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Política, Cidadania e Dignidade

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апреля 3, 2011 21:00 , by Unknown - | No one following this article yet.

Campeão de assassinatos, Brasil perde mais da metade dos seus jovens a cada ano-Atlas da Violência 2016

апреля 13, 2016 10:47, by POLÍTICA CIDADANIA E DIGNIDADE



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Mais de 10% dos assassinatos que acontecem anualmente no planeta são registrados exclusivamente no Brasil, que detém o título mundial de homicídios. É uma das conclusões do Atlas da Violência 2016, cujos dados foram divulgados na manhã desta terça-feira (22), pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Por Thiago de Araújo Do Brasil Post
Tomando por base os números oficiais de 2014, o documento aponta que 59.627 homicídios foram registrados no Brasil, o que torna o País o mais letal do mundo em número absolutos. A taxa de assassinatos aqui – 29,1 homicídios por 100 mil habitantes – é quase três vezes maior daquela que a Organização das Nações Unidas (ONU) classifica como ‘epidêmica’ (superior a 10 homicídios por 100 mil habitantes).
O levantamento – que se divide entre mortes em decorrência do uso de armas de fogo, violência policial, homicídios de afrodescendentes, mulheres e jovens –apresenta outro fato preocupante: sem em cidades brasileiras mais populosas se registraram as maiores quedas no número de assassinatos, nos municípios menores o índice subiu. Exemplificando, enquanto São Paulo teve uma queda de 65% entre 2004 e 2014, em Senhor do Bonfim (BA) o aumento de homicídios foi de 1.136%.
De acordo com os pesquisadores, o País vive uma “tragédia” com tamanho aumento da violência, distinta de dados já altos apurados entre 2004 e 2007 (de 48 mil a 50 mil homicídios) e de 2008 a 2011 (de 50 mil a 53 mil assassinatos). Tamanha violência causa reflexões para a diversas áreas sociais, como a saúde, e consolidam dinâmicas já conhecidas, como o fato de que homens jovens, em sua maioria negros, como as principais vítimas.
O Atlas da Violência 2016 mostra que aumentou em 18,2% a chance de um negro ser assassinado, ao passo que ocorreu uma redução de 14,6% na taxa de homicídios de pessoas brancas, amarelas e indígenas. No que chama de “questão da violência por raça” que “toma proporções inacreditáveis”, o estudo apresenta ainda um perfil etário dos que mais são vítimas de homicídio no Brasil.
Das mortes de homens na faixa etária de 15 a 29 anos, 46,4% são ocasionadas por homicídios. A situação fica ainda mais grave na análise dos assassinatos de homens com idade entre 15 e 19 anos: o indicador passa para 53%. Em 2014, para cada não negro que sofreu homicídio, 2,4 indivíduos negros foram mortos.
Considerando os assassinatos de mulheres em 2014, um total de 4.757 foram vítimas de mortes por agressão. O número equivale a 13 mulheres mortas por dia no País. Os três Estados com maiores taxas de letalidade contra as mulheres foram Roraima (9,5), Goiás (8,8) e Alagoas (7,3).
Aliás, entre os Estados a situação de Alagoas é a que mais preocupa, com taxa de 63 homicídios por 100 mil habitantes. No mesmo Estado há ainda a maior taxa de homicídio de negros (82,5), o que significa que, para cada não negro assassinado, outros 10,6 negros eram mortos. Na análise entre 2004 e 2014, seis Estados tiveram aumento no indicador acima de 100%, todos na Região Nordeste: Rio Grande do Norte (306%), Maranhão (209,4%), Ceará (166,5%), Bahia (132,6%), Paraíba (114,4%) e Sergipe (107,7%).
Já São Paulo é o Estado com maior redução na taxa de homicídios, com queda de 52,4% entre 2004 e 2014. Outros sete Estados apresentaram redução no indicador no mesmo intervalo: Rio de Janeiro (-33,3%), Pernambuco (-27,3%), Rondônia (-14,1%), Espírito Santo (-13,8%), Mato Grosso do Sul (-7,7%), Distrito Federal (-7,4%) e Paraná (-4,3%).
Armas de fogo
No que diz respeito aos homicídios por arma de fogo no Brasil há dois anos, eles respondem por 44.861 mortes, segundo o levantamento do Ipea e do FBSP. O indicador é bem superior aos 21%, que representam a média dos países europeus. A proporção caiu com a sanção do Estatuto do Desarmamento, em 2003, quando a taxa alcançou 77%, mas a violência letal com arma de fogo no Brasil atinge patamares comparáveis a poucos países da América Latina.
Em uma projeção sem a existência do estatuto, o estudo afirma que os homicídios seriam uma tragédia social ainda pior. A comparação mostra que, caso o estatuto não tivesse sido sancionado em 2003, em média, entre 2011 e 2013, seria de pelo menos77.889 homicídios no Brasil, ou 41% a mais de homicídios, em relação ao observado na pesquisa. É uma conclusão semelhante à já feita por outro estudo, o Mapa da Violência.
Por Estado, as mortes por arma de fogo no Brasil acontecem mais nos Estados das regiões Norte e Nordeste – o que seria agravado, caso não existisse o Estatuto do Desarmamento. O Atlas da Violência mostra que o total de mortes nessas regiões teria sido de 7.224 (Norte) e 29.757 (Nordeste).
Há ainda um trecho dedicado à letalidade policial, que aponta um quadro de subnotificação de ocorrência, comparando os dados colhidos pelo Atlas junto ao Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e os números apresentados pelo mais recente Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Enquanto o primeiro mostra apenas 681 mortes por intervenções policiais, o Anuário, utilizando dados coletados diretamente dos estados pela Lei de Acesso à Informação, apresenta 3.009 mortes decorrentes de intervenção policial – 2.669 delas causadas por policiais em serviço –, ou seja, há uma diferença de 1.988 mortes, sem considerar a subnotificação também existente nos registros dos Estados.
Os três Estados nos quais a polícia mais mata, de acordo com o Atlas são Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia. No SIM, os números são, respectivamente, 245, 225 e 97 registros de mortes por intervenção policial. Já pelo Anuário, os dados saltam para 584, 965 e 278, respectivamente.



'Redução da violência não se resume a policiamento'

апреля 13, 2016 10:44, by POLÍTICA CIDADANIA E DIGNIDADE


ANTONIO PAZ/JC
Governador alega que não há recursos para aumentar o efetivo
Governador alega que Estado não tem recursos disponíveis para aumentar efetivo
Suzy Scarton

Em declaração polêmica sobre a falta de recursos do Estado para ampliar o efetivo da segurança pública, o governador José Ivo Sartori sugeriu, no início de março, que os policiais fizessem "mais com menos". Entidades como o Sindicato dos Escrivães, Inspetores e Investigadores de Polícia (Ugeirm), o Sindicato dos Servidores da Polícia Civil do Estado (Sinpol/RS) e a Associação Beneficente Antonio Mendes Filho - Brigada Militar (Abamf) rebateram a declaração, afirmando que isso não é possível.
Em meio às negativas do governo, a violência cresce, bem como a sensação de insegurança vivida pelos gaúchos, principalmente na Capital. O professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs), sociólogo e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Rodrigo de Azevedo, acredita que é preciso trabalhar na integração entre Estado e municípios. "Quando o governador foi prefeito de Caxias do Sul, a cidade teve resultados positivos em matéria de segurança. Se lá teve sucesso, por que não pensar em opções inovadoras para o Estado?", questiona. Para ele, o policiamento deve ser visto como um ator-chave na redução da violência, mas as soluções devem ser elaboradas pensando além da polícia.
Em 2014, o Senado aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 33/2014, que altera os artigos 23 e 24 da Constituição Federal a fim de inserir a segurança pública entre as competências comuns da União, dos estados e dos municípios. No começo de 2015, especialistas do Ministério da Justiça, da Secretaria Nacional de Segurança Pública e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública elaboraram, em Brasília, o Pacto Nacional pela Redução dos Homicídios, que une uma série de propostas envolvendo União e estados, e tem como meta a redução anual de 5% na taxa de assassinatos. "Até hoje, o pacto não foi colocado em prática, e o ministro da Justiça na época (José Eduardo Cardozo, hoje advogado-geral da União) já não está mais lá. Entrou um novo e não sabemos ainda se será levado adiante", pondera Azevedo.
De acordo com o sociólogo, o documento retoma medidas do antigo Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), dividido nos projetos Mulheres da Paz e Protejo. A iniciativa preconiza o investimento direto, da União para os municípios, em políticas de prevenção ao crime nas regiões mais violentas, o estabelecimento de integração da juventude, com formação de lideranças, a repressão ao crime organizado, a presença da polícia e a celeridade de processos criminais.
O combate a crimes específicos é uma das bandeiras do governo Sartori, que sancionou, em dezembro do ano passado, a Lei dos Desmanches, com intuito de combater o roubo e o furto de veículos. "É uma lei que pensa a partir de uma lógica de prevenção. É mais inteligente que aquela lei que manda prender mais, lotando presídios, algo contraproducente na redução da criminalidade", destaca Azevedo. Para ele, seria interessante pensar em uma política contra o tráfico de drogas que não se resuma à prisão de pequenos traficantes.

Programas de prevenção são alternativas a longo prazo



A coordenadora do programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e integrante do grupo de Violência e Cidadania da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Letícia Schabbach, acredita que "não existem fórmulas mágicas". Para ela, a garantia de segurança pública e da sensação de segurança passa pelo policiamento ostensivo e pela atuação dos funcionários da área. "Tem que ter policiamento valorizado, com capacitação, com desenvolvimento de inteligência, policiamento comunitário, presença física em locais com maior incidência criminal. Não tem alternativa, a questão policial é crucial", comenta.
A longo prazo, Letícia sugere a implementação de programas de prevenção contra violência, como as medidas do Pronasci. "A prevenção demanda um período de implementação para avaliação de resultados; portanto, seria uma medida a médio e longo prazo", observa.
A coordenadora também cita o Mais Educação, projeto do Ministério da Educação que oferece aulas em turno integral em colégios públicos. "Essa modalidade traz tranquilidade às mães e também ajuda a manter os jovens longe das ruas."
A participação da comunidade, por meio dos conselhos municipais, também estimula a busca por soluções. "Talvez, em algum local, reativar um postinho seja a solução. Em outro, pode ser uma ação direcionada aos jovens. Depende de cada comunidade."


Fonte: http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2016/04/geral/491210-reducao-da-violencia-nao-se-resume-a-policiamento.html



Servidores públicos, policiais e bombeiros militares podem respirar aliviados, governo cede e aceita rever pacote de maldades

апреля 13, 2016 10:28, by POLÍTICA CIDADANIA E DIGNIDADE


Após marcação cerrada dos servidores das três esferas (federal, estadual e municipal) e as mais de 200 emendas de parlamentares contra o PLP 257/2016, o governo finalmente cedeu e concordou em retirar os artigos que restringiam direitos dos trabalhadores. 

A notícia acaba de ser divulgada pelo ministro da Secretaria de Governo, Ricardo Berzoini, após reunião, no final da tarde, no Palácio do Planalto, com representantes de federações e confederações e de oito entidades sindicais (CUT, CTB, Nova Central, Força Sindical, UGT, CSP/Conlutas, CGTB e Pública).

“O ministro afirmou que está disposto a deixar apenas o conteúdo acertado com estados e municípios e considerar, principalmente, o teor da emenda 119, do líder do PT na Câmara, deputado Afonso Florence, que alonga as dívidas, sem prejudicar a sociedade”, destacou Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate). Desde quando foi enviado ao Congresso, em 22 de março, pelo ministro da Fazenda, Nélson Barbosa, em caráter de urgência, centenas de categorias abriram guerra contra o PLP 257/2016.

Agora, apesar da promessa de Berzoini, os líderes sindicais manterão a agenda de protestos e paralisações marcada para amanhã e quinta-feira. Nesta quarta, no Distrito Federal, às 15 horas, os servidores se concentram em frente ao Ministério da Fazenda e marcharão até o Congresso Nacional, às 17 horas. Na quinta, cruzarão os braços em todo o país. Em Brasília, a concentração será no auditório Nereu Ramos, na Câmara dos Deputados, às 9 horas; às 10 horas, lançamento da Frente Parlamentar em Defesa dos Serviços Públicos.

Fonte: Blog do Servidor



ENTIDADES, E DEPUTADOS TRANSFORMARAM MANIFESTAÇÃO EM CAMPANHA PARA PRÉ CANDIDATOS A ELEIÇÃO DE 2016.

апреля 12, 2016 6:33, by POLÍTICA CIDADANIA E DIGNIDADE



VOCÊ SABIA!




"Entidades e deputados sabem que retenção de salário é ilegal e viola direito dos servidores.


Porque as entidades não foram a justiça, e preferem gastar dinheiro com manifestações?

Qual a pauta e as propostas foram apresentadas ao governo?


Quais são as estratégias para pressionar e negociar com o governo?


A ação na justiça não dá palanque nem holofote, mas protege e se faz cumprir o direito."



O parcelamento dos salários dos servidores públicos em Minas Gerais - Retenção dolosa e interdição intransponível ao pagamento de tributos




Resumo: O presente ensaio tempo por finalidade precípua analisar as medidas de atraso e parcelamento do salário dos servidores públicos do estado de Minas Gerais, e o consequente atraso da quitação dos tributos do estado por parte dos contribuintes.

