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Eduardo Lima de Medeiros

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Videla: o que há para lamentar na morte do genocida

20 de Maio de 2013, 21:00 , por Desconhecido - 0sem comentários ainda | No one following this article yet.
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Videla: o que há para lamentar na morte do genocida
Videla se foi e, para mim, restou um consolo e uma humilhação. O consolo: ele morreu numa cela comum, depois de ter sido julgado – com o direito à defesa que ele não concedeu a ninguém – e condenado. Morreu preso, querendo chegar ao banheiro. A humilhação: nós, brasileiros, continuamos vendo os êmulos do genocida perambulando livres por aí. Outro dia, um desses seres covardes, Carlos Brilhante Ustra, apareceu defendendo o que fez. O artigo é de Eric Nepomuceno
 
Há uma única coisa a lamentar na morte do general Jorge Rafael Videla: seu silêncio. 
 
Ele foi-se embora sozinho, abandonado por quase todos os seus pares e execrado pelos argentinos, e levando segredos que, se revelados, mudariam a vida de milhares de pessoas. Pessoas que saberiam como foram mortos os desaparecidos, e o que foi feito com seus restos, e saberiam da trama obscura e perversa do roubo de bebês, e as avós achariam seus netos roubados, e as mães saberiam de seus filhos mortos. 
 
Essa a única coisa a lamentar na morte do verdugo: os segredos que ele, covarde vil, levou para o inferno.
 
Morreu de forma justa: sua saúde vinha se deteriorando pouco a pouco, e na noite da quinta-feira, dia 16 de maio, teve aquilo que as boas famílias chamam de ‘indisposição gástrica’. Um problema, digamos, intestinal. E foi assim que ao amanhecer da sexta-feira tentou chegar ao banheiro. Não conseguiu: caiu duro no chão. 
 
Foi encontrado com as pupilas dilatadas e um esgar marcando seu rosto tenebroso, a boca cerrada para sempre. Aquela boca de gente ruim, sempre tensa, mesmo quando proferia absurdos. A boca que nunca se abriu para fazer nada que valesse a pena.
 
Morreu numa cela comum, num presídio militar a escassos 50 quilômetros de Buenos Aires. Uma cela com algum conforto: cama, mesinha de luz, relógio despertador, o inevitável crucifixo. Sim, porque Videla era um católico radical, um fundamentalista de comungar dia sim e o outro também, e que viveu ao amparo da Igreja Católica até o último suspiro. Apesar do que fez e mandou fazer, apesar de tudo, nunca foi excomungado.
 
Sim, sim: levou para a tumba um segredo perverso: onde estão os bebês que nasceram em campos clandestinos de concentração e foram dados de presente para policiais e militares? Onde estão os corpos dos desaparecidos? E por quê continuar chamando de desaparecidos os que a ditadura que ele impôs, dirigiu e orientou, assassinou?
 
Lembro bem de Videla chegando ao poder, integrando uma junta militar que no dia 24 de março de 1976 mergulhou a Argentina num oceano de breu e sangue. Eu morava em Buenos Aires, e trago recordações permanentes do turbilhão de violência e desmando que foi o país a partir da morte de Juan Domingo Perón. 
 
Assim que María Estela Martínez de Perón, a ex bailarina de cabaré no Panamá que se fazia chamar de Isabelita Perón, assumiu a presidência, começou o horror. 
 
Uma das figuras mais nefastas e bizarras da história argentina, o ex cabo de polícia José López Rega, assumiu, de fato, o poder. Isabelita era apenas uma idiota cercada de pompa e circunstância. O país passou a navegar à deriva, e o pesadelo rapidamente foi tomando forma: um grupo de extrema-direita, a Triple A – Aliança Anticomunista Argentina – desandou a matar a granel. E nas sombras, sorrateiro, o general Videla foi cimentando os alicerces do que viria depois. 
 
