Em 1964, quando o golpe militar acabou com a democracia no Brasil, eu tinha 10 anos e vivia em Jundiaí, hoje um município com mais de 400 mil habitantes, a 60 quilômetros da capital paulista.
Na época, Jundiaí era uma típica cidade de porte médio do interior, tranquila, conservadora, sem nenhum grande atrativo, a não ser um parque onde se realizavam as "festas da uva", e um ginásio de esportes de formato arredondado, que todos conheciam como "Bolão".
A sociedade jundiaiense daquele tempo obedecia a uma rígida hierarquia: havia os milionários, poucos, uma ampla classe média, que reunia desde os remediados, que moravam "de aluguel" ou em pequenas casas mais afastadas do Centro, até aqueles que, aos nossos olhos, eram ricos - ou quase -, e os pobres, a maioria.
Minha família pertencia à classe média-média - meu pai era capitão reformado do Exército, e minha mãe trabalhou muitos anos como supervisora de vendas de empresas de produtos de beleza.
Morávamos num sobrado de 140 metros quadrados numa ruazinha sem saída, que meu pai havia comprado, a prestações, por meio de um programa habitacional de cujo nome não lembro mais. E tínhamos um carro, com o qual minha mãe percorria a cidade toda e um bom número de outros municípios vizinhos para visitar as vendedoras.
O primeiro foi um Renault Dauphine, seminovo, que vivia quebrando. Depois dele veio uma sucessão de Fuscas, menos charmosos, mas mais confiáveis.
Na minha casa e em muitas outras de classe média, os serviços domésticos, limpeza, cozinha, lavagem de roupas, eram feitos por mulheres que ganhavam pouco, mas se conformavam em pelo menos ter um trabalho.
E era um trabalho e tanto.
As que não dormiam em quartos minúsculos nas casas dos patrões chegavam cedo para o serviço, que só acabava quando começava a anoitecer.
Saí de Jundiaí pouco depois de os militares se cansarem da brincadeira de tomar conta do país.
Ou seja, passei parte da infância, toda a adolescência e um pedaço da vida adulta sob a ditadura, numa cidade onde quase nada de extraordinário acontecia e o tempo parecia congelado.
Quando me mudei para a capital, a Jundiaí de então era praticamente a mesma de quando tinha 10 anos de idade - as únicas transformações foram a ampliação do parque industrial, com a consequente migração de pessoas em busca de emprego, o aumento da pobreza, e os primeiros sinais de uma desenfreada especulação imobiliária.
Vou à cidade pelo menos uma vez por mês para visitar familiares.
E tudo parece alterado em sua paisagem.
Há mais carros, mais gente, mais barulho, mais poluição, mais bares e restaurantes, dois grandes shopping centers, mais violência, uma agitação que se assemelha à da capital.
Mas sei que, no fundo, em sua alma, em sua essência, a cidade ainda vive como nos anos 60, 70 e 80 do século passado, com um medo terrível de que alguma mudança afete a sua aparente tranquilidade.
Quando chego em Jundiaí sinto que sou jogado na triste realidade do Brasil, um Brasil que se agarra com a força dos desesperados na preservação de um status quo em que cada um se conforma com o seu lugar na sociedade.
"Você tem de concordar que está quase impossível arranjar uma empregada doméstica", escreveu, para mim, alguns anos atrás, uma jundiaiense que conheço desde a mocidade.
Ela agora deve se sentir mais aliviada.
Afinal, tudo indica que não só Jundiaí, mas grande porção do país, está contente com a possibilidade de voltar ao passado, à vida sob a vigilância não mais dos militares, mas da meganhagem, feliz com o retorno a uma paz que não vem da felicidade, mas dos cemitérios. (Carlos Motta)
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