O professor que jogou a carniça pros abutres e a jornalista que teve um ataque de sinceridade. Foram esses os protagonistas das histórinhas dos últimos dias. Quem diria que a mídia seria tão discutida, assim, do nada, a partir de duas personagens sem qualquer ligação.
Bom, vamos do início. Tudo começou quando o Centro de Ensino Médio 3, em Taquaritinga, cidade-satélite de Brasília, propôs aos alunos uma exposição de fotografia com o tema “Olhares”. Cada grupo de estudantes escolhia o que iria abordar e, a partir daí, fotografava expondo seus olhares sobre aquilo. A mostra ganhou a adesão dos alunos, que expuseram 1300 fotografias. Toda imprensa local foi convidada, mas ninguém apareceu.
Dias depois, Antonio Kubitschek – professor de Filosofia da escola – colocou em sua prova bimestral uma questão que fazia referência à uma grande pensadora contemporânea: Valesca Popozuda.
Não deu outra. Uma aluna tirou uma foto da questão e publicou no Facebook. Compartilhamentos e mais compartilhamentos depois, a mídia caiu matando em cima. A prova virou motivo de piada, e o professor, taxado como cretino, babaca e motivo da educação no Brasil estar indo pro buraco.
Acontece que quem tem a cabeça um pouco mais aberta – como o professor e seus pupilos – entendeu a ironia. Ora, ninguém da mídia apareceu na exposição de fotografia, mas foi só a escola ser palco de um suposto deslize que os urubus vieram correndo – ou voando – pra mexer na carniça.
O problema é que a carniça era uma isca, e dentro dela havia um anzol, prontinho pra fisgar quem quer que fosse. E fisgou. O professor esclareceu, posteriormente, que a questão se tratava de uma crítica à própria mídia que sempre busca algo negativo para ‘meter o pau’ nas escolas públicas.
Todo mundo – menos os abutres – entendeu. Até a Valesca. A cantora publicou um texto em sua página dizendo que se sentiu honrada pelo título de pensadora, mas que teria que recusá-lo: “porque é um titulo muito forte e eu ainda não me sinto pronta pra isso hahaha Diva, Diva sambista, Lacradora essas coisas eu já estou pronta ok mas PENSADORA CONTEMPORÂNEA ainda não”. Ela se colocou em defesa do professor e disse: “me espanta mesmo é todo mundo se preocupar com uma única questão da prova sem analisar os termos por trás disso tudo (E se o professor colocou a questão dentro do contexto da matéria? E se o professor quis ser irônico com o sucesso das músicas de hoje em dia?…)”.
Ora, resta-me dar os parabéns a esse professor. Primeiro porque ele está cumprindo – e muito bem, diga-se de passagem – o seu papel de mestre, promovendo a discussão e fazendo os alunos pensarem, além de romper com as paredes da sala de aula e expandir essa discussão por todo o país. E depois, parabenizo-o também por ter lançado uma isca que mostrou o quão tendenciosa é a mídia hoje.
Se é coisa ruim ou se é pra falar mal do governo, então é pauta. Foi isso que esse professor mostrou e que a pobrezinha jornalista da Globo provou.
Bom, vamos entrar agora na segunda personagem da nossa historinha.
Na última quarta-feira, dia 9 de abril, foi realizada em São Paulo a 8º Marcha dos Trabalhadores, que uniu diversas centrais sindicais levantando as bandeiras as principais bandeiras de luta da classe trabalhadora, entre elas a redução da jornada de trabalho, o fim do fator previdenciário, 10% do PIB para a educação, negociação coletiva no setor público, reforma agrária e política agrícola, 10% do orçamento da União para a saúde, combate à demissão imotivada, salário igual para trabalho igual, correção da tabela de IR e não ao PL da terceirização.
A marcha reuniu cerca de 40 mil pessoas, de acordo com os organizadores. Claro que um movimento desse porte não poderia ser simplesmente abafado pela grande mídia. Não dá. Portanto, a imprensa esteve em peso na Marcha, e a Globo apareceu com suas câmeras e microfones.
Acontece que a manifestação não se tratava de um ato de uma única central sindical, mas um ato unificado de várias, entre elas a CGTB, CGT, UGT, NCST, CUT e Força Sindical. Mas parece que a Globo não entendeu isso – mesmo estando as logos de todas as centrais no material de divulgação.
A bomba estourou quando a Marize Muniz, assessora de imprensa da CUT (Central Única dos Trabalhadores) publicou em seu Facebook:
“Deu dó. Sempre tenho pena de pessoas inocentes.
Foquinha da TV Globo gravou sonora com os caras da Força Sindical (do Aécio Neves), na Praça da Sé, durante manifestação de seis centrais sindicais.
Aí, um militante cutista foi lá e perguntou: e a CUT, você não vai ouvir ninguém da maior central da America Latina?
A pobrezinha respondeu: Tenho ordens da redação para só ouvir os caras da Força.
Foi um quiprocó danado e a bichinha teve de ir embora do local.”
Em primeiro lugar, não estou aqui para julgar a repórter. Parto do princípio que ela estava fazendo o trabalho dela e, é claro, cumprindo ordens. (Se bem que ela poderia ter gravado a entrevista com o pessoal da CUT e depois ter cortado, já que a Globo não quer que vá ao ar. Questão de bom senso.)
Mas a pobrezinha teve um ataque de sinceridade – ou desespero – e na hora soltou o que não devia. Jogou merda no ventilador. Mostrou que a Globo dá voz a quem ela quer, e o escolhido da vez foi o Paulinho da Força. Justo ele que é o presidente de Central que mais critica o governo Dilma (PT) e que já declarou apoio ao Aécio Neves (PSDB) para as próximas eleições.
Afinal, qual o problema de entrevistar o Paulinho? Nenhum. O problema é entrevistar SÓ o Paulinho. Por que não dar voz aos representantes de outras centrais? O sinal de TV é uma concessão pública e deve ser usado em benefício da população, e não em favor dos interesses de um pequeno grupo.
De acordo com Rodrigo Vianna, do blog Escrevinhador, a repórter da Globo foi vaiada e teve de saír de cena em meio aos gritos de “o povo não é bobo, abaixo à Rede Globo” . Ela correu para dentro de uma agência do Bradesco onde, minutos depois, o Paulinho da Força chegou para dar entrevista mas, aparentemente, não rolou…
A grande mídia hoje está assim: um jogo de interesses políticos e econômicos, no entanto, criticar não basta. Devemos começar a trilhar novos caminhos e temos poder para isso. Vamos lutar pela disseminação da mídia alternativa, vamos blogar,usar esse espaço que temos hoje que é a internet, vamos trabalhar pela quebra do monopólio da comunicação e mostrar que o povo sim, tem voz e essa voz precisa ser ouvida.
Em tempo, beijinho no ombro pros reaças passarem longe. Agora vou fazer igual a Valesca e ir ali ler um Machado de Assis pra, quem sabe um dia, me tornar um pensador de elite.
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