A mangação (quase nunca uso o termo em Inglês. Acho muito vira-latismo) entre amigos quando éramos crianças sempre foi muito usada. Bastava que alguém fizesse algo fora “do normal” e logo a pessoa recebia um apelido. Eu mesmo me lembro de alguns que me deram ao longo da vida. Muitos me incomodavam. Estes pegaram. Outros nem tanto.
Pois na escola Polivalente em Paulo Afonso na Bahia, quando fui presidente do Centro Cívico e comecei a militar no movimento estudantil era comum estar conversando com os alunos. Quer seja nas salas de aula, quer seja pelo pátio escolar. E um dos locais onde todos se encontravam era em frente da cantina na hora do recreio. Estar na fila para pegar a merenda sempre foi, para mim, um momento de diversão.
Em momentos como estes, onde muita gente se encontra, só quem chama mais a atenção se destaca. E foi desta forma que um garoto começou a chamar a atenção da turma. Como ali todos eram garotos ainda, determinados assuntos ainda estavam no imaginário dos homens. Por exemplo, era tabu se falar em cabaré. Mesmo que poucos já tenham ido. A grande maioria se calava por nuca terem pisado os pés em um. E naqueles dias, a “feirinha” e o “gedeão” eram os nomes dos locais mais falados na cidade.
Aquele garoto, volta e meia falava que esteve no cabaré. Para ele era motivo de se vangloriar. Já para todos os outros que ouviam, era meio que humilhante. Até as garotas, ao ouvir muitas vezes sobre o assunto, ficavam ouriçadas. Tínhamos entre nós um homem no sentido da masculinidade.
Roberto falava sobre muita coisa, mas o que ele mais gostava de falar era sobre ter ido ao cabaré.
Um certo dia, eu precisei passar nas salas de aula. Haveria um congresso na cidade de Salvador para a reconstrução da UBES – União Brasileira dos estudantes Secundaristas, e um grupo de estudantes da cidade iria participar. Para isto, por conta da falta de condições financeira para a viagem, resolvemos pedir ajuda aos estudantes. Lembro que foram muitas vezes que usamos deste expediente, e nunca deixamos de ir por falta de apoio. Os estudantes nunca nos deixaram na mão. E nós nunca deixamos de lutar, até conseguirmos que as nossas reivindicações fossem aceitas.
Ao entrar em uma das salas de aula, com o consentimento da diretoria da escola e da professora Noemi, começamos a informar aos alunos do porque estávamos ali. Desde que pedimos para entrar na sala e dar os informes que Roberto começou a perturbar. Ele falava coisas que a maioria da sala caia na gargalhada. Por várias vezes, antes mesmo da minha fala, a professora pediu para ele se aquietar. Mas era em vão. Aquele garoto queria mudar o mundo, mas da forma dele, fazendo todos sorrirem. Ele era uma atração do jeito dele. Mas para nós, que estávamos naquela sala para pedir ajuda, era um incomodo. Ele estava nos atrapalhando.
Uma das garotas que estava comigo começou a falar. Roberto começou a soltar gracejos para ela. Ela ficou sem graça, começou a gaguejar e parte da sala bolava de rir com o que ouvia e via. E ele aproveitava para continuar a brincar.
Pedi a palavra e pedi para ele nos deixar falar, depois ele poderia seguir com as brincadeiras. Por um instante ele atendeu. Mas quando comecei a informar as pessoas do que se tratava a nossa presença ali, Roberto disse, “assim eu quero ir também nessa viagem. De graça eu quero”. A sala virou um picadeiro de circo, todos caíram na gargalhada e foi neste momento que eu soltei, “cala a boca cabaré”, em uma referência ao assunto que ele mais gostava de falar. Foi um santo remédio. Consegui trazer a turma toda para o meu lado e os sorrisos, que antes eram para nós, se voltaram para ele. Roberto ficou calado até o final de nossa exposição de motivo e foi a partir dali que por onde ele andava na escola alguém o chamava de “cabaré”. Nunca percebi se o apelido o incomodou algum dia de sua vida. O certo é que hoje, o meu amigo é conhecido em toda a cidade como Roberto Cabaré. Virou assinatura.
Roberto casou, teve filhos, separou, casou novamente. Hoje é evangélico, faz trabalhos sociais que beneficiam pessoas em bairros pobres da cidade. Está morando na cidade de Nova Glória, a 15 minutos de Paulo Afonso. Ele é incansável. Hoje tem parte da sua vida voltada a militância política. Eu o encontrei dias atrás e ele me convidou a participar de um grupo de WhatsApp, mais um em minha vida, de ex-alunos da escola Polivalente. Achei que seria um saco. Me enganei. Com a turma que já está lá, estou tendo a oportunidade de reviver belas histórias da minha vida.
Vida longa à Roberto Cabaré!