 “A igualdade perante a lei corresponde a obrigação de aplicar as normas jurídicas gerais aos casos concretos, na conformidade como o que eles estabelecem, mesmo se delas resultar uma discriminação, o que caracteriza a isonomia puramente formal, enquanto a igualdade na lei exige que, nas normas jurídicas, não haja distinções que não sejam autorizadas pela própria constituição. Enfim, segundo a doutrina, a igualdade perante a lei seria uma exigência feita a todos aqueles que aplicam as normas jurídicas gerais aos casos concretos, ao passo que a igualdade na lei seria uma exigência dirigida tanto àqueles que criam as normas jurídicas gerais como àqueles que as aplicam aos casos concretos”. ( Jose Afonso da Silva )
Resumo: O presente ensaio tempo por finalidade precípua analisar as medidas de atraso e parcelamento do salário dos servidores públicos do estado de Minas Gerais, e o consequente atraso da quitação dos tributos do estado por parte dos contribuintes, notadamente, o imposto sobre propriedade de veículos automotores. Visa ainda analisar a incidência do crime de apropriação indébita, plasmado no art. 168 do Código Penal,  praticado pelo governo de Minas Gerais, além do cometimento de ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública, sobretudo, qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições.
Palavras-chave: Pagamento, atraso, parcelamento, servidores públicos, retenção dolosa de salários, improbidade administrativa, configuração.
Resumen: este tiempo de prueba por objetivo principal analizar las medidas y retrasar el pago de los salarios de los servidores públicos del estado de Minas Gerais y el consiguiente retraso en la descarga de impuestos en el estado de los contribuyentes, en particular, el impuesto sobre la propiedad de vehículos de motor. Visa todavía analizar la incidencia del delito de apropiación indebida, el arte de moda. 168 del Código Penal, el gobierno de Minas Gerais, además de la Comisión de tal acto de mala conducta administrativa que socava los principios de la administración pública, en particular, cualquier acción u omisión que viole los deberes de honestidad, imparcialidad, legalidad y lealtad a las instituciones.
Palabras clave: pago, demora, pago, funcionarios públicos, retención intencional de sueldos, faltas administrativas, ajuste.
A palavra salário vem do latim salarium, significando "pagamento, estipêndio", de Sal, "sal".
Originariamente, era uma quantia paga aos soldados para a compra de sal, artigo que nem sempre era barato na Europa.
Sabe-se que a ordem jurídica trabalhista tem construído uma cadeia sempre articulada de garantias e proteções ao salário do trabalhador.
O arcabouço jurídico protege o salário do trabalhador, com adoção de princípios de garantias, como irredutibilidade de salário, intangibilidade salarial, isonomia salarial, proibição da retenção dolosa, impenhorabilidade do salário, restrições à compensação, inviabilidade da cessão do crédito salarial, integralidade do salário, princípio da pontualidade do pagamento, além de outros.
A Convenção nº 117 da OIT, estabelece que deverão ser tomadas as medidas necessárias para assegurar que todos os salários ganhos sejam devidamente pagos aos empregados e servidores.
A Consolidação das Leis do Trabalho,  Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, no seu § 1º, artigo 459, prevê normas fixando como dia do pagamento, o 5º dia útil do mês subsequente ao do vencimento.
"§ 1º Quando o pagamento houver sido estipulado por mês, deverá ser efetuado, o mais tardar, até o quinto dia útil do mês subsequente ao vencido".
Mas nessa terra de gigantes nem sempre as leis, embora cogentes e imperativas,  são cumpridas.
Recentemente, o Governo do Estado de Minas Gerais anunciou política de parcelamento dos salários de parte dos seus servidores, em especial, atingindo a toda categoria de servidores que atuam na Segurança Pública.
A medida atingiu parte dos servidores que possuem vencimentos intermediários, ficando de fora servidores de outros órgãos que percebem salários astronômicos.
É sabido também que no intervalo do escala de pagamento alguns compromissos dos servidores perante o Estado venceram, como o pagamento dos tributos vinculados aos veículos automotores, a saber IPVA, taxa de licenciamento e seguroobrigatório, além dos tributos municipais como o IPTU, e ainda considerando que 40% do IPVA são repassados aos municípios onde os carros são licenciados, consoante artigo 158, III, da Constituição da República de 1988.
Destarte, o presente estudo visa analisar as consequências nefastas destas medidas anunciadas pelo governo do Estado.
Num primeiro instante, é importante afirmar que o atual governo de Minas Gerais entra eternamente para a história do estado, como sendo o primeiro a parcelar salários de parte de seus servidores, atingindo de cheio a toda categoria policial.
E agora como consequência natural, pode-se afirmar, seguramente, que a medida anunciada pelo Governo de parcelamento dos salários, pode acarretar inúmeras consequências jurídicas, a saber:
I - Grave ofensa ao princípio da igualdade formal/material constitucional.
II - Desoneração dos contribuintes de pagamento de acréscimos moratórios aos impostos originários do Estado de Minas Gerais e dos seus 853 municípios;
III - Incidência de ato lesivo ao princípio da legalidade, levando como resultado a prática de ato de improbidade administrativa;
IV - Incidência na prática de crime a retenção dolosa de salários pelo Governo do Estado.
Passaremos a analisar os itens propostos. 
Assim,  tem-se que a odiosa medida de parcelamento de salários da forma imposta, ab initio, agride num primeiro plano, o principio da igualdade constitucional.
O princípio da igualdade não nasceu por agora. É um processo lento e evolutivo, de conquistas e retrocessos.
Trata-se de regra originária dos tempos remotos, de transição entre o estado natural e o estado de sociedade civil, que foi chamando posteriormente, de sociedade contratual.
Acerca da igualdade, a Constituição Federal preceitua no artigo 5º, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
Neste contexto, assegura igualdade de aptidões e de possibilidades de gozar de tratamento isonômico.
A previsão em apreço acompanha a evolução dos tempos, tendentes a cumprir fielmente o princípio da proibição do retrocesso social.
Assim, a  Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, em seu artigo 1º prevê que os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum.
Já a declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948 também no seu artigo 1º, determina que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.
Igualmente, o Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, ratificado pelo Brasil por meio do decreto nº 678/92, no seu artigo  24 assevera:
Todas as pessoas são iguais perante a lei.  Por conseguinte, têm direito, sem discriminação, a igual proteção da lei.
 O atraso de pagamento e parcelamento aos servidores públicos, pode levar a desoneração de pagamento de acréscimos moratórios aos impostos originários do Estado de Minas Gerais e dos seus 853 municípios.
Neste entendimento, o estado não pode atrasar o pagamento dos seus servidores, e depois cobrar juros dos contribuintes por eventuais atrasos no pagamento de impostos devidos, como por exemplo, o pagamento de IPVA, e nem autoriza este mesmo ente federado a exercer seu poder de polícia, por eventuais irregulares nos veículos em circulação, quando se provar que a irregularidade, ocorreu, única e exclusivamente, por culpa do estado, em função da legalidade bilateral.
Se o estado tem poder de exigir o pagamento dos seus impostos em dia, também é verdade que o contribuinte não pode ser obrigado a cumprir com suas obrigações, se comprovar que não o fez, por absoluta inexigibilidade de conduta diversa, por motivos de força maior, evidentemente, que não provocou.
O regular pagamento de salários somente a alguns servidores, além de contumélia irremissível ao principio da igualmente constitucional, também maltrata o princípio da legalidade.
O agente público quando viola o princípio da legalidade, além de violenta agressão ao comando normativo do artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal de 1988, também ofende com pena de morte o artigo 11 da Lei nº 8.429/92, ensejando ato de improbidade administrativa, com as consequências que passamos a discorrer.
O principio da legalidade recebe importância constitucional, artigo 5º, inciso II e no artigo 37, como superprincípio da Administração Pública.
Martha Figueiredo leciona:
"Assim, sempre que o administrador público praticar ato ou omissão ilegal injustificável, revelando típica realização de má-gestão pública violadora dos deveres de lealdade institucional e eficiência administrativa, estará incorrendo no ilícito previsto no art. 11 da Lei nº 8.429/92, salvo se de tal conduta resultar, também, enriquecimento ilícito ou dano ao erário, caso em que a conduta subsumir-se-á às hipóteses dos arts. 9º e 10 da mesma lei, dado que a violação dos princípios é espécie de improbidade reconhecidamente subsidiária".
O insigne professor Hely Lopes Meirelles ensina com rara sabedoria:
“A legalidade, como principio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso”.
 O governo alega dificuldade financeira para atrasar o pagamento de parte dos seus servidores, ou para fazê-lo de forma parcelada, mas em contrapartida, ao mesmo tempo, desembolsa R$ 527 mil na aquisição de produtos alimentícios de valores exorbitantes, como carnes nobres, pescados e frios, além de produtos de alta gastronomia para abastecer os palácios do governo nas demandas da cozinha e eventos oficiais, enquanto o policial tem suas contas todas atrasadas.
Outrossim, não subsiste dúvida de que nos dias atuais, constitui-se voz dominante no mundo jurídico que salário tem a sua natureza jurídica reconhecida como sendo alimentar.
A natureza alimentar do salário é ressaltada por RUSSOMANO (1978, p. 439) para quem o salário e a remuneração possuem traços comuns e ambos são essencialmente alimentares, isto é, constituem meios de subsistência dos trabalhadores.
De forma mais incisiva RUSSOMANO (1978, p. 447) afirma: “a natureza alimentar do salário reclama, de parte do legislador, regulamentação cuidadosa”.
Não paira nenhuma dúvida de que a natureza do salário é mesmo alimentar. É o salário quem garante a sobrevivência do empregado, até mesmo porque este só trabalha por necessidade de sobreviver.  
De tão importante o salário para a sobrevivência humana, que o legislador elevou à categoria de crime a sua retenção dolosa, conforme artigo 168 do Código Penal Brasileiro.
A Constituição Federal reconheceu a gravidade do ato e elevou-o à categoria de crime (art. 7º, X, da CF), cabendo ao legislador infraconstitucional dispor sobre a tipificação e a cominação da pena
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
É certo que o atraso de pagamento e o seu arbitrário parcelamento, aos servidores públicos em Minas Gerais demonstra equivocada política de Segurança Pública, revelando um pífio modelo de gestão pública realizada por uma administração sem metas, sem rumos e sem objetivos, longe daquilo que chamamos de diagnóstico finalístico de perseguição implacável ao bem estar social, fim último a ser perseguido pelo estado de direito.
A história é rica em relevar mitos e fracassados, monstros e estadistas. Uns saem de cena e marcam seu nome da história, deixando legados memoráveis. Outros ficam na história especialmente por demonstrarem fraqueza de caráter e ausência de espírito público, de desiderato coletivo.
Uns refletem o calor e a luminosidade da injustiça, da maldade, da desfaçatez, outros transformam oásis em zonas de liberdade e fraternidade.
Há quem se mira na beleza da madrugada, do brilho lunar, como fonte inspiradora de encantos, para irradiar o surgimento de projetos sociais, mas há quem ignora a sutileza da brisa de primavera, do colorido celestial, mesmo porque em qualquer situação há sempre uma cegueira social, porque gravita num submundo das atrocidades fisiologistas.
O governo atual em pouco tempo de desmando já escreveu seu nome bem estampado na história de Minas Gerais, deixou sua marca indelével nos anais de uma época autofágica e cleptocrática.
São páginas tristes de se abrirem, grafadas com letras maiúsculas da incompetência e do despreparo, recheios de equívocos crassos e ultrajantes, lesivos aos mais valiosos direitos que incorporam o princípio da dignidade da pessoa humana, como direito a subsistência, absoluto direito ao alimento e sagrado direito ao recebimento de salários por dias trabalhados.
Negar salário a quem trabalha, é regressar ao tempo primitivo, imperial, ao nefasto e remoto regime de escravidão que um dia assentou sintomas neste país, e agora expropriam abertamente dos vencimentos de seus servidores, qualificando tais medidas de cruéis, criminosas, nojentas  e de autoextermínio.
A esperança deve um dia ter superado o medo, mas hoje assistimos a hipocrisia e o escárnio de lobos vorazes, sequestradores da autonomia de vontade dos mais necessitados, terroristas de ocasião, gigantes do terror que rotulam seu território de pátria educadora.       
Sábias e verdadeiras as palavras da ministra do STF, Cármen Lúcia:
"Na história recente da nossa pátria, houve um momento em que a maioria de nós, brasileiros, acreditou no mote segundo o qual uma esperança tinha vencido o medo. Depois, nos deparamos com a Ação Penal 470 e descobrimos que o cinismo tinha vencido aquela esperança. Agora parece se constatar que o escárnio venceu o cinismo. O crime não vencerá a Justiça. Aviso aos navegantes dessas águas turvas de corrupção e das iniquidades: criminosos não passarão a navalha da desfaçatez e da confusão entre imunidade, impunidade e corrupção. Não passarão sobre os juízes e as juízas do Brasil. Não passarão sobre novas esperanças do povo brasileiro, porque a decepção não pode estancar a vontade de acertar no espaço público. Não passarão sobre a Constituição do Brasil”
 Conclui-se, afirmando que com as medidas unilaterais, arbitrárias e tomadas ao arrepio da lei, malignas e rancorosas, o governo de Minas Gerais transgride frontalmente, as normas legais e constitucionais em vigência, e depois de haver cometido grave ofensa aos princípios da legalidade, igualdade e moralidade, incorre na pertinência típica de ato de improbidade administrativa e retenção dolosa de salários, a configurar crime de apropriação indébita, tudo conforme normas estatuídas no artigo 11 da Lei nº 8.429/92 c/c artigo 168 do Código Penal Brasileiro.
Noutra seara, o governo de Minas Gerais, com a medida de retenção dolosa indireta do pagamento imposta subversiva e arbitrariamente a parte dos servidores públicos, incorre em práticas odiosas como ofensa aos princípios da pontualidade do pagamento, integralidade do pagamento e na inalterabilidade prejudicial.  
E por consequência, os servidores públicos lesados que em razão exclusiva da ação ou omissão do estado, atrasarem seus compromissos atinentes ao pagamento dos tributos, caracterizando aquilo que denominamos de interdição intransponível, ficam inumes de multas, juros ou quaisquer acréscimos decorrentes, sob pena de cobrança abusiva e arbitrária por parte do estado.
Referências bibliográficas:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: . Acesso em: 16 de fevereiro de 2016
BRASIL. Decreto-lei nº 2848, de 07 de dezembro de 1940. Dispõe sobre o Código Penal Brasileiro. Disponível em: . Acesso em: 16 de fevereiro de  2016.
FIGUEIREDO, Martha Carvalho Dias de. Violação ao princípio da legalidade e aos deveres de lealdade institucional e ineficiência funcional.Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 15n. 24341 mar. 2010. Disponível em: . Acesso em: 16 fev. 2016.
RUSSOMANO, Mozart Victor. O Empregado e o Empregador no Direito Brasileiro.São Paulo: LTR, 6ª ed. 1978.
SOUZA, Gelson Amaro de. O Salário como Direito Fundamental. Disponível em http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/o-sal%C3%A1rio-como-direito-fundamental-%E2%80%93-revisita%C3%A7%C3%A3o, acesso em 16 de fevereiro de 2016, às 20h04min.

Autor

  • Jeferson Botelho Pereira

    Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado. Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais. Professor do Curso de Pós-Graduação em Ciências Penais e Segurança Pública - Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni. Professor do Curso de Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal - Faculdade Estácio de Sá, Campus Belo Horizonte. Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina. Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos.
    Autor do livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: atividade sindical complexa e ameaça transnacional (JH Mizuno). Participação nos livros: "Lei 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia", "Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS 236/2012", e "Atividade Policial" (coord. Prof. Rogério Greco), da Impetus. Articulista em Revistas Jurídicas.
    Textos publicados pelo autor



ASSOCIAÇÃO JURÍDICO-ESPÍRITA DO BRASIL POSICIONA-SE PELO ROMPIMENTO COM A ATUAL POLÍTICA DE DROGAS

апреля 11, 2016 20:52, by POLÍTICA CIDADANIA E DIGNIDADE


A Associação Jurídico-Espírita do Brasil (AJE Brasil) posicionou-se claramente pela necessidade de rompimento com a falida e danosa política de proibição às selecionadas drogas tornadas ilícitas, em seu II Fórum de Reflexões, realizado em Brasília no mês de fevereiro, cujo tema foi a política brasileira sobre drogas e o pensamento jurídico-espírita. Tal posicionamento está expresso na nota emitida por ocasião daquele encontro, abaixo transcrita:

NOTA DA AJE BRASIL SOBRE A POLÍTICA BRASILEIRA DE ENFRENTAMENTO ÀS DROGAS

A Associação Jurídico-Espírita do Brasil (AJE Brasil), entidade de âmbito nacional que integra espíritas profissionais do Direito, reunida em Brasília (DF) em 27 e 28 de fevereiro de 2016, em seu II Fórum de Reflexões, manifesta à sociedade brasileira sua convicção de que o modelo baseado na responsabilização criminal adotado há décadas pela política brasileira sobre drogas não conseguiu enfrentar com um mínimo de eficácia e efetividade o grave e prejudicial problema da drogadição.

