Chego ao shopping com meu amigo. Segundo ele, começar a fazer musculação, exige não só disposição, mas também dinheiro para comprar roupas para usar na academia. A vestimenta Fitness precisa ser adquirida com urgência, frisa ele. Aceitei o convite de ir com ele, mas com a condição de, após suportar que ele experimente as roupas na loja, que ao menos ele fosse num pub tomar cerveja de trigo comigo.
Após esperar mais do que imaginava, nos deslocamos à saída quando me deparo com uma livraria. Saraiva é seu nome, e dentro, atrás das pilhas de best sellers, possíveis histórias incríveis. Pensei também que apenas passar em um shopping com a finalidade de comprar roupas, parecia um tanto quanto... fútil.
Entramos no recinto e cada um seguiu pelas prateleiras que mais lhe interessava. Eu fui direto a um ajudante que, no sistema, identificou onde pegar “Canções Mexicanas”, e em seguida o mesmo me pergunta se irei ficar com ele, respondo que, creia em deus pai que sim. Já meu amigo, que até onde podia o ver, folheava um livro roxo escrito Anne Rice. Pensei, não é sempre que temos a sorte grande de encontrar amigos com o mesmo gosto literário que a gente, e me conformei com o fato, distraído já com o meu achado em mãos.
Já estava na fila para empacotar para presente – coisa que sempre faço, adoro chegar em casa, e desembrulhar o livro que me autopresenteei – quando olho para trás e vejo uma capa minimalista. O livro, capa dura em branco e preto, e um discreto nome na parte inferior, mal se lia Camus. Cheguei mais perto e verifiquei ser uma edição nova de O Estrangeiro, editado pela Record. Não me contive, queria abrir, folhear sorri, mas estava envolto por um plástico. Segui em direção à máquina de identificação de código de barras. Precisava saber do valor, precisava do livro. Enquanto a atendente, delicadamente, embrulhava meu livro-presente, eu forçava a máquina a reconhecer o código. Não funciona, subo, desço, olho pra máquina, ela não me responde o valor do livro. Talvez seja esse plástico por cima.
Volto ao monte onde o encontrei, ao lado, e ainda me esperando, descubro que há uma cliente da loja, que parece estar assistido minha cena. Me pergunta, então quanto custa o livro, respondo a ela que não descobri, e entre o indignado e o aliviado, viro para pegar o meu presente. A moça segurando o livro, continua a dizer, mas por quê não levar? Respondo que não, já o li, foi até bom não saber o preço. Assim não tenho que comprar.
Você o leu, repete curiosa a senhora, sim, digo a ela, eu o li, e é o livro mais incrível de Camus. Só tive vontade de levar o livro por essa capa. A capa dura me fez querer tê-lo comigo. Sem mais pensar, ela colocou o livro junto a pilha de três que estava em suas mãos e, num tom de despedida me disse, então eu vou levar.
Enquanto ela se dirigia para a fila do caixa, fiquei me perguntando como pude deixar de comentar sobre a cena de que mais gosto no livro, na qual o personagem Meursault caminha por um deserto e a sensação que tive ao ler foi que reverberava luz do livro. Penso isso enquanto um sentimento confuso diz o contrário, preciso ser sincero comigo mesmo, então percebo que meu real arrependimento foi não ter corrido até ela e perguntado - na mesma proporção de coragem que ela teve ao me perguntar sobre o valor -, quais eram os títulos que estavam ali em suas mãos ao caminhar em direção ao caixa. Saber quais eram seus livros, identificar uma possível Anne Rice, arrancar O Estrangeiro de suas mãos indignas de comprá-lo e depositá-lo em um local seguro, longe dela. Este foi meu arrependimento maior.
0sem comentários ainda
Por favor digite as duas palavras abaixo