Carlos Motta
Todas as semanas o Banco Central divulga o Boletim Focus, que traz projeções do mercado financeiro para uma série de indicadores econômicos. O último profetiza que a taxa básica de juros, a Selic, vai fechar o ano em 7,25%, uma queda de 0,25% em relação ao prognóstico anterior.
Já na economia real, o juro médio anual do cartão de crédito chegou a 399,1% em julho, marcando a segunda alta seguida.
E a taxa média de juros das operações de crédito, pessoas físicas e jurídicas, subiu em julho para 46,6% ao ano.
Vale lembrar que a atividade econômica está fraquinha, fraquinha, no Brasil, o que justifica o esforço do Banco Central em reduzir a Selic, mas contraria a lógica no caso das instituições financeiras, que vêm aumentando os juros.
Seja como for, o fato é que as taxas cobradas em nosso país são, para não dizer muito mais, indecorosas.
A ganância dos banqueiros é algo para se pensar.
E como uma coisa puxa a outra, acabei me lembrando justamente do oposto, de comerciantes que conheci que sabiam tratar seus fregueses de modo especial - e nem por isso deixaram de lucrar com eles.
Na Jundiaí da minha juventude, lá no início dos anos 70, existiam várias pessoas assim. Me recordo particularmente de duas delas, o Cassiano, dono do Urso Branco, um bar ao qual íamos todas as noites depois do fechamento da edição do "Jornal de Jundiaí" - eu, o saudoso Afrânio Bardari, secretário de redação, Celso de Paula, batalhador incansável das artes e da cultura da cidade, repórter dos bons, e vários amigos que deixo de nominar justamente porque foram muitos.
O Cassiano, além de fazer sanduíches de primeira e não se importar de ficar aberto até a madrugada, ainda marcava na caderneta a nossa conta quando, por motivos alheios à nossa vontade, estávamos duros.
Sei que nunca demos calote. Podíamos atrasar um pouco, mas ele, educadamente, nos cobrava quando sentia que havia perigo à vista.
Caso ainda mais grave de negociante que me levava às alturas com o tratamento dispensado era o Paulinho Copelli, da Casa Carlos Gomes, notável estabelecimento situado à Rua Barão de Jundiaí, que se encarregou, durante décadas, de levar o melhor da música aos jundiaienses.
O Paulinho era incrível.
Além de oferecer o fino da MPB, do rock e do jazz, ainda tinha um sistema de crédito inacreditável.
Eu levava a pilha de LPs que escolhia até a sua mesa, tirava a ficha da loja do bolso e ele me perguntava, invariavelmente, depois de somar a compra:
- Quanto é que você quer pagar este mês?
Isso mesmo!
Era eu que decidia de quanto seria a prestação. Comprei discos assim durante vários anos. Quando parei - e acertei o débito com o Paulinho - tinha uma coleção de mais de 1.500 LPs, boa parte deles da Casa Carlos Gomes.
Claro que ressuscitar o sistema da caderneta é algo impensável nos dias de hoje. Mas convenhamos: soltar rojões por uma taxa de 7,25% de juros ao ano, só mesmo sendo idiota.
Cassiano, Paulinho Copelli...
Existiu mesmo esse país onde nós fizemos tantos bons negócios?