É que este mês o Geab traz algo interessante.
Vamos ler? E vamos.
Geab nº 82, título: 2014 - a crise sistémica global retoma o seu curso "normal"
Será? Sim, muito provável.
Mas antes de continuar, um breve resumo dos episódios anteriores para os Leitores mais recentes.
Fala-se aqui de Quantitative Easing (QE), assunto que pode ser encontrado neste velho artigo: Quantitative quê?
Sinteticamente, a Federal Reserve começou a imprimir dinheiro a partir do nada. Coisa que em princípio não é mal, pois já ninguém imprime dinheiro tendo como base uma riqueza guardada nos cofres do Estado, seja esta ouro ou outros bens. O problema é que há maneira e maneira de fazer as coisas. E imprimir mensalmente 85 biliões de Dólares é um bocado exagerado, mesmo que a ideia seja "ajudar a economia" (seria mais apropriado dizer "ajudar as instituições bancárias e os grandes investidores"). Este é o QE: um rio de dinheiro atirado para o mercado.
E agora seguimos o Geab.
Por trás da decisão da Fed de reduzir gradualmente o seu programa de flexibilização quantitativa [o QE, ndt], escondem-se realidades diferentes. A primeira é, naturalmente, a sua ineficácia em reanimar a economia real e, acima de tudo, o risco considerável de criação de bolhas e dependências várias, com o consequentemente risco de distorcer qualquer capacidade de compreender a realidade.
O que aconteceria se alguém decidisse "ver" o que está atrás do Dólar? O que aconteceria se, por exemplo, uma outra moeda invadisse o mercado tendo atrás uma enorme quantidade de ouro, uma riqueza verdadeira? Porque a China farta-se de comprar ouro...
A segunda é provavelmente o desejo de espectaculizar o facto de que a situação melhorou e que a Fed pode, consequentemente, retirar-se de forma segura .
A terceira é a menos confessável: a Fed está ciente de que os mercados emergentes dependem em grande parte do dinheiro que ela própria tinha criado em 2013, sabia, então, que o anúncio da redução era equivalente a uma maldade. Desde então, de facto, as manchetes da imprensa financeira têm tratado apenas da crise nos países emergentes, enquanto a situação dos Estados Unidos tornou-se um facto de importância secundária.
É o mesmo Geab que explica o nexo, pouso depois:
A flexibilização quantitativa da Fed levou para os mercados um excesso de liquidez, que foi investida onde as dinâmicas de produção ofereciam as melhores oportunidades de investimento e lucro: isso é, nos mercados dos países emergentes. Este rio de dinheiro fácil, é claro, apoiou de forma artificial o crescimento, que teria sido menor nestes tempos de crise.
Pior ainda, desde 2013 o QE provocou o renascimento da lógica do "mundo de antes". O dinheiro foi usado para emprestar ainda mais dinheiro (por meio dos programas de re-financiamento e re-endividamento) para criar uma nova dependência do dólar e uma nova, desenfreada globalização do planeta, ignorando os interesses das populações (e fornecendo oxigénio, por exemplo, às problemáticas negociações dos tratados de livre comércio, trans-Pacífico TPP , e trans-Atlântico TIPT).
A Fed tratou deste segundo aspecto: fornecer aos grandes investidores dinheiro "fácil" numa altura em que os bancos privados não estavam em condições de fazê-lo. Este foi o QE, uma maneira para ultrapassar (temporariamente) uma crise que ameaçava as regras do sistema financeiro internacional. Desta forma, e cúmplices as classes políticas, estas regras não precisaram de ser reescritas, sendo que o "mundo de antes" conseguiu encontrar uma forma de sobreviver.
O uso maciço desses dólares nos países emergentes (caracterizado por um aumento grande o suficiente para absorvê-los), explica em grande parte a falta de desvalorização do dólar e a falta de inflação nos Estados Unidos, apesar da política da Fed: a desvalorização deveria ter ido de mãos dadas com a criação de dinheiro, mas foi absorvida pelo dinamismo económico do resto do planeta.
A criação de dinheiro numa forma tão "pesada" como aquela adoptada pela Federal Reserve cria inevitavelmente uma desvalorização da moeda e o crescimento da inflação. Todavia, e com surpresa de muitos, o Dólar manteve o valor e a inflação ficou controlada. Aqui encontramos a explicação: aquele dinheiro criado com o QE nunca alcançou o mercado dos Estados Unidos, foi investido (portanto absorvido) nos Países emergentes.
A Federal Reserve nunca esteve preocupada com a inflação pela simples razão que sabia desde logo qual o destino da enorme massa monetária criada.
Mas era algo que o Fed não poderia continuar a fazer. Cada vez mais pessoas nos círculos da Fed estavam relutantes em continuar, provavelmente devido ao fato de que para ter um bom impacto (nos EUA), o montante do dinheiro que entra nos mercados teria que aumentar de forma constante.Bastante claro.
O QE, num primeiro momento, manteve-se no nível de 85 biliões/mês [...] mas em janeiro de 2014 a Fed reduziu o ritmo das suas compras mensais de 10 biliões, e outros 10 biliões em fevereiro. As compras agora consistem de 30 biliões em títulos hipotecários e 35 biliões em títulos do Tesouro (65 biliões/mês no total).
Esta redução do apoio, no entanto, significa que um quarto das "ajuda" indirecta para os países emergentes desapareceu. Lógico, portanto, que a atividade económica nesses países tenha abrandado, arrastando consigo as respectivas moedas.
Assim como é lógica a conclusão:
E é precisamente neste ponto que começa o "efeito bumerangue". Os investimentos ocidentais nas economias emergentes, de facto, valem menos se as suas moedas ficarem desvalorizadas. Uma parte dos activos dos investidores, como resultado, desapareceu, causando stress nos mercados financeiros.
Mas, mais importante, para interromper o declínio das suas moedas, os bancos centrais dos países emergentes começaram a vender as suas reservas de dólares para comprar de volta as suas moedas no mercado do câmbio, resultando num excesso de oferta de dólares e um aumento na demanda por moeda local.
Nesse período, por exemplo, Turquia, Índia, Brasil e Indonésia (entre outros) estão a oferecer dezenas de biliões de dólares por mês no mercado. Tudo isto significa que aqueles que compraram dólares, isso é os países emergentes, tornaram-se vendedores. Em outras palavras, apenas os países capazes de absorver o excesso de dólares agora estão a recusa-los.
Para recapitular: a Fed e o Tesouro [dos EUA, ndt] continuarão a inundar o planeta com 65 biliões de dólares por mês... mas ninguém os quer. Onde é que podem vendê-los, então? Em alguns daqueles países produtores de petróleo (que ainda usam dólares), é claro, mas especialmente nos próprios Estados Unidos. E o que pode fazer a economia estagnante daquele país? Não muito... mas certamente menos do foram capazes de fazer os países emergentes.
Será desta que a inflação dos EUA vai crescer? Vamos ver. Mas não que a coisa interesse muito: os problemas do resto do planeta são outros. Um entre todos: o regresso da crise.
Ipse dixit.
Fonte: GEAB
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