Entenda o Ciclo Completo de Polícia
Somente se entende o que é o ciclo completo de polícia se forem entendidas as funções de polícia, que nada mais são do que a classificação das atividades policiais pelo momento de atuação da polícia: se antes do crime, pelas atividades de prevenção (função de polícia administrativa) ou depois do crime, pelas atividades de repressão (função de polícia investigativa).
FUNÇÃO DE POLÍCIA ATIVIDADE ATUAÇÃO
Polícia Administrativa – Prevenção ao crime – Antes do crime acontecer
Polícia Investigativa – Repressão ao crime – Depois do crime acontecer
No Brasil, um órgão de polícia faz a atividade de prevenção ao crime e outro, a de investigação do crime. Como exemplo, nos Estados, a Constituição Federal atribuiu à Polícia Militar a atividade de prevenção e à Polícia Civil a atividade de repressão. Esse modelo bipartido não funciona a contento, como vemos no caso prático:
Um cidadão, vendo que há, na sua rua, uma movimentação suspeita de pessoas que demonstram estar se preparando para cometer um crime, liga para o serviço 190. Quando a viatura policial ostensiva chega ao local, os suspeitos não estão mais lá, tendo o cidadão informado que, ao verem a aproximação da viatura da PM, os suspeitos se evadiram. Assim, o cidadão pede para que a PM fique no local, porque os suspeitos devem voltar. Os Policiais Militares informam que não podem permanecer no local para fazer a investigação, porque seu trabalho é ostensivo e atendem todo o bairro. Então, saem e voltam para o seu posto.
O cidadão então procura a Polícia Civil, que é quem deve investigar o crime e a informa a sobre a presença de suspeitos na sua rua. Na delegacia da polícia civil é informado que o caso é de atribuição da Polícia Militar, que faz a prevenção, pois a polícia civil somente atua na investigação dos crimes que já ocorreram. IMPASSE – a polícia preventiva (Polícia Militar) não tem como investigar e a polícia repressiva (Polícia Civil) só investiga depois que o crime já aconteceu. O cidadão, então, fica abandonado pela falta da atuação policial e, de fato, não se consegue evitar que o crime venha a acontecer.
Sabemos que a Polícia Militar, mesmo sem ter a atribuição legal de investigação, internamente, se estruturou para atuar nessa área, pelas conhecidas P2. Por sua vez, a Polícia Civil, mesmo sem ter atribuição legal de prevenção, internamente, também estruturou sua área de inteligência para prevenir crimes, além de realizar várias outras atividades preventivas, como o patrulhamento com viaturas, realização de barreiras e utilização de aeronaves. Ou seja, para conseguirem fazer bem o trabalho que lhes compete, a Polícia Militar e a Polícia Civil entram na competência uma da outra. Mas, mesmo assim, isso só ocorre em situações específicas, não como regra geral de atuação em ambos os órgãos. Por isso, cria-se um vazio que só faz crescer a criminalidade, pois no atual modelo bipartido, a atuação policial falha tanto na prevenção quanto na investigação do crime.
A doutrina explica que na realização do crime há um itinerário, chamado “iter criminis”, ou caminho do crime, que é composto de uma fase interna do indivíduo denominada cogitação, e de uma fase externa que compreende os atos preparatórios, os atos de execução e a consumação.
Vê-se que no atual modelo bipartido de investigação de crimes não se consegue combater os atos preparatórios, evitando que venham a se tornar atos de execução e consumação do crime. Eis a falha do modelo atual, em que cada órgão (PM e PC) atua numa fase do crime, ou seja, um atua na prevenção do crime e outro na investigação do crime e não conseguem acompanhar e combater com integralidade todo o evento criminoso.
Por isso, a importância do ciclo completo de polícia, para que as atividades de prevenção e repressão sejam desenvolvidas pelo mesmo órgão policial, pois, se o crime é uno, a polícia tem que ter atuação completa para preveni-lo e investigá-lo.
A Polícia Federal e o ciclo completo
A Constituição Federal no art. 144, §1º, ao tratar das atribuições da Polícia Federal, distingue em seus incisos as funções de polícia investigativa (inciso I), polícia administrativa (incisos II e III) e polícia judiciária (inciso IV). Vê-se especificamente nos incisos I e IV abaixo, a nítida separação entre a função de investigação (apuração de infrações penais) e a função de polícia judiciária da União:
Art.144, § 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:
I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União (FUNÇÃO DE POLÍCIA INVESTIGATIVA)
II – prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho – (prevenção – FUNÇÃO DE POLÍCIA ADMINISTRATIVA e FUNÇÃO DE POLÍCIA INVESTIGATIVA)
III – exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras (FUNÇÃO DE POLÍCIA ADMINISTRATIVA)
IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União (FUNÇÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA).