A AJE-Brasil expressa sua convicção de que a dependência química e o uso problemático de drogas devem ser enfrentados por meio de eficazes políticas públicas de saúde, de assistência e promoção social e, sobretudo, de educação integral, entendida esta como vigoroso processo de formação do caráter moral do indivíduo.

Por fim, a AJE-Brasil convida o Movimento Espírita brasileiro, por suas entidades federativas, especializadas e sociedades espíritas, a promoverem franco debate a respeito do tema, de modo a contribuir para o fim das práticas estatais repressivas que vêm proporcionando o crescente encarceramento de jovens, notadamente pobres e negros, e incentivando a violência e a corrupção na sociedade brasileira, sem qualquer impacto na redução da oferta ou consumo de drogas. Esta situação é incompatível com os elevados valores éticos de justiça, amor e caridade que caracterizam o Cristianismo e a Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec.

Brasília, fevereiro de 2016.


A nota pode ser encontrada no site da AJE Brasil: http://www.ajebrasil.org.br/arquivos/nota_%20AJE-Brasil_politica_de_drogas.pdf



PF indicia Fernando Pimentel sob suspeita de corrupção e mais 3 crimes

апреля 11, 2016 20:20, by POLÍTICA CIDADANIA E DIGNIDADE


Alex de Jesus/O Tempo/Folhapress
Politica - O ministro do Desenvolvimento Agrario, Patrus Ananias, e o governador de Minas Gerais Fernando Pimentel ( PT ), lancam, em reuniao especial na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, o plano safra para a agricultura familiar para o estado. Na foto: Governador de Minas Gerais Fernando Pimentel ( PT ). Foto: Alex de Jesus/O Tempo 19/08/2015 *** PARCEIRO FOLHAPRESS - FOTO COM CUSTO EXTRA E CRÉDITOS OBRIGATÓRIOS ***
O governador Fernando Pimentel na Assembleia de Minais Gerais

GABRIEL MASCARENHAS
DE BRASÍLIA
A Polícia Federal indiciou o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), sob suspeita de corrupção passiva, tráfico de influência, organização criminosa e lavagem de dinheiro.

No início do mês passado, o ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Herman Bernjamin autorizou a PF a colher depoimento do petista e indiciá-lo, caso já tivesse provas de que ele cometeu crimes.

Agora, caberá à PGR (Procuradoria-geral da República) decidir se apresentará denuncia contra o governador. Caso isso ocorra, e o Judiciário acate, Pimentel se tornará réu em uma ação penal.

O petista é um dos principais alvos da Operação Acrônimo, que teve início com a investigação de supostas ilegalidades na campanha dele ao Palácio da Liberdade, em 2014.

Mais adiante, a mesma operação identificou indícios de compra de medidas provisórias e de favorecimento a empresas em empréstimos no BNDES no período em que Pimentel era ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, pasta à qual o banco de fomento é vinculado.

O governador não compareceu a um depoimento na PF na última sexta (8), embora tenha sido convocado.

Porém, a Folha apurou que, mesmo antes de agendar a oitiva, a PF já havia recolhido elementos suficientes para indiciá-lo.

OUTRO LADO
O advogado do petista, Eugênio Pacelli, argumenta que seu cliente não compareceu ao depoimento porque não havia tido acesso a todo o material disponível no inquérito.

Diz ainda que solicitou o adiamento da oitiva para o dia 18. Segundo ele, a PF acatou o pedido, mas depois voltou atrás e manteve a data do dia 8 (sexta-feira passada).


"No dia anterior ao do depoimento, tivemos acesso às mensagens de celulares (contidas no inquérito) desconhecidas pela defesa até então. Eram 18 megabytes", justificou Pacelli. 



A crise política e o balanço da devastação. Entrevista especial com Idelber Avelar

апреля 11, 2016 9:42, by POLÍTICA CIDADANIA E DIGNIDADE


“O que importa aqui não é a inexistência de um arcabouço jurídico no qual essa proposta [de novas eleições gerais] possa ser levada a cabo. (...) Não é uma ideia que vá tirar o Brasil da crise, mas é uma mobilização mais arejada, criativa e corajosa do que o impeachment que nos entrega um governo peemedebista-tucano ou o simples ‘espere até 2018’ com o qual o governismo tenta debelar a crise”, avalia o pesquisador.
Imagem: http://static2.blastingnews.com/
“O primeiro a se fazer é um balanço da devastação”, ponderaIdelber Avelar na entrevista a seguir concedida à IHU On-Line por e-mail, ao comentar a atual crise política brasileira e avaliar que “nenhuma das propostas que há sobre a mesa vai tirar o Brasil da crise com um passe de mágica”.
Antes de reforçar o “garantismo que nunca se pronunciou sobre os vários ativistas criminalizados pelo governo federal ou pelos seus aliados estaduais”, que “fala como se a Lava Jato tivesse inaugurado algum tipo de arbítrio judicial no Brasil”, é preciso avaliar o legado dos últimos anos, que inclui “movimentos sociais cooptados e aparelhados, uma experiência de década e meia de suposta esquerda no poder, cujo resultado foi o fortalecimento e expansão do encarceramento e a consolidação de uma cultura da servidão voluntária dentro da esquerda, segundo a qual a responsabilização das forças políticas no poder pelos seus atos é perenemente apresentada como um ‘fazer o jogo da direita’”, adverte.
Na avaliação dele, a “retórica” em torno do “golpe” “é muito mais uma ferramenta de mobilização da base do governo do que uma análise matizada do que acontece”. Dilma, pontua, “não está sofrendo um processo de impeachment porque seja líquido e certo que haja cometido crimes de responsabilidade”, mas porque “suas bases de apoio parlamentar e popular se esfarelaram e a política econômica que impôs levou o Brasil a uma combinação de recessão e inflação. Esse processo é responsabilidade direta do próprio governo Dilma”.
A curto e médio prazo, ressalta, nenhum partido de esquerda parece oferecer alguma alternativa à crise política. “O partido que consistentemente se situa à esquerda do PT, o PSOL, tem atuado” mais como “linha auxiliar do petismo do que como instrumento de construção de uma alternativa de esquerda”. A REDE, de outro lado, “é um fenômeno interessante, mas não sei até que ponto ela deve ser caracterizada como um partido de esquerda – o que, aliás, pode muito bem ser uma boa coisa”.
esquerda pós-PT, vislumbra, deverá se recompor em torno de novas agendas, como a ambiental, e “deverá ser mais ecológica e menos crescimentista; mais plural e menos interessada em caçar bodes expiatórios; mais afirmativa e menos ressentida”.
Idelber Avelar é professor de teoria literária e estudos culturais na Tulane University, em New Orleans, EUA, e doutor em Estudos Espanhóis e Latino-Americanos pela Duke University.
Confira a entrevista.
Foto: Naty Torres/Revista Fórum
IHU On-Line - Como o senhor está acompanhando e interpretando o atual momento político do Brasil? Que avaliação faz das manifestações que ocorreram no país? O que elas representam?
Idelber Avelar - Acompanho com apreensão, como todo mundo. Trata-se da culminação do que poderíamos chamar a quebra do pacto lulista. O lulismo conseguiu, graças a condições internacionais favoráveis e ao talento político de seu líder, gerir um pacto de classes em que se redistribuía algo aos mais pobres sem que se tocasse nos privilégios dos mais ricos ou se realizasse qualquer das reformas estruturais que poderiam alterar a natureza oligárquica do Estado brasileiro. Claro que isso só foi possível em um contexto no qual o bolo estava crescendo continuamente. Enquanto ele cresceu, o pacto se manteve, com altos níveis de satisfação entre pobres e ricos. Com a mudança das condições internacionais, o lulismo – que não tomou nenhuma iniciativa para alterar a dependência brasileira como exportador de matéria-prima – começou a ver seu pacto ruir.
O governo e a ridicularização de junho de 2013
As manifestações de 2013 assinalam o começo da quebra, mas, naquele momento, ainda havia uma brecha para que o governo dialogasse com elas, já que a pauta que inicialmente as mobilizou, o direito ao transporte público, tem longa história no PT. Também as pautas da desmilitarização das polícias e do legado da ditadura poderiam ter sido abraçadas pelo governo, mas faltaram-lhe a coragem e o interesse. A reação do governo e de sua base foi a pior possível, passando da ridicularização à repressão à tentativa de cooptação, às vezes contraditoriamente combinando essas três posições no mesmo discurso. A desastrada resposta foi coroada pela ida de Dilma Rousseff à televisão para propor uma “Constituinte Parcial” em consultar com seu Vice-Presidente que, além de ser constitucionalista, era o seu laço com o Congresso. Acabou sendo uma proposta natimorta, que durou menos de 48 horas. Enquanto isso, as próprias manifestações iam tomando outro caráter, sob intensa repressão, idêntica nos estados governados peloPMDB, pelo PT e pelo PSDB.
A partir daí, a base do governo vai se erodindo de forma acelerada e a tese do impeachment ganha fôlego. Talvez o traço mais marcante das manifestações pró e antigoverno hoje seja sua distância em relação ao espírito de 2013. Há uma forte miragem estatista em ambas. Nas verde-amarelas, vê-se uma associação automática entre o PT e a corrupção e um silenciamento de outros agentes dela, como se a remoção de Dilma fosse resolver o problema da corrupção. Nas vermelhas, nota-se a redução do conceito de “Estado Democrático de Direito” à permanência desse governo no poder e um silêncio sobre as violações contra ele cometidas por esse mesmo governo. Há uma fortepolarização entre as duas, mas também há um enorme setor da população que não se vê representado em nenhuma delas.

“Com a mudança das condições internacionais, o lulismo – que não tomou nenhuma iniciativa para alterar a dependência brasileira como exportador de matéria-prima – começou a ver seu pacto ruir

IHU On-Line - Recentemente, ao comentar a Operação Lava Jato, o senhor disse que os procuradores envolvidos no caso não estão interessados em punir lideranças de um único partido e que algo se “quebrou no pacto oligárquico e ele será restabelecido em outras bases”. O que tem em mente ao fazer essa análise? Pode explicar melhor essa ideia?
Idelber Avelar - Eu provavelmente fiz alguma ressalva que matizasse essa certeza sobre os procuradores. Está claro que se trata de uma nova geração de procuradores que ganhou autonomia investigativa sob o lulismo e acredita no Direito Penal como instrumento de combate à corrupção. Alguns deles visivelmente trabalham com uma concepção salvacionista do Direito, o que no Brasil não é necessariamente ruim, contanto que se tomem os devidos cuidados para não endeusar juízes e procuradores como figuras messiânicas. Esse cuidado deve ser exercido, em primeiro lugar, pelos próprios juízes e procuradores, já que não seria razoável esperá-lo das manifestações verde-amarelas, tão ansiosas em busca de heróis.
Sobre a quebra do pacto oligárquico e sua restauração em outras bases, o contexto é o visível desejo de boa parte da classe política brasileira de que a Lava Jato decapite algumas figuras de liderança do PT – especialmente Lula –, sirva de base para o impeachment e, logo depois, em um eventual governo tucano-peemedebista, seja arquivada. Posso estar errado, mas não acredito nessa pizza, não porque tenha qualquer confiança na classe política brasileira, mas porque a Lava Jato já desatou consequências incontroláveis. Uma pizza que punisse só as lideranças petistas e restaurasse o pacto oligárquico nos mesmos termos de antes enfrentaria enorme resistência, inclusive dentro do próprio Judiciário. Tampouco acredito, claro, que a Lava Jato vá simplesmente “limpar” a política brasileira de maneira uniforme. De qualquer forma, concordo com Pablo Ortellado quando ele diz que o legado da Lava Jato ainda está em aberto.
IHU On-Line - Como avalia a discussão que tem sido feita sobre a judicialização da política neste momento? Quais as causas e consequências da judicialização?
Idelber Avelar - Para os pobres, a política sempre foi judicializada, como têm apontado o artista Rafucko, a ativistaRebeca Lerer, da Anistia Internacional, e muitos outros. Nunca pudemos exercer de verdade o inciso XVI do Artigo 5º da Constituição Federal, aquele belo texto que diz que “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”. No Brasil, esse inciso sempre foi uma peça de ficção, assim como o são também o direito à inviolabilidade do lar, à imagem, à dignidade e à presunção de inocência, sempre que se trata de negros e pobres. As Polícias Militares no Brasil têm um poder que vai bem além da manutenção da lei – elas efetivamente criam outra lei cada vez que atuam.
Isso tudo é óbvio, mas precisa ser dito porque, a julgar por alguns discursos que circulam hoje, é como se a Lava Jatotivesse inventado a judicialização da política. O que ocorre, evidentemente, é outra coisa. Pela primeira vez na história moderna do Brasil, gente realmente graúda está indo presa por crimes contra o patrimônio público. Não descarto a existência de abusos judiciais e creio que eles devem ser denunciados e combatidos. A circulação de áudios privados do ex-Presidente Lula à imprensa, por exemplo, foi claramente abusiva, isso já me parece ponto pacífico.
No entanto, existe hoje muito garantismo de ocasião, garantismo chapa-branca, para usar a expressão cunhada porAdriano Pilatti. Existe um garantismo que nunca se pronunciou sobre os vários ativistas criminalizados pelo governo federal ou pelos seus aliados estaduais, mas agora fala como se a Lava Jato tivesse inaugurado algum tipo de arbítrio judicial no Brasil. Claro que também há garantistas sérios, que estiveram ao lado dos manifestantes criminalizados em2013 e que agora denunciam o que veem como abusos da Lava Jato. Esses juristas têm o meu respeito e eu os ouço com atenção.

