Reflexões sobre um arrependido compungido
Na manhã desta sexta-feira, dia 2 de agosto, o governador Sérgio Cabral surpreendeu, mais uma vez, a população do Rio. Surgiu na telinha da TV para anunciar que não vai mais demolir o Estádio de Atletismo Célio de Barros, do conjunto desportivo do Maracanã. Com ar de cachorro que quebrou a tigela, Cabral disse que voltava atrás de sua decisão “a pedidos da sociedade civil”.
Aparentemente, um abalo para as empreiteiras que derrubariam o Célio de Barros e o Conjunto Aquático Júlio Delamare para reconstruí-los do outro lado da linha do trem, em São Cristóvão. Embora, ressalve-se, que, como não perdem nunca, certamente vão entrar em qualquer outra intervenção no núcleo esportivo.
Nesta semana, com o mesmo ar teatralmente compungido, ele já pediu a manifestantes que rondam sua casa no Leblon para abandonarem o bairro. Nessa ocasião, Cabral usou sua mais nobre máscara de pai acuado defendendo os filhos menores que moram com ele.
Atento ao que está acontecendo, também disse que, como todo o cidadão carioca, quer saber do paradeiro de Amarildo de Souza. Preso em sua casa, na Rocinha, em julho, o pedreiro foi levado para a Unidade de Polícia Pacificadora e, depois de liberado, nunca mais apareceu. Coincidentemente, a câmera que fica em frente ao posto policial estava desligada e os dois veículos da PM sem GPS. Aliás, num dos carros, havia mancha de sangue. Feitos os exames, não era de Amarildo, mas até agora ninguém disse de quem eram.
Também, em ação inédita, quando estourou a tubulação da Companhia de Água e Esgoto em Campo Grande, Cabral esteve no local e, sempre sob as luzes da televisão, afirmou que buscaria os responsáveis pelo desastre que matou uma criança. Só não pode circular pelo local, mas apareceu na televisão, com o ar consternado que passou a exibir há algumas semanas.
Agora o governador resolveu, franciscanamente, se desfazer de seus/nossos helicópteros. Em vez de usá-los para viagens e deslocamentos de casa ao trabalho, passou um para os bombeiros, outro para a PM e um terceiro para a Polícia Civil. Um desprendido. Só que duro de engolir.
Tudo isso para provar está tomado pelos exemplos do Papa Francisco. Reconhece que se afastou do povo. E que vai ouvi-lo de agora em diante.
Sei que Cabral ouve nossas críticas. Como na época da greve dos bombeiros, em 2011, quando os chamou “vândalos irresponsáveis”. Só que o carioca ficou do lado dos bombeiros: os carros surgiram nas ruas adornados por fitas vermelhas – simbolizando os soldados – nas antenas, as pessoas passaram a usá-las nas camisas e alguns prédios estenderam panos nas janelas. O governador, realmente, recuou e se desculpou.
Agora precisa também recuar em outras linhas, como a do Metrô, por exemplo, que em vez de malha é uma tripa eternamente lotada. Lotada de nós, cariocas, quando desejamos nos locomover pela cidade. Mesmo depois de protestos e reuniões, o governador, surdo, mudo e insensível, bateu o martelo em sua decisão de imperador absolutista. E, podem escrever, vai ficar muito pior quando a tripa chegar à Barra da Tijuca.
Do ponto de vista do urbanismo sua opção incontestável vem sendo por projetos de futuros espigões, apoiados em mudanças de regras facilitadoras. Até grandes áreas ocupadas por quartéis, em áreas valorizadas, estão passando para as mãos de construtoras particulares.
Não vamos aqui falar em classes, como a dos médicos, em 2010 definidos como “vagabundos” pelo senhor governador, generalizando uma qualificação que deveria ser específica daqueles que não trabalham, deixando a população, quase sempre carente, à míngua. Nem vamos cobrar os serviços não prestados a Niterói e cidades serranas, depois de diferentes tragédias com chuvas – onde, jamais, a figura de Cabral foi vista.
Aí está o retrato de tudo que ainda afasta Cabral dos eleitores.
Diante da TV, onde, nessas horas de aperto, está voltando a ser figura fácil, Cabral certamente vai esquecer, por alguns meses, seus amigos donos de jatinhos e promotores de nababescos jantares para se juntar ao povão. Para não ter que responder por seus atos falhos na Justiça, o governador não poderá nem se afastar do governo que lhe garante foro especial. Terá que se candidatar a senador ou deputado federal no ano que vem. E, na busca de seus votos, valem as lições de Francisco, embora sempre tenhamos em mente a frase imortal do grande Deng Xiaoping quando lhe perguntaram se as mudanças econômicas que promovia na China não acabariam com o regime de partido único: “O leopardo nunca perde suas pintas”.
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