(texto entre parênteses nossos)
Também, ao tratar das atribuições da Polícia Civil, no §4º do mesmo artigo 144, a Constituição Federal faz a distinção entre as funções de polícia judiciária e de apuração de infrações penais (polícia investigativa): “§4º. Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”. Note-se que o Constituinte atribuiu às polícias civis estaduais as funções de POLÍCIA JUDICIÁRIA e de POLÍCIA INVESTIGATIVA, mas não a de polícia administrativa.
Face ao que dispõe o art.144 da Constituição Federal, a mais moderna doutrina divide as funções de polícia em três:
– POLÍCIA ADMINISTRATIVA, prevenção à infração penal
– POLÍCIA INVESTIGATIVA, repressão à infração penal
– POLÍCIA JUDICIÁRIA, auxiliar do Poder Judiciário (cumprimento demandados de prisão, busca e apreensão, condução de presos, etc).
A Polícia Federal é o único órgão policial a quem a Constituição atribuiu as funções de polícia administrativa e polícia investigativa, conjuntamente, ao que a doutrina conceitua como “polícia de ciclo completo”. Como exemplo, quando a Polícia Federal realiza a atividade de emissão de passaportes (função de polícia administrativa) e verifica que foram apresentados documentos falsos, passa também a investigar o crime de falsificação de documento (polícia investigativa), não precisando encaminhar o caso para que seja investigado por outro órgão policial.
Mas, embora a Polícia Federal seja um órgão de ciclo completo, os policiais não atuam em ciclo completo, pois lhes falta uma carreira única. Atualmente, na Polícia Federal, os cargos policiais (Agentes, Escrivães e Papiloscopistas) que efetivamente atuam nas investigações e detêm a expertise policial, são impedidos de exercerem chefias, as quais são reservadas a outro cargo, o de delegado federal, cujos ocupantes entram no órgão por concurso distinto e vêm a ser chefes dos demais policiais. Muitas vezes, esses profissionais passam a ocupar o cargo de delegado sem experiência policial anterior, pois a lei lhes exige três anos de experiência policial “ou” jurídica. Polícias pela metade não funcionam, assim como policiais pela metade não conseguem ter a expertise policial necessária para uma atuação eficiente; e isso é uma anomalia que precisa ser corrigida pela implantação da carreira única na Polícia Federal.
A carreira única está definida no §1º do art.144 (A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a…). A Carreira Policial Federal foi criada pelo Decreto-lei nº 2.251/1985 e hoje está disciplinada na Lei nº 9.266/96 que disciplina a natureza de nível superior de todos os cargos (Agente, Escrivão, Papiloscopista, Delegado e Perito): “Art. 2º A Carreira Policial Federal é composta por cargos de nível superior, cujo ingresso ocorrerá sempre na terceira classe, mediante concurso público, de provas ou de provas e títulos, exigido o curso superior completo, em nível de graduação, observados os requisitos fixados na legislação pertinente”.
Porém, a Carreira Policial Federal nunca foi regulamentada e precisa ser efetivada com base em dois pilares: entrada única e promoção. Esses dois pilares são elementos que dão origem à formação de carreira e sua implementação não visa extinguir ou rebaixar nenhum outro cargo, pois se efetiva a partir da adequação da disposição atual dos cargos existentes para o novo desenho da carreira. Isso se dará por um processo de transição na organização dos atuais cargos numa mesma carreira, de forma que os novos ocupantes que sejam selecionados por concurso e passem a integrar a carreira pela entrada única, no cargo inicial. Com os cargos estruturados na Carreira Policial Federal, a progressão funcional será embasada na capacitação e na experiência. Assim, os policiais serão promovidos (provimento de cargo público pela promoção, art. 8º, II, Lei nº 8.112/90) e podem chegar ao exercício de chefia por critérios de experiência e mérito.
A estrutura dos órgãos policiais em carreira única é modelo que funciona nas polícias federais de vários países do primeiro mundo, como o FBI e, por isso, o Constituinte previu esse modelo para a Polícia Federal brasileira, mas que ainda precisa ser efetivado na prática, visando alcançar a eficiência na segurança pública e na investigação criminal.
É mais que natural e até lógico a Federação Nacional dos Policiais Federais defender o Ciclo Completo de Polícia e a porta única de entrada, com carreira única, na Polícia Federal e em todos os órgãos policiais, por trazer de volta a preocupação com o ser humano policial, por promover uma carreira justa e com meritocracia, além de contribuir para firmar a promoção da eficiência, eficácia e da efetividade para a segurança pública no Brasil.
Créditos aos Policiais Federais, componentes do Grupo de Trabalho sobre Carreira da FENAPEF:
Adelson Cabral (RS)
Antônio Moreira (SC)
Magne Cristine (PE)
Márcio Ponciano (DF)
Fonte: Agência Fenapef