“Pela primeira vez na história moderna do Brasil, gente realmente graúda está indo presa por crimes contra o patrimônio público

 
IHU On-Line - Como vê a discussão sobre o impeachment, entre aqueles que afirmam que há um “golpe”, porque falta um conteúdo para o impeachment, e aqueles que defendem a existência de crimes de Responsabilidade Fiscal? Como o senhor se posiciona em relação a essa questão?
Idelber Avelar - Eu sigo Nietzsche ao entender o Direito como filho da política, e não o contrário. Em outras palavras, o que determinará como serão compreendidos os próximos movimentos desse xadrez – golpe fracassado ou bem-sucedido, impeachment por crime de responsabilidade ou qualquer outra fórmula – não é o rigor da dogmática jurídica, é a força bruta, a luta política. Collor não sofreu impeachment porque cometeu crime de responsabilidade, embora seja provável que os tenha cometido. Collor sofreu impeachment porque foi abandonado por sua base de sustentação, porque o pacto de classes dominantes e meios de comunicação de massas que o levou ao poder já não confiava nele para executar seu programa.
Coincido com o crítico e poeta Eduardo Sterzi quando ele afirma que é perfeitamente possível não entender o que está acontecendo como um golpe, mas reconhecer que há, sim, golpistas. Em todo caso, a retórica em torno de um suposto “golpe” em andamento é muito mais uma ferramenta de mobilização da base do governo do que uma análise matizada do que acontece.
O sentido do golpe
Recentemente, o ensaísta Diego Viana publicou um texto em que, com a ajuda do instrumental da psicanálise, desvenda a operação que estrutura essa retórica. Cito Viana, porque eu não seria capaz de dizê-lo melhor:
“Na arquitetura da visão de mundo petista, a noção do golpe ocupa uma posição basilar. Essa centralidade decorre de um certo poder purgativo, até mesmo redentor, que ela detém. Necessariamente alguém que foi vítima de um golpe, de uma remoção forçada, de um conluio, é alguém gostável.
Por isso, o desejo de golpe, no caso petista, opera bem assim: sem a perspectiva de ser golpeado, o que é o governo Dilma? É um governo de apoio ao latifúndio (com seus corolários, o agrotóxico, o genocídio indígena, a dominação semicoronelista da política em nível local), e ao extrativismo (está aí o Rio Doce que não me deixa mentir, mas o que dizer dos projetos de exportação de minério de Eike Batista? – aliás, lembra dele?), sem falar no flerte descarado com fundamentalistas religiosos cujo maior interesse não está na salvação da alma de ninguém.
[…]
O golpe tranquiliza a consciência de quem ainda quer manter aquela alma petista dos bons tempos, ao estabelecer um contraponto assustador. Sem golpe, não há esquerda no governo e isso é insuportável para quem, considerando-se uma pessoa de esquerda, se mantém fiel ao partido. Por isso, a presença constante do golpe é indispensável; e é, assim, desejada, da mesma maneira como desejamos aquilo que tememos, uma vez que baseemos nossa existência nesse temor.”
A mídia e o Estado
Da mesma forma, a retórica em torno ao impeachment precisa, para se sustentar, de omitir o fato de que a universalização do critério aplicado a Dilma levaria à remoção de uma série de governadores e prefeitos Brasil afora, incluindo-se muitos da oposição. Em todo caso, Dilma não está sofrendo um processo de impeachment porque seja líquido e certo que haja cometido crimes de responsabilidade. Dilma está sofrendo um processo de impeachment porque suas bases de apoio parlamentar e popular se esfarelaram e a política econômica que impôs levou o Brasil a uma combinação de recessão e inflação. Esse processo é responsabilidade direta do próprio governo Dilma.
O fato de que setores dos meios de comunicação de massas tenham depois embarcado na agitação pró-impeachment é consequência, não causa disso, inclusive porque esses setores estiveram juntos com Dilma nacriminalização de manifestantes de 2013 e elogiaram-na repetidamente em 2010-2012, como a gerentona que não temia demitir Ministros corruptos. Em um país com endêmica tendência à desmemória, a narrativa acerca da “mídia golpista” precisa se esquecer do apoio das Organizações Globo à construção de Belo Monte e à Copa do Mundo, a capa da Veja da última semana de março de 2012, o macarrão da Presidente no programa de Ana Maria Braga e uma longa história de colaborações bem amistosas entre os grandes oligopólios de comunicação e o governo Dilma.

 

“O golpe tranquiliza a consciência de quem ainda quer manter aquela alma petista dos bons tempos

IHU On-Line - Como a discussão sobre o impeachment e essa polêmica do “golpe” estão repercutindo nos EUA e nas universidades americanas?
Idelber Avelar - Creio que em universidades com pouca tradição em estudos brasileiros, a principal consequência da crise tem sido o arrefecimento do interesse no Brasil, que mobilizou muita gente em busca de oportunidades de negócios durante a década lulista. Não há grande efeito nas matrículas dos programas de universidades com tradição em estudos brasileiros, como UCLABrownTulane ou a Universidade do Texas. Mas em programas menos consolidados, o estrago é grande, sim.
Acabou também, claro, a recepção a reitores brasileiros com tapete vermelho, do qual se vangloriou tanto Aloizio Mercadante alguns anos atrás. Evidentemente, essa recepção só acontecia porque o programa Ciência sem Fronteiras aceitava pagar, em dinheiro e à vista, um preço de matrícula completamente fictício e irreal, que ninguém nos EUA paga.
De resto, nos programas bem consolidados a discussão sobre a crise brasileira prossegue, muitas vezes com estupefação não muito diferente da encontrada entre pesquisadores brasileiros.
IHU On-Line - Algum ator político brasileiro conseguiu apresentar alguma ideia satisfatória para se sair da crise política? O que o senhor tem visto em termos de propostas para resolver o impasse político brasileiro e que avaliação faz do que tem visto?
Idelber Avelar - Nenhuma das propostas que há sobre a mesa vai tirar o Brasil da crise com um passe de mágica e acredito que o primeiro a se fazer é um balanço da devastação. Temos um legado de movimentos sociais cooptados e aparelhados, uma experiência de década e meia de suposta esquerda no poder cujo resultado foi o fortalecimento eexpansão do encarceramento e a consolidação de uma cultura da servidão voluntária dentro da esquerda, segundo a qual a responsabilização das forças políticas no poder pelos seus atos é perenemente apresentada como um “fazer o jogo da direita”.
REDE, o PSTU, o PCB e setores do PSOL, além de alguns movimentos sociais independentes, têm se mobilizado pela convocação de novas eleições, proposta que chegou a ser discutida no interior do próprio governo. De novo, o que importa aqui não é a inexistência de um arcabouço jurídico no qual essa proposta possa ser levada a cabo. Se ela ganhar força política e social suficiente para ser implementada, esse arcabouço será criado. Não é uma ideia que vá tirar o Brasil da crise, mas é uma mobilização mais arejada, criativa e corajosa do que o impeachment que nos entrega um governo peemedebista-tucano ou o simples “espere até 2018” com o qual o governismo tenta debelar a crise, sem nos dizer como o país vai sobreviver trinta meses de esfarelamento do Poder Executivo.
IHU On-Line - Quando o senhor afirma que a “crise política deverá ser seguida por um longo período de domínio da direita”, refere-se a que especificamente? O que entende por direita e quem representa a direita hoje no país? O que diferencia a política conduzida pelo PT ao longo dos governos Lula e Dilma, da política da direita?
Idelber Avelar - Apesar de que Marina é a atual líder das pesquisas de intenção de voto para Presidente, eu acredito – e espero estar errado – que ainda amargaremos um bom tempo de direita clássica no poder. Claro que a direita hoje está representada tanto no governo como na oposição. Não há como não caracterizar figuras como Kátia Abreu, Ministra da Agricultura, de direita clássica – anti-indígena, pró-agronegócio, anti-Reforma Agrária. Não há como não caracterizar como de direita iniciativas do governo Dilma como a lei antiterrorismo ou a política de subsídios públicos a oligopólios privados.
Existem, claro, alguns elementos da política petista que a diferenciam de uma direita clássica. Trata-se principalmente de iniciativas que já foram incorporadas e adotadas como política de Estado e não de governo, e que mesmo um governo tucano dificilmente eliminaria. Penso no Bolsa Família e nas cotas sociais e raciais nas universidades, por exemplo.
De resto, a grande diferença advém do fato de que o PT tem uma base social de esquerda e uma relação histórica com um ideário de esquerda. Esse histórico permite que o ideário seja mobilizado quando o governo se encontra em dificuldades, sempre com a chantagem de que “a direita vem aí”, como se ela já não estivesse no poder. Por isso considero a superação da experiência petista o pré-requisito para a reconstrução de qualquer esquerda no Brasil.
IHU On-Line - O senhor ainda se considera de esquerda? Que autores influenciam seu pensamento hoje e de que modo eles contribuem para definir o que seria a pauta da esquerda nos dias atuais?
Idelber Avelar - Eu mantenho, digamos, uma relação afetiva com o conceito de esquerda. A maioria dos meus interlocutores se considera de esquerda. Mantenho com o ideário de esquerda uma concordância básica: ou encontramos uma alternativa ao capitalismo ou ele destrói a humanidade. Por outro lado, não há como ignorar uma longa história de autoritarismo, centralismo e dogmatismo que sempre floresceram na esquerda. O discurso tradicional dentro da esquerda é que esses vícios seriam desvios que não teriam lugar em uma “esquerda verdadeira”. Creio cada vez menos nisso, e cada vez mais na hipótese de que esses vícios são parte constitutiva da própria esquerda.
O pensador que mais me influenciou nesse sentido foi Walter Benjamin, que se insurgiu contra a tradição de conformismo e contra a crença na melhoria progressiva das coisas. Benjamin foi o pensador mais radical do século XX na insistência em que toda política de esquerda deve se inspirar na miséria passada, no que o passado deixou de pendente, na imagem dos avós escravizados, e não dos netos liberados.

“Creio cada vez menos nisso, e cada vez mais na hipótese de que esses vícios são parte constitutiva da própria esquerda

IHU On-Line - Que alternativas de esquerda existem no Brasil?
Idelber Avelar - Como alternativa de poder, a curto ou médio prazo, nenhuma. O partido que consistentemente se situa à esquerda do PT, o PSOL, tem atuado – com algumas honrosas exceções, como Babá e Luciana Genro – muito mais como linha auxiliar do petismo do que como instrumento de construção de uma alternativa de esquerda. Seus principais líderes e parlamentares têm dedicado mais tempo à defesa do governo e à luta contra o impeachment do que, por exemplo, a denunciar o loteamento de cargos na máquina estatal.
REDE é um fenômeno interessante, mas não sei até que ponto ela deve ser caracterizada como um partido de esquerda – o que, aliás, pode muito bem ser uma boa coisa. O projeto ainda é embrionário o suficiente para que seja temerário dizer qualquer coisa muito peremptória sobre ele, mas tenho enorme respeito pela liderança de Marina Silva. Trata-se de uma política que pensa diferente, sem antagonismos sectários e com respeito a nuances e matizes. Ela ainda enfrenta enormes dificuldades, claro, boa parte delas advinda da gigantesca campanha de difamação que sofreu nas eleições de 2014.
IHU On-Line - O que poderia ser a esquerda pós-PT?
Idelber Avelar - Concordo com o ensaísta Moysés Pinto Neto em que essa esquerda deverá ser mais ecológica e menos crescimentista; mais plural e menos interessada em caçar bodes expiatórios; mais afirmativa e menos ressentida. Ela deverá ser, acima de tudo, uma esquerda que questione o mito do crescimento econômico ilimitado e que leve a sério o aquecimento global. Deverá ser uma esquerda que compreenda a Amazônia e saiba ouvir os povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos. Terá que ser também uma esquerda que fetichize o Estado um pouco menos e que encontre saídas criativas para o legado genocida das Polícias brasileiras.
IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?
Idelber Avelar - Em um momento como este, não custa sublinhar: quem pensa diferente não é teu inimigo.
Por Patricia Fachin




Em seu primeiro experimento, delação premiada virou arma política

апреля 11, 2016 9:41, by POLÍTICA CIDADANIA E DIGNIDADE


Andrade Gutierrez sempre foi considerada a principal empreiteira de Aécio Neves. Participou das maiores obras de seu governo, em Minas Geras. 
Mais que isso, quando enfrentou problemas de caixa, em Belo Monte, fechou um negócio que praticamente liquidou com o caixa da Cemig - empresa do governo mineiro - obrigada a adquirir debêntures emitidas por ela.
O comentário é de Luis Nassif, publicado por Jornal GGN, 07-04-2016.
Não se trata apenas de meras propinas, mas de grandes negócios obscuros feitos à luz do dia.
Nos celulares dos principais executivos da Andrade, a Lava Jato encontrou mensagens de WhatsApp com ofensas pessoais à presidente Dilma Rousseff.
No entanto, em sua delação premiada, em nenhum momento foi exigido dos executivos da Andrade nenhuma informação sobre Aécio.
Um dos grandes problemas das discussões jurídicas é se aterem ao genérico, sem análise de caso.
O que se tem objetivamente com as delações premiadas da Lava Jato:
1. Cabe aos procuradores definir o conteúdo da delação, para ser homologada. Ou seja, o delator fica à mercê do julgamento do procurador. Se quiser benefício, tem que dizer o que o procurador quer.
2. Haveria o filtro do juiz. Quando os dois se irmanam na mesma posição política, esqueça-se o filtro. Juiz, procuradores e delegados da Lava Jato já deram provas sobejas de que tem lado partidário.
3. A delação será encaminhada ao STF para ser homologada. O Supremo vai arbitrar sobre o conteúdo incluído, não sobre o que não foi perguntado.
Não se pode analisar a delação sob a ótica genérica sem ter clareza sobre suas vulnerabilidades.
Concretamente, no primeiro caso de uso extensivo, a delação foi utilizada para manipular o jogo político.



