‘Tática de guerrilha’ permitiu que filme sobre limpeza étnica na Cisjordânia, rejeitado por distribuidores nos EUA, disputasse premiação
o documentário “Sem Chão” (No Other Land) trouxe uma abordagem única e profundamente impactante para retratar o genocídio palestino. Ele se destacou por sua narrativa crua e autêntica, evitando explicações excessivas e confiando na inteligência do espectador para compreender a gravidade dos eventos. Através de imagens amadoras e relatos pessoais, o filme conseguiu transmitir a brutalidade da ocupação israelense e o impacto devastador na vida das comunidades palestinas.
O filme também explorou a complexidade humana ao destacar a amizade entre Basel Adra, um ativista palestino, e Yuval Abraham, um jornalista israelense. Essa relação adicionou uma camada emocional à narrativa, mostrando as desigualdades e tensões entre suas realidades, mas também a possibilidade de colaboração e empatia.
Além disso, a produção enfrentou desafios significativos, como censura e falta de apoio de grandes distribuidoras, o que reforçou sua mensagem de resistência e autenticidade. A vitória no Oscar ajudou a amplificar a discussão sobre o genocídio palestino em um palco global, trazendo visibilidade a uma questão frequentemente ignorada.
Os diretores do filme, o palestino Basel Adra e o israelense Yuval Abraham (os outros dois são Rachel Szor e Hamdan Ballal), na entrega do prêmio, discursaram e fizeram uma forte denúncia das ações militares israelenses em Gaza e na Cisjordânia.
“Há cerca de dois meses, me tornei pai, e minha esperança para minha filha é que ela não precise viver a mesma vida que vivo agora — sempre temendo a violência dos colonos, as demolições de casas e os deslocamentos forçados que minha comunidade, Masafer Yatta, enfrenta todos os dias sob a ocupação israelense”, disse Adra.
No Olher Land conta, justamente, a história das dificuldades que Adra enfrenta enquanto documenta a destruição de Masafer Yatta na Cisjordânia ocupada. A história também mostra sua amizade crescente com um segundo diretor do filme, o jornalista israelense Yuval Abraham, que passa, neste processo, a compreender as restrições, a discriminação que Adra enfrenta e a importância da resistência palestina.
O filme já havia conquistado outros importantes prêmios. Foi escolhido o melhor documentário no Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2024, e Melhor Filme Não-Ficcional do Círculo de Críticos de Cinema de Nova York.
Para disputar o Oscar, os cineastas tiveram de adotar uma “tática de guerrilha”. Não houve nenhum distribuidor que aceitasse distribuir o filme nos Estados Unidos. Como o Oscar exige que a obra estreie no país para disputar a premiação, os cineastas organizaram uma exibição de uma semana no Lincoln Center, em novembro.
“Sem Chão reflete a dura realidade que temos suportado por décadas”, disse também Adra. “Pedimos ao mundo que tome ações concretas para acabar com essa injustiça e interromper a limpeza étnica do povo palestino”, completou o cineasta palestino.
Yuval Abraham ainda teve tempo de criticar o apoio dos Estados Unidos a Israel. “A política externa deste país está ajudando a bloquear esse caminho [da paz]”, disse, entre aplausos. “Vocês não percebem que estamos interligados? Meu povo só estará verdadeiramente seguro se o povo de Basel for verdadeiramente livre e seguro”, disse, antes de completar: “Não há outro caminho.”