A opinião é de Marília Guimarães, que abriu o segundo painel do Ciclo de Debates sobre o tráfico humano desta quinta (9)

Último painel do evento teve como tema: "Rede de enfrentamento do tráfico de pessoas: articulação interinstitucional e mobilização da sociedade" - Foto: Willian Dias
“A ditadura militar no País desmobilizou a sociedade brasileira. Daí a dificuldade de ela lutar contra esses males, como o tráfico humano.” A frase é uma constatação de Marília Carvalho Guimarães, presidente do Comitê Social Campanha Coração Azul do Rio de Janeiro. Ela participou na tarde desta quinta-feira (9//5/14) do painel "Rede de enfrentamento do tráfico de pessoas: articulação interinstitucional e mobilização da sociedade". O painel faz parte do Ciclo de Debates Enfrentamento do Tráfico de Pessoas, que a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realiza no Plenário desde a manhã desta quinta-feira.
Por outro lado, Marília mostrou-se otimista ao afirmar que “o povo brasileiro aprendeu a calar naquela época, e agora está aprendendo a falar de novo”. Segundo ela, o poder público, via Ministério Público, a Justiça, entre outros órgãos, têm trabalhado incessantemente contra o tráfico, “o que é demostrado pelas pesquisas mostradas no evento sobre o tema”. Ainda segundo a dirigente Marília Guimarães, um exemplo dessa mobilização foi a inserção na novela da Rede Globo “Salve Jorge” de conteúdos sobre o tráfico de pessoas, o que ajudou na conscientização sobre o problema. Ela acredita que estamos num segundo estágio, de união do Estado com a sociedade civil. E aí entram os comitês Coração Azul.
São 11 comitês Coração Azul no Brasil, nas cidades onde haverá jogos da Copa. “Esperamos que na Copa o grito não seja só contra o racismo, mas também contra o tráfico de pessoas”, defendeu. E aproveitou para divulgar os números de telefone 100 e 180, em que os cidadãos podem fazer denúncias anônimas quanto ao tráfico de pessoas. “São números seguros. Por isso, não tenham medo de falar, de denunciar”, concluiu.
Representante do Comitê Interinstitucional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas de Minas Gerais e delegada de Polícia Civi, Cristina Coeli Cicarelli também tratou da articulação em prol da rede de enfrentamento. Ela lembrou que, há pouco tempo, cada órgão era como uma ilha isolada tentando enfrentar o problema.
A partir de 2013, com a criação do comitê, foi possível debater soluções conjuntas. Mas ela ressalva que cada instituição tem um olhar diferenciado sobre o tema e hão há um alinhamento conceitual. O comitê reúne as Polícias Militar, Civil e Federal, Assembleia, MP, Secretarias de Estado, Justiça estadual e federal, entre outros órgãos.
Na opinião de Cristina Coeli, uma das principais pautas do comitê tem sido “a facilidade para se fazer o registro tardio de nascimento de uma criança e daí fazer o deslocamento dela para outro país”. Ele cita o caso recente de tentativa de tráfico de criança em Contagem (RMBH): “Em três dias, a criança foi registrada em nome dos sequestradores, mas felizmente conseguimos descobrir o crime a tempo”, comemorou.
Eventos paralelos à Copa são mais perigosos para menores
Um perfil do turista da Copa – estrangeiro ou brasileiro – foi apresentado por Eliane Quaresma Araújo, coordenadora da Política Pró-Criança e Adolescente da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese). De acordo com ela, que representa o Comitê Local de Proteção Integral a Criança e ao Adolescente, 60% dos turistas são homens, 45% solteiros, que gastam em média R$ 11 mil e tem renda familiar de R$ 23 mil.

Eliane Araújo, da Sedese, traçou um perfil dos turistas que visitaram o Páis durante a Copa - Foto: Willian Dias
O comitê de proteção tem a coordenação da Sedese e da Secretaria de Políticas Sociais de Belo Horizonte. O objetivo, explica Eliane, é permitir que “crianças e adolescentes participem da Copa, mas de forma protegida, sem serem vítimas de qualquer violação de direitos”. Eliane disse que, além da Copa, haverá eventos paralelos, como a Fun Fest, no Parque da Gameleira, com 20 dias de shows e previsão de 20 mil pessoas por dia. Ela afirmou que, mais do que nos jogos da Copa, é nesses eventos paralelos que as crianças e adolescentes ficam mais vulneráveis a ação de bandidos.
As ações do comitê se darão por meio da atuação do espaço temporário de convivência, próximo a Fun Fest, na Gameleira, para o qual serão encaminhado crianças e adolescente em situação de risco. Haverá também o Plantão integrado, na sede do Juizado de Menores na Capital – com membros do Conselho tutelar, Defensoria Pública, Sedese, entre outros. Atuarão ainda equipes volantes, que ficarão nas ruas e nos eventos.
Exploração de crianças - Por fim, a coordenadora da Associação das Prostitutas de Minas Gerais, Maria Aparecida Vieira, disse que as profissionais vêm denunciando a exploração de crianças e adolescentes. “Se você vai à Avenida Afonso Pena, em Belo Horizonte, não vê menores trabalhando na prostituição”, relatou ela, que também é membro titular no Conselho Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. No entanto, ela reclamou que, apesar de a classe apoiar essa ação do poder público, não recebe o mesmo tratamento dele: “Na Delegacia de Mulheres, não entra a prostituta violentada. Uma mulher violentada no trabalho tem que ser ouvida pela delegacia”, afirmou.
Imigrantes denunciam trabalho escravo no Brasil
Segundo Pascal Roger Peuzè, do Centro Zanmi, que apoia migrantes estrangeiros no Brasil, a ONG recebe denúncias de trabalho escravo desse público, principalmente de haitianos. Segundo Pascal, é comum entre eles a ilusão transmitida pelos coiotes (pessoas que cobram para conseguir atravessar imigrantes na fronteira) de que o Brasil é um “Eldorado, cheio de oportunidades”.
Ele relatou que um haitiano, que trabalho num frigorífico, teve a promessa de que ganharia bem no Brasil, mas, quando foi receber, o chefe lhe descontou a comida e a hospedagem, lhe pagando apenas R$ 119. São comuns, afirma Pascal, denúncias de jornadas de trabalho de 14 horas por dia, não pagamento de horas-extras e de trabalhadores doentes sendo obrigados a trabalhar. “Incentivamos as pessoas a denunciarem, mas o medo é muito forte”, declarou.
Debates - Na fase dos debates, o presidente do comitê Coração Azul contra o Tráfico de Pessoas de Minas Gerais, Betinho Duarte, apresentou três propostas à Mesa. A primeira, no sentido de que a ALMG envie a autoridades nacionais e internacionais, entre elas o Papa e a presidente Dilma, a ONU, a Fifa e a CBF, um pedido para que, a exemplo da campanha contra o racismo, a Copa encampe a campanha contra o tráfico de pessoas. Seriam também divulgados os números para denúncias: 100, 180 e 0800-0311119.
Outra proposta é de que a ALMG se empenhe para que os municípios mineiros criem comitês Coração Azul. A última sugestão é de que a Casa participe em 30 de julho do Dia Internacional contra o Tráfico de Pessoas Coração Azul, instituído pela ONU.
No encerramento, a presidente da mesa, deputada Luzia Ferreira (PPS), comprometeu-se a encaminhar as propostas em forma de requerimento para serem apreciados e votados na ALMG.
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