Decretação ex officio da prisão temporária é manifestamente ilegal

апреля 11, 2016 9:38, by POLÍTICA CIDADANIA E DIGNIDADE

O ordenamento jurídico enuncia expressamente a solução a ser adotada quando a prisão preventiva, ainda que presentes seus fundamentos legais, revelar-se desproporcional: a substituição pelas medidas dispostas no artigo 319 do CPP.
No dia 22 de fevereiro de 2016, foi deflagrada mais uma fase da operação "lava jato”. Como em outras tantas etapas, foram cumpridos diversos mandados, entre buscas e apreensões, conduções coercitivas e prisões cautelares. O texto não pretende, entretanto, examinar os aspectos inerentes à referida investigação (que servirá, apenas, de exemplo privilegiado). Intenta-se tratar de uma questão jurídica relevante, observada nessa nova etapa, mas que é, infelizmente, comum na prática jurídica forense.
Vamos aos fatos.
A autoridade policial representou pela prisão preventiva de determinadas pessoas, no que se viu acompanhada de parecer favorável do Ministério Público Federal.
O fundamento elencado, como em diversos outros casos, foi a suposta garantia da ordem pública, especificamente para que “cessem a prática de novos atos de lavagem transnacional de ativos”.
De modo incidental, aparentemente sem qualquer fundamento concreto, ao menos que tenha sido expresso na representação, arguiu-se o “receio que os investigados possam [...] tentar interferir nas investigações”. Sobre esse aspecto, não se apontou qualquer fato concreto, com base nos elementos de informação colhidos no inquérito policial, que corroborassem as alegações contidas no pedido formulado. E, mais uma, vez se confunde gravidade em abstrato de um comportamento com a sua gravidade concreta, buscando-se antecipar a tutela penal....
Faltou, nos sempre lúcidos dizeres do ministro Celso de Mello, portanto, “base empírica idônea” [1]. Com as devidas e necessárias licenças, a questão limitou-se a uma conjectura da autoridade que preside a investigação, o que não merece tutela jurisdicional. Caso existisse algum fundamento, era imperioso assinala-lo expressamente (ganhando, a representação, novos contornos de validade), inclusive para possibilitar a apreciação do Juízo e permitir o contraditório pela defesa (com os meios de impugnação a ele inerentes).
Ao apreciar o pedido, contudo, ainda que comungando de alguns dos posicionamentos contidos na representação, o Juízo decidiu contrariamente ao quanto pleiteado (mesmo que, nesse caso, parcialmente) pela autoridade policial:
A medida estaria, em princípio, justificada pela longa duração da conduta delitiva e por sua gravidade em concreto. Seria também ela necessária para interromper a prática delitiva, o que parece ser imperativo diante da aparente habitualidade dos investigados em aceitar pagamentos subreptícios de serviços, máxime considerando que 2016 é ano eleitoral no Brasil e é preciso prevenir que dinheiro de possível origem criminosa contamine as eleições vindouras.
Entretanto, reputo nesse momento mais apropriada em relação a eles a prisão temporária, como medida menos drástica, o que viabilizará o melhor exame dos pressupostos e fundamentos da preventiva após a colheita do material probatório na busca e apreensão.
[...]
Tratando-se de medida menos gravosa aos investigados do que a preventiva, pode este Juízo impo­la em substituição ao requerido pela autoridade policial e pelo MPF. (sem grifos no original)
Vê-se que a decisão é absolutamente silente quanto a qualquer outro fundamento para decretação da prisão preventiva diferente das alegadas “gravidade em concreto das condutas” e “longa duração da conduta delitiva”. Afirma-se, literalmente, que a medida estaria justificada por esses aspectos. Qualquer outra alegação da autoridade policial, porque não expressamente acolhida, deve ser considerada rejeitada (inclusive ante a ausência de impugnação, pelos meios próprios, da parte interessada).
Extraídos os fatos que ilustram o presente estudo, passa-se ao exame da questão jurídica.
O embasamento teórico alegado para tal decisão, em análise inicial descuidada, aparenta ser bastante sedutor: sendo medida alegadamente menos drástica, em relação à prisão preventiva, o julgador poderia decretar a temporária, como medida substitutiva ao requerido pela autoridade policial. É exatamente essa questão que se fia a presente análise.
Seria, afinal, um possível benefício aos investigados, que veriam a constrição às suas respectivas liberdades de locomoção, ao menos em princípio, limitada temporalmente, vez que a prisão preventiva tem o prazo de cinco dias, ao contrário da preventiva, que pode se estender — como reiteradamente visto ao longo da operação "lava jato” — por longos meses (sem que disso se extraia qualquer juízo de valor. Trata-se de um dado meramente objetivo e hipotético).
A interpretação jurídica, contudo, não pode ser assim tão superficial. Prisões preventiva e temporária não se confundem e têm fundamentos bastante diversos, inconciliáveis, registre-se. A primeira, embora criticável, tem seus correspondentes fundamentos previstos no Código de Processo Penal, podendo ser decretada “como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal.” A segunda, disciplinada pela material e formalmente inconstitucional Lei 7.960/1989, possui outros requisitos: além de haver fundadas razões de autoria ou participação do indiciado em um dos crimes taxativamente elencados pelo dispositivo, deve-se demonstrar sua imprescindibilidade para as investigações do inquérito policial. São, pois, modalidades disjuntivas de custódia: são absolutamente contraditórias, inconciliáveis.
No caso da prisão temporária, tanto a autoridade representante, quanto o magistrado que a decreta devem demonstrar que “a investigação necessita da prisão ou, ainda, a liberdade é incompatível com o que necessita a investigação para esclarecer o fato” [2]. Há, portanto, um severo ônus argumentativo/probatório para se fundamentar, idoneamente, a prisão temporária, que é bastante distinto do referente à prisão preventiva.
É o que Aury Lopes caracteriza como periculum in libertatis “distorcido” (“porque não é a liberdade do imputado o gerador do perigo que se quer tutelar” [3], o que fundamentaria, em tese, a prisão preventiva). E nisso reside as maiores críticas quanto à (in)constitucionalidade da prisão temporária: diante do direito a não autoincriminação (e outras garantias fundamentais), não há como se cogitar a imprescindibilidade da prisão para investigação.
Desse modo, a substituição ex officio da prisão preventiva pela temporária é inviável, ainda que sob a ótica da proporcionalidade. Essa conclusão, inclusive, abarca outra grave situação vivenciada na persecução penal: pedidos de prisão temporária formulados alternativamente, em relação à preventiva. A pretensão é logicamente inviável, sendo evidente situação de preclusão.
Isto porque, a incidência do princípio da proporcionalidade à situação em exame não permite o decreto, ex officio, da prisão temporária. Em primeiro plano, por haver óbice legal a tal procedimento: vez que essa medida cautelar “será decretada pelo Juiz, em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público” [artigo 2º, caput, da Lei 7.960/1989].
Ora, trata-se de observância ao sistema acusatório (cada parte no lugar constitucionalmente demarcado [4]). Do contrário, ter-se-ia o órgão julgador como responsável pela gestão da investigação, o que é francamente inadmissível. Haveria, nesse cenário, contrariedade a dispositivos da Constituição Federal, especialmente pela usurpação de atribuições institucionais das demais funções essenciais à justiça.
Em segundo lugar, pelo próprio ordenamento jurídico enunciar a solução a ser adotada quando a prisão preventiva (ainda que presentes seus fundamentos legais) revelar-se desproporcional: a substituição pelas medidas dispostas no artigo 319 do Código de Processo Penal.
Ao cabo, encampou-se raciocínio próprio do direito processual civil (quanto à existência de um poder geral de cautela), o que é inaceitável pela profunda distinção dos sistemas que regem ambos os processos e, muito especialmente, por afrontar o princípio da legalidade. E busca-se sustentar esse tipo de decisão numa suposta situação mais favorável ao investigado. Assim, com esse tipo de atuação pelo Poder Judiciário, ganha ainda mais relevo a pergunta: “quem nos salva da bondade dos bons?” [5]

NOTAS

1 STF, HC 118.580 MC, Relatora: Min. CÁRMEN LÚCIA, Decisão Proferida pelo Ministro CELSO DE MELLO, julgado em 09/07/2013, DJe-148 DIVULG 31/07/2013 PUBLIC 01/08/2013.
2 LOPES JR., A. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, v. II, p. 124.
3 Ibidem.
4 COUTINHO, J.N.M. Sistema acusatório : cada parte no lugar constitucionalmente demarcado. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 46, n. 183, p. 103-115, jul./set. 2009.
5 MARQUES NETO, A. R. O Poder Judiciário na Perspectiva da Sociedade Democrática: O Juiz Cidadão. Revista ANAMATRA, São Paulo, n. 21, p. 30-50, 1994.


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT)

HIRECHE, Gamil Föppel El; FONSECA, Alan Siraisi. Decretação ex officio de prisão temporária é manifestamente ilegalRevista Jus Navigandi, Teresina, ano 21n. 46659 abr. 2016. Disponível em: . Acesso em: 11 abr. 2016.



Juiz determina cumprimento de pena para réus que aguardam recurso

апреля 11, 2016 9:37, by POLÍTICA CIDADANIA E DIGNIDADE

AMPARADO PELO STF



Utilizando a jurisprudência estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal que passou a permitir o cumprimento de pena antes do trânsito em julgado, o juiz da 3ª Vara Criminal de Brasília, a pedido do Ministério Público do Distrito Federal, autorizou a prisão de quatro condenados na operação tentáculo. Eles aguardavam resultado de recursos a tribunais superiores contra as condenações de primeira instância, confirmadas em grau de apelação.
Para o juiz da 3ª Vara Criminal, o novo entendimento do STF constitui avanço interpretativo que deve ser prestigiado. De acordo com o magistrado, “os condenados apresentam extensa folha penal, com condenações por crimes tributários e associação criminosa”. Além disso, segundo o juiz, “os recursos especial e o extraordinário, pela natureza excepcional, não se prestam à revisão de aspectos fático-probatórios nem possuem efeito suspensivo. Portanto, não obstam o início da execução provisória da pena”.
A operação tentáculo, da Polícia Civil do Distrito Federal, foi responsável por identificar quadrilha composta de servidores públicos, contadores e empresas, acusados de causar mais de R$ 50 milhões de prejuízo ao erário. O golpe era aplicado durante as auditagens de empresas que estavam em situação irregular com o Fisco. Os integrantes da quadrilha corrompiam e extorquiam os empresários em troca da obrigatoriedade de pagamento das multas. O percentual exigido pelos fraudadores chegava a 20% do valor da multa. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-DF.
Processos 2005.01.1.000629-7; 2005.01.1.058350-7; 2005.01.1.064173-9
Revista Consultor Jurídico



Juiz natural, devido processo legal e processo de impeachment

апреля 11, 2016 9:35, by POLÍTICA CIDADANIA E DIGNIDADE

OBSERVATÓRIO CONSTITUCIONAL



No presente texto, discutiremos o seguinte argumento: o direito subjetivo público, tanto dos deputados quanto do presidente da República, de não participação (no caso dos parlamentares, deputados ou senadores) ou de não submissão (no caso do presidente da República) a um processo de impeachment que não observe o due process of law. A hipótese poderia até soar óbvia, mas, no atual momento político de crise, não nos parece.