Sim, sim: lembro bem de Videla chegando ao poder, de seu ar prepotente e gelado, prometendo – ao lado do opaco brigadeiro Orlando Agosti e do mefistofélico almirante Emilio Massera – reorganizar o país. E de como logo de saída começaram as mortes, as torturas trucidando homens e mulheres, os desaparecimentos. Institucionalizando o pavor. As pessoas sumiam, tragadas pelo ar, e nunca mais de ouviu falar delas. 
 
E tudo isso, diga-se de passagem – é importante lembrar – com o apoio ou a omissão cúmplice de boa parte da sociedade, principalmente a portenha. Naqueles primeiros meses, quando se comentava que alguém tinha sumido, era comum ouvir como resposta um seco ‘por algo será’. E assim, muito rapidamente, o medo foi se impondo, assumindo o lugar da omissão, e o silêncio se instalou no país. 
 
O medo e o silêncio foram a terra abonada para que se instaurasse o horror que durou sete infindáveis anos e deixou marcas permanentes nos argentinos que vieram antes, nos que viveram aqueles tempos e se calaram, nos que viveram aqueles tempos e conseguiram sobreviver. 
 
Videla se tornou, sim, e com razão, o rosto abjeto de uma era de breu. Mas foi apenas o rosto visível, não o único rosto. 
 
Quando ele encabeçou o golpe, as organizações de esquerda, tanto as armadas quanto as desarmadas, estavam desmanteladas. O golpe militar e a implantação da ditadura mais sanguinária tiveram um único objetivo: impor uma política econômica determinada a fazer com que uns poucos ganhassem mais que nunca e uns muitos perdessem mais que nunca. 
 
Os efeitos dessa política econômica se fazem sentir até hoje. Aliás, já em democracia, um ex preso político, uma figurinha tão bizarra como sinistra chamada Carlos Menem, redobrou as aberrações da economia. Não por acaso, foi esse Menem quem ditou uma lei de indulto para os genocidas, entre eles Jorge Rafael Videla.
 
Sim, sim: lembro de Videla como lembro meus anos jovens naquela Argentina desvairada. E lembro de meus amigos que ele mandou matar, e de meus amigos que tiveram de se exilar, e de tanta coisa e tanta gente que sumiu na longa noite de trevas que durou curtos e tão permanentes sete anos. 
 
Videla caiu em 1981, e vieram outros generais bizarros. Ele não caiu pelos horrores que fez, mas pelos desvarios da economia que cometeu. Incrível, isso: o genocida caiu não por genocida, mas por ter esgotado uma política econômica que afundou a Argentina enquanto beneficiava alucinadamente uma meia dúzia de grupos empresariais.
 
Resta, disso tudo, um consolo e uma humilhação. 
 
O consolo: essa besta fera morreu numa cela comum, depois de ter sido julgado – com o direito à defesa que ele não concedeu a ninguém – e condenado. Morreu preso, querendo chegar ao banheiro. 
 
A humilhação: nós, brasileiros, continuamos vendo os êmulos do genocida perambulando livres, leves e soltos por aí. 
 
Outro dia, um desses seres covardes, brilhantemente desprezíveis, apareceu defendendo o que fez. E o que fez foi torturar, trucidar, pessoas. 
 
O imundo em questão tem nome e sobrenome: Carlos Brilhante Ustra.
 
Videla teve e tinha a mesma empáfia, quando comparecia a tribunais. A diferença que nos humilha é simples e clara. Videla teve e tinha a mesma empáfia enquanto declarava vindo e voltando para uma cela de preso comum. 
 
Brilhante Ustra teve e tem a mesma empáfia vindo e voltando para casa. 
 
Imunda casa. Imunda história. 
 
Fonte: Carta Maior
 
Documentário: Do Horror à Memória

 


Fonte: http://comunistas.spruz.com/pt/Videla-o-que-h-para-lamentar-na-morte-do-genocida/blog.htm

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