.
Ela passou pelas bancas de verduras. Passou pelas bancas de sereias e as de gêneros alimentícios e ele não conseguiu ver nada de diferente ou suspeito. Já estava achando que o bilhete era mesmo uma invenção para colocar ele contra sua amada. E não conseguia imaginar quem teria feito aquilo.
Ao chegar ao mercado das carnes, a mulher passou em frente de uma loja que tinha um espelho grande na frente. Daqueles “chama mulher”. Todas quando veem um espelho param diante dele e se olham, não invariavelmente, dão uma olhada na bunda para saber se aumentou alguma coisa. E foi aí que o sentido aguçado do homem lhe despertou novamente um olhar mais apurado.
Lá foi Júlia direto para o local que, desde que voltou com o marido, ia todos os sábados. E como sempre fez, pediu meio quilo de fígado de boi, três quilos de carne chã de dentro e meio quilo de rim de porco que servia de petisco para os domingos vendo o futebol pela TV junto com o esposo.
Naquele dia ela estava mais linda do que nunca. Tinha colocado em top branco justinho que delineava muito bem seu busto. Uma saia curta, colorida, daquelas que as mulheres hippies gostam de usar. Usava uma sandália baixa, no estilo priquitinha. Estava linda de morrer!
Chiquinho que nunca antes olhava direto para Júlia, naquele bendito dia, ao ver tanta lindeza a sua frente, achou de olhar. Na verdade, ele admirou o que via. Olho aquele corpo vestido de cima a baixo. Distante, a uns cinco metros, por traz das mantas de carnes penduradas, Pedrão estava desconfiado que encontrara o cabra certo.
Como sempre, Júlia estendeu a mão e dessa vez quem pegou carinhosamente foi o nosso marchante a mão daquela mulher, que sorriu. E como que em um passe de mágica, surgiu Pedrão gritando ao lado da mulher, “então é você cabra safado, que anda de olho em minha mulher?”. Assustado e tremendo de medo, ouse-se uma voz gaguejando, “eu, eu, eu, não. Que isso homem. Tu tá vendo coisas”. Foi aquele quiproquó. Correria pra todo lado e só ficou a turma do deixa disso e alguns curiosos.
Com uma peixeira na mão, que mais parecia uma espada de tão grande que era, ouve-se a indagação em alto e bom som, “tu ainda vai mexer com a mulher alheia cabra?”.
E Chiquinho que já suava feito um condenado a morte, olha nos olhos do marido enraivecido e diz, “tu tá é doido. Nem de mulher eu gosto”. A surpresa foi geral. O espanto se deu no rosto de todos os que ali estavam. Ninguém nunca ouviu antes que ele era chegado. Desarmado os ânimos com aquela revelação, Chiquinho recebeu um aperto de mão de Pedrão, que até lhe pediu desculpas pelo ocorrido. Colocou as compras na bolsa, pegou sua esposa pelo braço e saiu dali.
Incrédulo com o que vira e ouvira, Beto, vizinho do ‘afeminado”, e que passou a infância brincando juntos perguntou, “que história da boba serena é essa que tu não gosta de mulher? Eu nunca soube disso!”. Olhando para os lados e buscando saber se Pedrão ainda estava por perto, Chiquinho sapeca, “é melhor escapar fedendo do que morrer cheiroso”.
Nosso personagem continua vivinho da silva até hoje.