Daí que uma preocupação, em particular, embora já discutida na ADPF 378, mereça redobrada atenção e, mais do que isso, voltar à pauta do Supremo Tribunal Federal: o princípio do juiz natural e o direito subjetivo público ao devido processo constitucional do impeachment, já que, à luz dos elementos semânticos estruturantes da crise, tanto o Congresso Nacional quanto o Poder Judiciário podem terminar cooptados por sua lógica do tudo ou nada e, assim, deixarem de valorar em toda a sua plenitude garantias constitucionais inerentes aos princípios constitucionais regentes do processo deimpeachment, o que afetaria a própria Constituição, a garantia dos direitos fundamentais e a democracia.
Nesse sentido, parece-nos bastante acertado o pressuposto assumido pelo ministro Fachin, em seu voto na ADPF 378, de que o impeachmentconsubstancia “meio de concretização dos ideais democráticos, cuja materialização passa, necessariamente, pelo desenvolvimento de procedimentos justos que observem as garantias constitucionais dos litigantes”, de modo que o chefe do Poder Executivo não seja submetido a julgamento arbitrário.
Essa premissa, não seria demasiado assinalar, já foi debatida pela doutrina[1], que hoje reconhece sem muita divergência a natureza político-jurídica (ou mista) do processo do impeachment[2], além de sua característica peculiar por ser um processo complexo, que se desenvolve em duas fases (uma na Câmara, outra no Senado). O STF, por sua vez, teve oportunidade de decidir casos concretos em que acolheu a tese doutrinariamente prevalecente, segundo a qual o impeachment é processo de natureza mista. Mais do que isso, o STF deixou claro, ao julgar entre outras ações o MS 21.623, o MS 20.941 e a ADPF 378, que os atos e as decisões proferidas no âmbito do processo de impeachment sujeitam-se ao controle jurisdicional, quando digam respeito às garantias do due process of law.
due process of law tem uma dimensão processual, isto é, enquanto garantia dos sujeitos de uma relação processual, que, segundo Gilmar Mendes[3], constitui uma das mais relevantes garantias constitucionais, assumindo inigualável amplitude e desdobrando-se em diversas outras, tais como: direito ao contraditório e à ampla defesa; direito a não ser processado e não ser condenado com base em prova ilícita; direito a não ser preso senão por determinação de autoridade legalmente competente; e, em especial, o direito ao juiz natural.
Quanto ao princípio do juiz natural, para o referido constitucionalista[4], tal norma de proteção constitucional aplica-se de modo abrangente a toda atividade jurisdicional, do que, naturalmente, deflui sua inequívoca aplicabilidade ao processo de impeachment.
Tanto que, na ADPF 378, o tema foi analisado em parte (e, ressaltamos, apenas em parte). O requerente argumentou que a ausência de imparcialidade do juiz presidente da Câmara seria “objetivamente aferível”, visto que o presidente Eduardo Cunha “é alvo de representação pelo cometimento de falta ética”. O ministro Fachin, no que foi seguido pelos demais, inclusive pelo ministro Barroso (relator para o acórdão), entendeu que a imparcialidade do juiz, típica de processos norteados pelo convencimento jurídico e corolário do due process of law, não teria o mesmo grau de concretização do processo judicial, quando se estivesse no âmbito do processo de impeachment (“não podem ser simplesmente transportadas ao plano de processos político-jurídicos”). Logo, seriam naturais divergências e convergências cuja explicação se atrelaria a posturas assumidas no plano ideológico-político.
Porém, a questão não se restringe apenas à imprecisa noção de uma imparcialidade, cuja análise foi empreendida pelos ministros com a conclusão de que não restaria violada no processo em face da peculiar natureza político-jurídica do impeachment. A questão é de resguardar o devido processo constitucional do impeachment em face do princípio do juiz natural, cujo fundamento está previsto no artigo 5º, XXXVII e LIII, da Constituição Federal, o qual constitui uma garantia ainda mais ampla do que a imparcialidade.
Por conseguinte, a questão normativa ora analisada não consiste tão-somente na análise de eventual inclinação político-ideológica e/ou filiação partidária e seus respectivos consectários no campo das ideias e opiniões, o que, sendo típico do foro parlamentar, afastaria por completo qualquer hipótese de aplicação da imparcialidade nos mesmos moldes que no processo judicial, conforme decidiu o STF, ressalvada apenas a previsão de impedimento, contida no artigo 36 da Lei do Impeachment.
Não se cuida, pois, apenas de divergência política ou partidária. Porque, se assim o fosse, o STF estaria julgando a Constituição Federal de acordo com a Lei 1.079, quando, na verdade, consoante oportunamente observado por Bruno Galindo[5], a hermenêutica jurídica impõe a necessária realização do filtro constitucional para que a Lei do Impeachment é que seja interpretada conforme a Constituição, e não o contrário.
Para muito além dessa dimensão, o princípio do juiz natural tem pertinência com o legítimo desenvolvimento do processo de impeachment e dos procedimentos a serem definidos e executados, cujo não atendimento pode acarretar a alteração no resultado final do julgamento, ao afetar os atores envolvidos com o elemento surpresa em nítida contrariedade ao princípio da segurança jurídica e da não surpresa.
Embora já apreciado em parte na ADPF 378, como dissemos acima, a parcialidade tolerada no âmbito do processo constitucional do impeachment, decorrente da opção política dos constituintes de 1987-1988, não se confunde com o princípio do juiz natural, que, em sua estrutura normativa, visa a assegurar que os atos e procedimento de um processo de julgamento não se sujeitem à discricionariedade e à subjetividade do julgador, havendo a possibilidade de interferência direta e/ou indireta em regras que deveriam ser predefinidas e previamente divulgadas, como condição de legitimidade do próprio procedimento.
Diferente do que vem sendo mais insistentemente enfatizado nos diversos foros, não argumentamos que o eixo do problema gira em torno da falta da autoridade moral ou ética do Parlamento para julgar o impeachment. O ponto nodal, em nossa percepção, é que, sendo o impeachment um processo político-jurídico, está sim submetido aos princípios constitucionais e, por consequência, não pode haver tergiversação sobre a aplicação das garantias estabelecidas na Constituição. Porque, a aceitar-se incondicionalmente o argumento do STF de que a garantia da imparcialidade não se aplicaria ao processo, visto que o impeachment não seria regido pela “lógica da lei”, se estaria, por consequência, a negar sua natureza mista, afirmando-se, ao revés, sua natureza unicamente política.
O presidente da Câmara assume a condição de juiz presidente de um processo constitucional complexo, que integra a primeira fase doimpeachment, cujo processamento terá curso na Câmara dos Deputados. Destarte, é inegável reconhecermos que o atual presidente da Câmara, na condição de juiz constitucional da presidente da República, com poderes discricionários para definir a forma e o tempo de atos e procedimentos que poderão influenciar no resultado final do julgamento, não reúne, minimamente, os requisitos constitucionais para presidir e conduzir legítima e regularmente o processo constitucional do impeachment, no que tange ao princípio constitucional do juiz natural. Se não, vejamos.
Primeiro, o juiz presidente da Câmara reteve a apreciação do atual pedido de impeachment por longos meses e, como é fato notório, somente resolveu dar-lhe seguimento, por culpar a presidente da República e seu partido, por eventual conivência com a votação na Comissão de Ética da Câmara, que autorizou o início do processo de cassação contra si naquela Casa. Sua conduta foi objeto de mandado de segurança impetrado perante o STF (MS 33.921, relator ministro Gilmar Mendes), ao argumento de que o recebimento da denúncia teria configurado ato de desvio de poder e de finalidade.
Segundo, o juiz presidente da Câmara, ao perceber que a indicação pelas lideranças partidárias dos membros da Comissão de Impeachment poderia revelar uma composição “favorável” à presidente da República, decidiu mudar o critério aplicado — no momento exato da deliberação — para serem admitidas candidaturas avulsas por qualquer um dos deputados. Tal fato, é sabido, foi contestado na ADPF 378, e o STF determinou a dissolução da comissão então composta de candidaturas avulsas, bem como a formação de uma nova atendendo-se ao disposto no artigo 58, caput e parágrafo 1º, da Constituição Federal.
Terceiro, o próprio pressuposto de configuração da existência do crime de responsabilidade, que autoriza a admissão do processo de impeachment, tem sido objeto de calorosos embates por parte dos juristas, o que revela sua fragilidade e, pior do que isso, o uso e abuso das formas jurídicas e constitucionais para justificar uma atuação política (voltada a atender certos interesses privados e partidários)[6]. Tal polêmica só vem a mostrar que a imparcialidade do juiz presidente da Câmara é questionável.
Quarto, a designação de sessões “extraordinárias”, nas segundas e sextas, além do indicativo de designá-las para os sábados e domingos, dias em que tradicionalmente não há sessões no Congresso, o que, na prática, acarreta o encurtamento do prazo de defesa da presidente da República. Ademais, impacta sensivelmente no tempo do processo, o que na leitura do juiz presidente seria favorável à deposição da presidente da República, considerando-se a existência de opinião pública prevalente aparentemente favorável ao impedimento dela. Ainda nesse delicado tópico, consoante noticiado dias atrás (7 de abril de 2016), o juiz presidente anunciou que as regras de julgamento só na hora da votação do impeachment é que serão divulgadas e conhecidas, conduta essa que, caso venha a se concretizar, representaria violação à segurança jurídica e ao devido processo legal.
Quinto, a definição de uma ordem de chamada dos deputados na ocasião do julgamento pelo plenário da Câmara dos Deputados, de modo que se colheriam primeiro os votos favoráveis ao impeachment, constrangendo potencialmente os deputados a ele contrários, os quais seriam os últimos a votarem, o que mostra inexistir por parte do juiz presidente da Câmara compromisso algum com as garantias processuais da Constituição. Ou seja, está-se diante de uma situação em que, de modo cuidadosamente calculado, o juiz presidente pretende construir um processo de votação em plenário para favorecer a decisão pela aprovação do impeachment.
Sexto, o pedido de afastamento do juiz presidente de suas funções não só como presidente da Câmara dos Deputados como também do mandato de deputado federal, consoante solicitado pelo procurador-geral da República quando da proposição da denúncia no inquérito criminal contra o deputado Eduardo Cunha. Ainda que o STF não tenha apreciado esse requerimento do PGR, é fato que não podem ser minorados ou ignorados os diversos indiciamentos contra ele existentes, no que tange à caracterização do juiz neutro e imparcial, tal qual está a exigir o princípio constitucional do juiz natural. Ademais, há diversos inquéritos contra ele tramitando no STF sob a acusação de diversas práticas ilícitas, o que, no mínimo, compromete a moralidade e a neutralidade do julgamento de um dos processos mais sensíveis da história constitucional do país.
Aprendemos com Friedrich Müller que o momento de concretização da norma constitucional consuma-se no instante de sua efetiva aplicação diante do caso concreto. Se, como analisado pelos ministros do STF na ADPF 378, a imparcialidade exigida para o juiz togado não se aplica automaticamente e no mesmo grau de concretização do processo político-jurídico doimpeachment, não resta a menor dúvida de que, à luz da constelação fática configurada, o único juízo constitucionalmente adequado, sob pena de frustrar-se a concretização do princípio do due process of law, além de negar a natureza mista do impeachment, é afastar o atual presidente da Câmara da condução do processo, porquanto a legitimidade também decorre do procedimento.
Tais circunstâncias, por força de expressa disposição constitucional, tornam inviável que ele exerça as atribuições institucionais de juiz presidente da Câmara no processo de impeachment. Conforme dito, deve subsistir íntegro o direito subjetivo público de qualquer parlamentar de suspender o trâmite do processo de impeachment por violação ao devido processo legal, enquanto o atual presidente da Câmara não for afastado dessa função, bem como da presidente da República de não se submeter ao referido processo.
Esse aspecto, convém enfatizarmos, que é elementar e não pode ser ignorado sobretudo nos tempos de crise, porque é exatamente do rigoroso cumprimento aos postulados constitucionais que dependerá não a manutenção da atual presidente da República e dos demais que virão, mas a permanência das nossas instituições democráticas e da própria Constituição.
Inversamente, porque atravessamos uma crise política sem precedentes, que se convolaria em crise constitucional, é que alguns têm achado que, não obstante alguns desvios e violações pontuais, a crise (pautada na lógica dualista) justificaria tais medidas extremas[7]. Essa é a crise da crise, que para além da presidente, atingirá a Presidência, a instituição, a democracia e a Constituição.
A ideia, portanto, de respeito às normas constitucionais parte do pressuposto de que, sem o respeito ao devido processo constitucional doimpeachment, o que inclui a observância ao princípio do juiz natural do due process of law, cujo significado prático é exigir a previsibilidade da forma e do tempo dos atos e dos procedimentos de modo a assegurar segurança jurídica e a legitimidade do impeachment, não se terá como assegurar a aceitabilidade jurídico-política de eventual decisão, atingindo-se o coração do Estado Democrático de Direito.
***
*Agradeço aos amigos do Grupo de Pesquisa REC – Recife Estudos Constitucionais (CNPq), com quem pude discutir e desenvolver muitos dos argumentos aqui expostos.
Esta coluna é produzida pelos membros do Conselho Editorial do Observatório da Jurisdição Constitucional (OJC), do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Acesse o portal do OJC (www.idp.edu.br/observatorio).

[1] A propósito, veja a clássica obra de Paulo Brossard: PINTO, Paulo Brossard de Souza. Impeachment. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1965, p. 71-83.
[2] Cf. GALINDO, Bruno. Impeachment: à luz do constitucionalismo contemporâneo. Curitiba: Juruá, 2016, p. 62 e ss.
[3] Cf. MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires & BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 602-603.
[4] Idem, p. 545.
[5] GALINDO, Bruno. Op. cit., p. 56.
[6] Uma análise precisa e bem elaborada sobre esse tópico foi desenvolvida por: ARAÚJO, Marcelo Labanca Corrêa de & ROMAN, Flavio José.Impeachment é Golpe de Estado? Disponível em:http://jota.uol.com.br/impeachment-e-golpe-de-estado [4/4/2016].
[7] Dentre outras, veicula-se a possibilidade de edição de emenda à Constituição Federal com a finalidade de convocar eleições gerais para o Brasil.
 é procurador do estado de Pernambuco, doutor em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB)/Università degli Studi di Firenze.

Revista Consultor Jurídico



Proteção à imagem se aplica só ao indivíduo, não aos seus bens

апреля 11, 2016 9:34, by POLÍTICA CIDADANIA E DIGNIDADE

DIREITO PERSONALÍSSIMO




A proteção à intimidade e imagem, prevista no artigo 5º da Constituição, se restringe à pessoa e não se estende aos seus bens. Assim, divulgar a placa de um carro, embora possa remeter ao proprietário, não viola nenhum atributo de personalidade. O entendimento levou a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a derrubar sentença que condenou uma montadora a pagar R$ 7,8 mil a um casal que teve a placa de sua camionete divulgada em um comercial.
O fabricante explicou que a filmagem do veículo, para promover a venda daquele modelo, foi feita antes da venda aos autores, que o adquiriram de uma concessionária no interior gaúcho. Portanto, na época, era o legítimo dono do veículo, podendo decidir o momento certo para divulgar o comercial.
O juízo de origem, entretanto, viu violação do direito de personalidade dos autores. Entendeu que, após concretizada a venda, a montadora não podia divulgar a imagem de um bem que já não integrava mais o seu patrimônio. Deste modo, era necessário o consentimento dos atuais proprietários.
"Frisa-se que o fato da requerida ter sido a proprietária do bem não lhe dá direito de usar da imagem deste quando bem entender. Ainda, embora a parte ré alegue que os números das placas dos automóveis não são dados sigilosos, importa ressaltar que estes pertencem à identificação do veículo e, consequentemente, vinculam ao seu proprietário", registrou a sentença.
Sem atributos
Ao acolher a Apelação da montadora, o desembargador Túlio de Oliveira Martins, relator, observou que o indivíduo é o titular da proteção legal, pois a imagem das coisas não tem relevância jurídica. E mais: ainda que a placa identifique o proprietário do veículo, sua imagem  não é uma expressão de personalidade, face à  ausência de características físicas ou de conduta social — atributos próprios de pessoas.

"A mera aparição do bem na mídia não é capaz de atingir a honra do demandante [o casal que ajuizou a ação indenizatória] a ponto de restar configurado o dano moral passível de indenização. Pelo contrário, é possível que alguém se interesse pelo carro justamente por ele ter sido exibido em campanha publicitária, o que seria favorável ao atual dono’’, escreveu no voto. O acórdão foi lavrado na sessão de 17 de março.
Clique aqui para ler o acórdão modificado.
 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.

Revista Consultor Jurídico



O interrogatório no procedimento da Lei de Drogas a partir do julgamento no STF do Habeas Corpus 127.900

апреля 11, 2016 9:32, by POLÍTICA CIDADANIA E DIGNIDADE

No Processo Penal, cujo conteúdo difere substancialmente do Processo Civil, o prejuízo decorrente da inobservância do rito deve ser presumido e não provado pela defesa.
Finalmente, na sessão do último dia 03 de março,  de 2016, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, decidiu que se aplica ao processo penal militar a exigência de realização do interrogatório do réu ao final da instrução criminal, conforme previsto no art. 400 do Código de Processo Penal (Habeas Corpus nº. 127900). Em seu voto, o relator, Ministro Dias Toffoli, reafirmou jurisprudência da Primeira Turma no que diz respeito à aplicação de dispositivos do Código de Processo Penal mais favoráveis ao réu, garantindo o direito ao contraditório e à ampla defesa. 
Nesse sentido, propôs modulação de efeitos da decisão para que seja aplicado o interrogatório ao final da instrução criminal aos processos militares ainda em fase de instrução, a partir da data da publicação da ata do julgamento. 
Com esta decisão, agora definitiva, ainda que em sede de controle difuso, parece-nos que inevitavelmente este mesmo entendimento deverá prevalecer também relativamente à Lei nº. 11.343/06 - Lei de Drogas.                        
Não faz sentido, obviamente, aplicar-se o art. 400 do Código de Processo Penal (relativo ao procedimento comum ordinário) ao procedimento especial previsto no Código de Processo Penal Militar e não se aplicar ao rito especial da Lei de Drogas, mesmo porque a modificação operada em 2008 deu-se exatamente em razão da natureza do interrogatório que é, sobretudo, um ato de defesa, momento em que o acusado, diante do Juiz, dará a sua versão, podendo calar, mentir, chorar, sorrir, gritar, etc. É o instante processual tipicamente reservado para a sua autodefesa que, ao lado da defesa técnica, completará a ampla defesa.
Aliás, o Código de Processo Penal italiano, nos seus arts. 64 (Regole generali per l´interrogatorio) e 65 (Interrogatorio nel merito), deixa claro ser interrogatório um meio de defesa, pois, salvo em caso de prisão cautelar, “la persona sottoposta alle indagini (…) interviene libera all’interrogatorio”. Ademais, antes de iniciar o interrogatório, o imputado será advertido de seu direito “di non rispondere ad  alcuna domanda”, excetuando-se os dados de mera identificação, devendo a autoridade judicial informar ao interrogado a respeito dos elementos de prova que pesam sobre ele, bem como as respectivas fontes, salvo “se non puó derivarne pregiudizio per le indagini”; em seguida o Juiz, “invita la persona ad esporre quanto ritiene utile per la sua difesa e le pone direttamente domande.”
Muito a propósito também, a lição de Germano Marques da Silva para quem “a lei reserva ao arguido, para por ele serem exercidos pessoalmente, certos actos de defesa. É o que acontece, nomeadamente, com o seu interrogatório, quando detido, quer se trate do primeiro interrogatório judicial, quer de interrogado por parte do Ministério Público, do direito de ser interrogado na fase da instrução, das declarações sobre os factos da acusação no decurso da audiência e depois de findas as alegações e antes de encerrada a audiência”.[1]
O interrogatório não pode ser considerado, tão somente, como meio de prova, nada obstante estar disciplinado no Capítulo III, do Título VII do Código de Processo Penal. Adepto desta tese, Ferrajoli entende que o interrogatório é o melhor paradigma de distinção entre o sistema inquisitivo e o acusatório, pois naquele o interrogatório representava “el comienzo de la guerra forense, el primer ataque del fiscal contra el reo para obtener de él, por cualquier medio, la confesión”. Contrariamente, no processo acusatório/garantista “informado por la presunción de inocencia, el interrogatorio es el principal medio de defensa y tiene la única función de dar materialmente vida al juicio contradictorio y permitir al imputado refutar la acusación o aducir argumentos para justificarse“.[2]
Igualmente na Justiça Eleitoral, o Supremo Tribunal Federal determinou a realização do interrogatório por último. A decisão foi tomada no julgamento do Habeas Corpus nº. 107795. Para o relator, Ministro Celso de Mello, a instrução processual feita pelo Juízo da Zona Eleitoral “feriu o princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório, uma vez que tomou como base os procedimentos previstos no Código Eleitoral, em detrimento daqueles presentes na nova redação dada ao Código de Processo Penal, este último mais favorável ao réu. A nova redação conferida pela Lei nº. 11.719/2008 aos arts. 396 e 396-A do Código do Processo Penal  configura-se mais benéfica aos réus, uma vez que instituiu a fase preliminar ao interrogatório, conferindo ao acusado a possibilidade de apresentar por escrito um contraditório prévio, em que pode invocar todas as razões de defesa, de natureza formal ou material, assim como produzir documentos, especificar provas e propor testemunhas. A nova ordem ritual definida nos artigos 396 e 396-A do Código do Processo Penal, na redação dada pela Lei 11.719/2008, revela-se evidentemente mais favorável que a disciplina procedimental resultante do próprio Código Eleitoral. A própria Suprema Corte, em sucessivas decisões, já reconheceu que a inobservância do contraditório prévio previsto no novo Código do Processo Penal constitui causa de nulidade processual absoluta. O interrogatório, de acordo com a nova redação dada ao artigo 400 do Código do Processo Penal, passou a ser o último ato da fase de instrução probatória de um processo penal. É mais benéfico à defesa possibilitar que o réu seja interrogado ao final da instrução, depois de ouvidas as testemunhas arroladas, bem como após a produção de outras provas como eventuais perícias. O acusado terá a oportunidade de esclarecer divergências que não raramente afloram durante a edificação do conjunto probatório”.
Assim também entende a Suprema Corte em relação ao rito previsto na Lei nº. 8.038/90 (para as ações penais originárias). Veja, por exemplo, a Ação Penal nº. 528, onde ficou consignado “que o interrogatório é um instrumento de defesa do réu e, portanto, deve ser colocado ao final” (…), sendo “relevante constatar que se a nova redação do artigo 400, do Código de Processo Penal, possibilita ao réu exercer de modo mais eficaz a sua defesa, tal dispositivo legal deve suplantar o estatuído no artigo 7º., da Lei nº. 8.038/90, em homenagem aos princípios constitucionais que são aplicáveis à espécie.” Quanto à discussão sobre o aspecto formal, o relator entendeu que o fato de a Lei nº. 8038/90 ser norma especial em relação ao Código de Processo Penal, “em nada influencia o que até aqui se assentou”. “É que, a meu sentir, a norma especial prevalece sobre a geral apenas nas hipóteses em que estiver presente alguma incompatibilidade manifesta insuperável entre elas, nos demais casos, considerando a sempre necessária aplicação sistemática do direito, cumpre cuidar para que essas normas aparentemente antagônicas convivam harmonicamente”. 
Ora, se este raciocínio é válido para a Lei nº. 8.038/90, com muito mais razão deve ser observado para a Lei nº. 11.343/06, já que se trata de um procedimento de primeiro grau.     Portanto, é preciso que seja observado nos processos relativos a Drogas o disposto no art. 400 do Código de Processo Penal. A falta de atendimento de uma destas exigências acarretará a nulidade do processo a partir da atipicidade do ato que deveria ser praticado, obedecendo-se à Teoria dei frutti ell`albero avvelenato.
Saliente-se que tal questão não é “meramente procedimental” como se costuma, depreciativamente e de forma covarde e simplista, afirmar-se em algumas decisões judiciais (muitas vezes para fugir da responsabilidade de enfrentamento da matéria suscitada) que ainda teimam em invocar uma nociva “instrumentalidade do processo” para relativizar o rito processual em detrimento da garantia que ele representa para o acusado no processo penal.
Aliás, Calmon de Passos, há quase duas décadas, já desvelava esta farsa, afirmando que “falar-se em instrumentalidade do processo é incorrer-se, mesmo que inconsciente e involuntariamente, em um equívoco de graves consequências, porque indutor do falso e perigoso entendimento de que é possível dissociar-se o ser do direito do dizer sobre o direito, o ser do direito do processo de sua produção, o direito material do direito processual.” Para ele, a instrumentalidade foi uma resposta dada “para o problema do sufoco em que vive o Poder Judiciário, dado o inadequado, antidemocrático e burocratizante modelo de sua institucionalização constitucional. A pergunta que cumpria fosse feita – quais as causas reais dessa crise – jamais foi formulada. E a resposta foi dada pela palavra mágica da ‘instrumentalidade’, a que se casaram outras palavras mágicas – ‘celeridade’, ‘efetividade’, ‘deformalização’ etc. E assim, de palavra mágica em palavra mágica, ingressamos num processo de produção do direito que corre o risco de se tornar pura prestidigitação. Não nos esqueçamos, entretanto, que todo espetáculo de mágica tem um tempo de duração e a hora do desencantamento“[3]
Pois que, desgraçadamente, até hoje como nunca antes, despreza-se a forma com argumentos utilitaristas, eficientistas e consequencialistas, como se um procedimento em matéria penal fosse apenas um “simples detalhe”, um arremate, digamos assim…, perfeitamente dispensável, esquecendo-se que a sua observância é, sobretudo, uma garantia que o acusado será processado, julgado e (se for o caso) condenado sob o manto do devido processo legal, sem manipulações de qualquer natureza.
(Veja-se, por exemplo, o recente episódio dos documentos enviados desde a Suiça para o processo da chamada Operação Lava-Jato, quando não se observou o procedimento devido, fato ignorado pelo Juiz da respectiva ação penal. Na decisão, o Tribunal Federal Penal da Suíça deixou consignado que: “Face às circunstâncias do caso atual, pode até ser lícito transmitir a mera informação de caráter sigiloso, no âmbito do processo rogatório ativo. Porém, o fornecimento de provas caracteriza uma forma da “entraide sauvage” repudiada. O apelo presente mostra – se, assim, consubstanciado e justificado quanto a este item. Através de seu procedimento, o Apelado privou o Apelante do direito de se pronunciar, quanto à transmissão de seus documentos bancários, ao decorrer do processo rogatório. Uma aprovação de tal procedimento impediria a possibilidade de uma avaliação judicial da transmissão efetuada dos documentos bancários e inviabilizaria a proteção jurídica individual, prevista, contudo, no direito rogatório.” O Tribunal Suiço reconheceu que “a disponibilização de documentos bancários aos órgãos judiciais penais brasileiros resultou ilegal” e que houve “uma transmissão espontânea de provas e informações de forma ilegal.”[4] Nada obstante, o procedimento continua em trâmite, como se tivesse ocorrido apenas uma mera irregularidade. Mas, como se diz também, o processo é uma marcha adiante…
Toda relativização nesta seara deve ser denunciada, pois incorrerá em flagrante inconstitucionalidade, não havendo que se cogitar em aplicação do (inaplicável) art. 563 do Código de Processo Penal, onde se consagra o Princípio do Prejuízo ou do Pas de Nullité Sans Grief, expressão pernóstica cunhada pela doutrina francesa e estabelecida normativamente pelo Direito francês (apesar de ser um Princípio de Direito mais antigo do que os meus antepassados mais remotos).
No Processo Penal, cujo conteúdo difere substancialmente do Processo Civil[5], o prejuízo decorrente da inobservância do rito deve ser presumido e não provado pela defesa (isso é de uma obviedade…). Aliás, como ensina Cordero ao estudar a etimologia da palavra “rito”, ela surge a partir de “palabras que traen a la mente la idea de evolución o desarrollo conforme a lo prescrito en cuanto a la forma, y de consecuencia o de tiempo“.[6]

NOTAS E REFERÊNCIAS:

[1] SILVA, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, 3ª. ed., Lisboa: Verbo, vol. I, p. 288.
[2] FERRAJOLI, Luigi, Derecho y Razón, 3ª. ed., Madrid: Trotta, 1998, p. 607.
[3] CALMON DE PASSOS, José Joaquim, Instrumentalidade do Processo e Devido Processo Legal, Revista de Processo, nº. 102, Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, páginas 55 e seguintes.
[4] http://s.conjur.com.br/dl/decisao-suica-provas-enviadas1.pdf. Em inglês: http://s.conjur.com.br/dl/decisao-suica-provas-enviadas.pdf 
[5] A propósito, é preciso ler e reler o clássico “A Lide e o Conteúdo do Processo Penal”, de Jacinto Nelson Miranda Coutinho, Curitiba: Juruá, 1998.
[6] CORDERO, Franco, Procedimiento Penal, Tomo I, Colombia: Editorial Temis S/A, 2000, p. 6. 


Autor

  • Rômulo de Andrade Moreira

    Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos do Ministério Público do Estado da Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador - UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador - UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG) e IELF (SP). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.



Fases da prisão em flagrante: iter prisiones

апреля 11, 2016 9:31, by POLÍTICA CIDADANIA E DIGNIDADE

A prisão em flagrante, diferentemente do que possa parecer, não se exaure em um único momento, podendo ser dividida em fases cronologicamente necessárias para a sua perfeita concretização. E isso significa que a pessoa capturada não está, de fato, presa.
A prisão em flagrante, diferentemente do que possa parecer, não se exaure em um único momento, podendo ser dividida em fases cronologicamente necessárias para a sua perfeita concretização. Isso significa que a pessoa capturada ou detida em estado flagrancial não está, de fato, presa. Por mais que nesses casos exista uma restrição aos direitos da pessoa detida, a segregação efetiva da sua liberdade de locomoção, que se concretiza com o recolhimento ao cárcere, só acontecerá após decreto fundamentado do delegado de polícia, que é a autoridade com atribuição constitucional e convencional[1] para análise dos fatos.
E não poderia ser diferente, uma vez que o nosso ordenamento jurídico permite que qualquer pessoa do povo prenda[2] o sujeito surpreendido em flagrante delito (Flagrante Facultativo), sendo dever dos policiais agirem nessas situações (Flagrante Obrigatório)[3]. Não obstante, é cediço que o cidadão comum e a grande maioria dos agentes policiais não possuem, em regra, formação jurídica, razão pela qual, não estão aptos a analisar o conceito de crime e as hipóteses flagranciais previstas no artigo 302, do Código de Processo Penal. Essa missão, conforme já destacamos, é de atribuição do delegado de polícia.
Feitas essas considerações, destacamos que a doutrina se divide em relação às fases que constituem a prisão em flagrante. Para Renato Brasileiro, por exemplo, a prisão em flagrante se inicia com a captura, seguida de condução coercitiva à presença da autoridade e posterior comunicação da prisão ao juiz.[4] Já Edilson Mougenot, identifica três momentos distintos da prisão em flagrante, que, segundo o autor, se inicia com a captura da pessoa encontrada em situação de flagrância, seguida da lavratura do auto pela autoridade competente e se encerra com o recolhimento do conduzido ao cárcere[5] (custódia).
O objetivo desse artigo é estabelecer a nossa visão acerca das fases da prisão em flagrante, que representam todo o iter que deve ser necessariamente percorrido para o seu aperfeiçoamento, senão vejamos.

1ª FASE: PRISÃO-CAPTURA

Conforme já consignado, esta primeira fase da prisão em flagrante pode ser realizada por policiais ou qualquer um do povo. Trata-se da detenção do indivíduo que acabou de cometer um crime, não importando a natureza da infração (se de menor potencial ofensivo ou não), nem as qualidades do agente (imputável ou inimputável). O objetivo principal da prisão-captura é proteger o bem jurídico que está sendo lesado com a conduta criminosa, impedindo, assim, a consumação da infração e assegurando a identificação de sua autoria, bem como das fontes iniciais de prova.
Mister destacar, nesse ponto, que, nos termos do artigo 5°, inciso LXIII, da Constituição da República, o preso deve ser informado sobre os seus direitos, entre os quais, o de permanecer calado. Assim, o responsável pela primeira fase da prisão em flagrante do criminoso, geralmente um policial, deve cientificá-lo acerca de seus direitos constitucionais, especialmente sobre o seu direito de permanecer em silêncio para não produzir nenhuma prova prejudicial à defesa. Caso opte por se manifestar no momento de sua prisão, abrindo mão do seu direito ao silêncio, tudo que disser poderá ser utilizado como prova por meio do depoimento do policial que o deteve, inclusive porque, na qualidade de funcionário público, suas afirmações gozam de relativa presunção de veracidade.
Não podemos olvidar que a prisão-captura não é o momento adequado para a realização do interrogatório do suspeito, principalmente porque se trata de um meio de defesa, que, naturalmente, deve ser fruto de reflexão e, se possível, efetivado com a assistência de um advogado. É o delegado de polícia, como o primeiro garantidor da legalidade e da justiça, a autoridade responsável pela formalização do interrogatório, devendo, nesse contexto, assegurar todos os direitos do preso.
O policial responsável pela prisão-captura não deve começar a interrogar o preso de maneira aleatória, pressionando-o ou intimidando-o. Nesse momento, cabe ao agente da lei efetuar somente a sua detenção e condução à Delegacia de Polícia. Apenas as diligências essenciais ao contexto criminoso devem ser efetivadas, como a identificação da vítima ou de testemunhas que presenciaram o fato.
É preciso ficar claro que o detido deve ser imediatamente conduzindo à Delegacia de Polícia, não sendo lícita a realização de outras diligências não essenciais ao fato criminoso. De modo ilustrativo, o delinquente preso em flagrante pelo crime de tráfico de drogas não pode ser conduzido até sua residência para que se verifique se existem mais drogas, armas, dinheiro ou outros objetos que demonstrem o seu envolvimento com o tráfico. Tais diligências devem ser realizadas posteriormente pela Polícia Judiciária, responsável pela perfeita apuração dos fatos. No exemplo em questão, caberia ao delegado de polícia representar pela concessão do mandado de busca e apreensão à casa do suspeito, sendo que eventual resultado positivo do procedimento subsidiaria ainda mais a materialidade delitiva da conduta.

2ª FASE: CONDUÇÃO COERCITIVA

Trata-se de um desdobramento natural da primeira fase (prisão-captura).  Sempre que uma pessoa estiver em situação de flagrância, ela poderá ser detida e conduzida até a Delegacia de Polícia, onde a autoridade policial analisará a legalidade da prisão. Destaca-se que, na lavratura do auto de prisão em flagrante, a pessoa responsável pela efetivação desta fase recebe o nome de “condutor”, mas, vale dizer, nem sempre o condutor será a mesma pessoa responsável pela prisão-captura. É o que ocorre, por exemplo, nos casos em que a própria vítima é responsável pela detenção do criminoso, sendo a Polícia Militar posteriormente acionada apenas para realizar a sua condução até o Distrito Policial.

3ª FASE: AUDIÊNCIA PRELIMINAR DE APRESENTAÇÃO E GARANTIAS

Esta etapa da prisão em flagrante concretiza a determinação constante no Pacto de São José da Costa Rica no sentido de que toda pessoa presa deve ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer, de maneira atípica, funções judiciais. Trata-se, sem dúvida, de uma garantia para o conduzido, representando um avanço do sistema pátrio, se comparado aos demais países, onde o preso chega a ser apresentado ao juiz até 48 horas após a sua captura.
Mesmo com a progressiva implementação da famigerada Audiência de Custódia, criada através da Resolução n°213/2015, do Conselho Nacional de Justiça, que determina a apresentação à autoridade judicial, em até 24 horas, de qualquer pessoa presa em flagrante delito, defendemos que a condução imediata do detido à Delegacia de Polícia constitui um avanço em termos de garantias fundamentais. Isto, pois, não raro, prisões-capturas não são ratificadas pelo delegado de polícia, seja por não restar demonstrado o estado flagrancial, seja por não haver indícios suficientes de autoria ou até por se tratar de fato atípico. Do mesmo modo, nos termos do artigo 322, do CPP, o preso poderá ser beneficiado com a liberdade provisória mediante fiança concedida pelo próprio delegado de polícia, assegurando, assim, a restituição imediata da sua liberdade, evitando, em casos menos graves, o seu recolhimento ao cárcere. Percebe-se, destarte, que o modelo brasileiro atende melhor aos interesses dos presos.
Assim como na Audiência de Custódia realizada no Fórum, na Delegacia de Polícia a autoridade de Polícia Judiciária também deve efetuar uma “Audiência Preliminar de Apresentação e Garantias”. Nota-se que o termo “preliminar” se deve ao fato de que nova audiência será posteriormente concretizada pela autoridade judicial.
É por meio dessa audiência que o delegado de polícia verifica se a prisão-captura do conduzido foi legal, se estavam presentes as hipóteses flagranciais do artigo 302, do CPP, se houve algum excesso por parte do responsável pela detenção e, sobretudo, se os fatos que lhe são apresentados constituem crime, devendo, para tanto, analisar todos institutos que repercutem na sua caracterização. Outrossim, esse é o momento do delegado de polícia, como primeiro garantidor da legalidade e da justiça, assegurar todos os direitos do preso, entre eles o de permanecer em silêncio, o de consultar-se com um advogado e o de comunicar sua prisão aos seus familiares ou outra pessoa por ele indicada.
Frente ao exposto, podemos concluir que essa etapa é essencial para a formação do convencimento do delegado de polícia acerca dos fatos que lhe são apresentados, ficando o decreto prisional e a consequente lavratura do auto de prisão em flagrante vinculados às informações coligidas durante a realização da audiência.

4ª FASE: LAVRATURA DO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE

Trata-se de uma fase da prisão em flagrante cuja atribuição é praticamente exclusiva do delegado de polícia. Caberá a esta autoridade atuar como um defensor dos direitos individuais das pessoas envolvidas na ocorrência, analisando a situação e, após efetivada Audiência Preliminar de Apresentação e Garantias, decidir, fundamentadamente, sobre a legalidade da prisão. Se após ouvir os envolvidos na referida audiência, a autoridade policial concluir que não é caso de prisão em flagrante, a pessoa conduzida será liberada apenas com a lavratura do boletim de ocorrência, que, nesses termos, funcionará como uma espécie de notitia criminis.  Consigne-se, ainda, que, em tese, o condutor ou o responsável pela captura poderão responder por eventuais abusos.
Salientamos acima que a lavratura do auto de prisão em flagrante é de atribuição praticamente exclusiva do delegado de polícia. Isso porque, excepcionalmente, o auto também poderá ser lavrado pelo juiz de Direito, quando a infração for cometida na sua presença e durante o exercício de suas funções. Contudo, esse exemplo é muito raro, uma vez que as autoridades judiciais acabam enviando o caso para a Delegacia de Polícia.
Merece destaque, outrossim, os casos que envolvem infrações de menor potencial ofensivo, pois, em tais situações, se o conduzido assinar o termo de compromisso previsto na Lei 9.099/95, não poderá ser lavrado o auto de prisão em flagrante, mas apenas um termo circunstanciado da ocorrência. Contudo, se ele se recusar, o auto deverá ser elaborado, haja vista que o TC é condicionado à assinatura do referido termo[6].
Tendo em vista que a prisão em flagrante resulta na restrição de um dos direitos fundamentais mais importantes da pessoa, qual seja, o direito à liberdade de locomoção, é imprescindível que os motivos e as circunstâncias da captura sejam documentados em um auto, devendo o delegado de polícia expor de maneira detida os fundamentos fáticos e jurídicos da sua decisão. Do mesmo modo, é no auto de prisão em flagrante que a autoridade policial deve analisar a possibilidade ou não de concessão de liberdade provisória mediante fiança em benefício do preso, nos termos dos artigos 322 e seguintes do CPP, representando, na mesma peça de polícia judiciária, pela adoção de alguma medida sujeita à cláusula de reserva de jurisdição, como a conversão do flagrante em prisão preventiva, por exemplo.

4ª FASE: RECOLHIMENTO AO CÁRCERE

Após a lavratura do auto de prisão em flagrante, não sendo possível a concessão de fiança pelo delegado de polícia ou, se concedida, o preso não tiver condições de pagá-la, o conduzido/indiciado será recolhido ao cárcere, onde ficará à disposição do Poder Judiciário.

5ª FASE: COMUNICAÇÃO DA PRISÃO AO JUIZ

Com o encerramento dos procedimentos de Polícia Judiciária, que documentam e legitimam a prisão em flagrante, o delegado de polícia deve enviar o auto no prazo máximo de 24 horas ao Poder Judiciário para que a legalidade de prisão seja novamente analisada, desta vez, pela autoridade judicial[7].
De acordo com a Lei 12.403/2011, ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente[8] relaxar a prisão (caso ela seja ilegal), converter o flagrante em prisão preventiva (caso estejam presentes os requisitos do art. 312, do CPP e não for conveniente a aplicação de outras medidas cautelares menos restritivas aos direitos individuais do preso) ou, ainda, conceder liberdade provisória, com ou sem a imposição de outra medida cautelar.
O artigo 306 da nova lei também determina a comunicação da prisão em flagrante ao Ministério Público, à família do autuado ou a qualquer outra pessoa por ele indicada. Da mesma forma, o dispositivo legal impõe o envio de cópia integral do auto à Defensoria Pública, caso o preso não informe o nome de seu advogado[9].
Por fim, em obediência ao princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, a lei determina a entrega de nota de culpa ao imputado dentro do prazo de 24 horas.

REFERÊNCIAS

BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 9ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
BORGES DE MENDONÇA, Andrey. Prisão e outras Medidas Cautelares Pessoais. São Paulo: Método, 2011.
BRASILEIRO DE LIMA, Renato. Nova Prisão Cautelar. Niterói: Impetus, 2011.
NUCCI, Guilherme de Sousa. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 4ª edição. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
SANNINI NETO, Francisco. Inquérito Policial e Prisões Provisórias – Teoria e Prática de Polícia Judiciária. São Paulo: Ideias e Letras, 2014.
SZNICK. Valdir. Liberdade, Prisão Cautelar e Temporária.ed.2ª. São Paulo: Universitária de Direito, 1995.

NOTAS

[1] Nos termos do artigo 7°, item “5”, da Convenção Interamericana de Direitos Humanos: “Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo.  Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.” (Grifamos)
[2] A “prisão”, no contexto apresentado, não deve ser interpretada de maneira técnica, representando, na verdade, o momento da captura.
[3] Art. 301, do CPP:  “Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.”
[4] BRASILEIRO DE LIMA, Renato. Manual de Processo Penal. p. 1264.
[5] MOUGENOT BONFIM, Edilson. Curso de Processo Penal. p.516.
[6] Em se tratando da infração penal prevista no artigo 28 da Lei de Drogas (usuário de drogas), o conduzido não poderá ser sujeito passivo do auto de prisão em flagrante, ainda que se recuse a assinar o termo de compromisso da Lei 9.099/95.
[7] Não podemos olvidar que em algumas regiões o preso em flagrante deverá ser apresentado na Audiência de Custódia.
[8] A lei inova nesse ponto e determina, de maneira expressa, que a decisão do juiz ao analisar o flagrante deve ser fundamentada. Entendemos que tal disposição seria desnecessária, uma vez que a própria Constituição da República impõe que todos os atos devem ser motivados. Contudo, tendo em vista que havia um constante desrespeito a essa regra, foi conveniente a menção expressa na lei.
[9] Destacamos que, no Estado de São Paulo, a comunicação da prisão à Defensoria Pública é feita por meio do sistema de intranet. No momento em que é selecionada a opção “flagrante” no sistema da Polícia Civil de Registro Digital de Ocorrência (RDO), a Defensoria Pública já passa a ter acesso a todas as peças elaboradas no plantão de polícia judiciária.

Autor

  • Francisco Sannini Neto

    Delegado de Polícia do Estado de São Paulo. Mestrando em Direitos Difusos e Coletivos. Pós-Graduado com Especialização em Direito Público. Professor da Graduação e da Pós-Graduação do Centro Universitário Salesiano de Lorena/SP. Professor do Complexo Educacional Damásio de Jesus



Deputado Federal Subtenente Gonzaga é denunciado por crime contra a Cooperativa de crédito dos militares de Minas Gerais

апреля 11, 2016 9:28, by POLÍTICA CIDADANIA E DIGNIDADE

"A COOPEMG CONTINUA FUNCIONANDO, MAS PERDEU CREDIBILIDADE E MILHARES DE COOPERADOS."







Subtenente Gonzaga (PDT-MG)

Ação Penal 944 - crimes contra o sistema financeiro nacional

“A acusação recai sobre uma cooperativa da qual fui diretor. Em 1999, a Cooperativa de Crédito dos Servidores Militares, Polícia Civil e da Secretaria da Educação do Estado de Minas Gerais (Coopemg) foi criada. 
Dois anos depois fizemos alguns investimentos, como a implantação de uma farmácia, um plano de previdência complementar, além da participação em uma corretora de seguros. Já em 2003, o Banco Central (BC) nos alertou que uma cooperativa não poderia ter outras empresas, então as fechamos. 
No ano seguinte, nos desfazemos de todos os empreendimentos, o que nos causou um grande prejuízo. Em março de 2005 deixei a direção administrativa da cooperativa. Então, o BC reprovou as contas da Coopemg, alegando fraude contábil nas escrituras. Nenhuma parte do processo aponta que nos beneficiamos do caso. 
Não há comprovação de benefício financeiro próprio. Não obtive nenhuma vantagem com isso. A cooperativa existe até hoje. A denúncia de gestão fraudulenta não me traduz”, disse o deputado”.

Do Crimes de gestão temerária cometido contra cooperados e a Coopemg

"A gestão temerária, segundo Rodolfo Tigre Maia, parte de um conceito “normativocultural”, presente em outras disposições penais, como, por exemplo, o art. 219 do Có- digo Penal (“Raptar mulher honesta...”) (1996, pp. 59/60). Encerra-se no tipo, pois, o que se pode chamar conceito subjetivo, que muito aproveita dos costumes e do senso comum da sociedade. 
Apesar da certa dose de subjetividade, o tipo previsto no parágrafo único do art. 4º da Lei nº 7.492/86 não fere o princípio da legalidade, conforme já decidiu a 2ª Turma do Eg. TRF 5ª Região, quando do julgamento do HC nº 500.038-CE (Rel. Juiz José Delgado, DOE 3-2-90). Comentando o dispositivo análogo contido na Lei dos Crimes contra a Economia Popular (art. 3º, inc. IX), assenta Paschoal Mantecca que “a gestão temerária traduz-se pela impetuosidade com que são conduzidos os negócios, o que aumenta o risco de que as atividades empresariais terminem por causar prejuízos a terceiros, ou por malversar o dinheiro empregado na sociedade infratora” (1985, p. 41). 
A princípio, consigne-se que o risco é algo absolutamente normal, e até necessá- rio dentro de uma gestão ativa de Instituição Financeira. 

O jogo de mercado e a natureza dos produtos exige desenvoltura e perspicácia, como numa aposta em que se pode, legitimamente, ganhar ou perder. 

O que deve ser observado, todavia, é que as Instituições Financeiras, em sua maioria, não trabalham com dinheiro próprio, mas com o dinheiro dos correntistas e investidores, entregues em fidúcia. Daí a pertinência e a justificação do tipo penal em tela. 
A Instituição Financeira, uma intermediária, necessita estar submetida a certos limites de atuação na gestão do patrimônio alheio. 

O risco, assim, é válido e plenamente aceitável enquanto subscrito à normalidade de um investimento ou de um produto mercadológico, devendo-se considerar a exigência do nível de cautela não sob a ótica do homem comum (hominus medius), e sim sob a ótica do próprio mercado financeiro. 
Essa a razão das Resoluções do Conselho Monetário Nacional (CMN) e Circulares do Banco Central do Brasil que estabelecem princípios e limites ao empenho de pecúnia, como a seletividade de investimentos, a diversificação dos riscos, a multiplicidade de clientes e a obrigatoriedade de respeito a garantias e requisitos básicos nas operações de abertura de crédito pré-aprovado e nos financiamentos. 

Referidos postulados zelam por um fator de cautela imposto após estudos abstratos acerca do ní- vel mínimo de segurança, necessário, em tese, à perenidade e à credibilidade das Instituições Financeiras nacionais e, conseqüentemente, de todo o Sistema Financeiro Nacional. 
Isso significa que não se pode punir por gestão temerária, por exemplo, os administradores de um banco que sofrera perdas irreversíveis por causa de um investimento de alto risco, desde que a intenção fosse apenas angariar lucros na operação, e não tripudiar com o dinheiro alheio. 

A situação se inverte, todavia, caso fique comprovada a inobservância aos requisitos básicos suprareferidos, hipótese na qual se aceitara, implícita e temerariamente, que o fracasso da empreitada levasse à dangerosa situação de insolvência. 
Finalmente, o crime de gestão temerária também é de mera conduta, podendo ou não vir a se concretizar o efetivo prejuízo, bastando, para o enquadramento penal, a efetiva manutenção da Instituição Financeira em “corda circense”, o que sobremaneira repugna à relevantíssima solidez sistêmica. 
Importante destacar que, na gestão temerária, o agente não tenciona ocultar ou alcançar tangencialmente um negócio ilícito – apenas atua com notável exagero e inaceitável impetuosidade em situações que seriam inicialmente corriqueiras (aplicações, abatimento de dívidas, resgate de investimentos, etc.). 
Como exemplos práticos comuns de gestão temerária, tem-se a realização de empréstimos sem as garantias de praxe do mercado, o perdão extremoso e inusitado de encargos de empréstimos, o financiamento de campanha política com recursos da Instituição Financeira e, até mesmo, o trato contumaz com empresas sem qualquer confiança no mercado, o que reafirma a diferenciação básica entre a gestão fraudulenta e a gestão temerária: naquela se pratica atos ardilosos e bem orquestrados para a efetivação oculta de negócio naturalmente ilegal, enquanto nesta se submete a riscos excessivos e irresponsáveis o patrimônio dos correntistas e investidores, que outrora confiaram nos freios de ousadia da Instituição Financeira.
A questão da reprovabilidade da gestão virulenta em Instituições Financeiras é sustentada na contrariedade direta às proibições ou limitações fixadas em Leis, Resoluções do Conselho Monetário Nacional e Circulares do Banco Central, especialmente em face da credibilidade de que o mercado financeiro necessita para cumprir o seu papel no incremento e aprimoramento da sociedade de produção e consumo, o que, em última análise, é essencial para a concretização do sonho de desenvolvimento industrial e tecnológico de um país."


O referido dispositivo da citada lei tem o seguinte conteúdo:

Art. 4º Gerir fraudulentamente instituição financeira: 
Pena – Reclusão, de 3 (três) a 12 (doze) anos, e multa.

Parágrafo único. Se a gestão é temerária:
Pena – Reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.

Fonte: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoDetalhe.asp?incidente=4789585

Autor: Leonardo Henrique Mundim Moraes Oliveira