O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, foi aos Estados Unidos para participar da 4ª Conferência Mundial de Presidentes de Parlamentos, promovida pela União Interparlamentar. A UIP é parte do Sistema ONU, que é formado pelos seis principais órgãos da Organização, bem como por Agências especializadas, Fundos, Programas, Comissões, Departamentos e Escritórios.
Cunha foi para a Conferência em Nova York defender a democracia brasileira.
A democracia brasileira de Eduardo Cunha não convive com qualquer regulação dos meios de comunicação. Ele saiu do Brasil para ir aos Estados Unidos com o objetivo de dar explicitamente este recado.
Em seu discurso, ele ressaltou a existência de uma Constituição Cidadã em nosso país, que construiu as bases para uma democracia representativa. “As soluções apresentadas sempre estão no campo da democracia representativa – a modalidade de governo que consegue intermediar melhor as pluralidades tanto culturais quanto ideológicas.”
O grifo é meu e considero importante porque esse enfoque de Cunha é o centro de seu pensamento político. O povo, que vive na planície, elege seus representantes que governam do planalto. E nesta relação o povo é apenas um coadjuvante, uma massa que não possui protagonismo para além do voto. Não é à toa a ojeriza que Cunha tem a qualquer forma de participação social e, por isso, proíbe a entrada da plebe na Casa do Povo e joga spray de pimenta em quem tentar “transgredir a ordem”.
Claro que ele não disse nada disso na ONU, imagine. Pelo contrário. Ele poetizou que “democracia sem povo é como jardim sem flores; não tem o que se regar; o que se manter”.
Para Cunha, a liberdade de imprensa é a chave da democracia. E ele fez questão de reproduzir a velha e conveniente confusão conceitual que coloca liberdade de imprensa e liberdade de expressão em pé de igualdade, quase sinônimos. Na visão do atual presidente da Câmara dos Deputados, a garantia da liberdade de imprensa está na ausência de regulação. Ele afirmou diante dos presidentes de parlamentos de todo o mundo que “é fundamental para a democracia a manutenção da liberdade de imprensa - de expressão - e combatermos qualquer forma de censura ou regulação de mídia de qualquer natureza, inclusive econômica”.
E de certa forma ele tem razão.
Como??? Sim, porque se entendermos – como parece que o Cunha entende – que a liberdade de imprensa é a aquela que permite aos veículos de mídia publicar o que quiserem, sem qualquer obrigação de fazer reparações a notícias que violem o direito à intimidade, que violem os direitos humanos e sem qualquer compromisso com o interesse público, para esta liberdade de imprensa quanto menos regras melhor. A ausência de regulação é o ambiente da supremacia dos interesses dos conglomerados econômicos de mídia.
Mas para garantir a liberdade de expressão – que é o direito que todos nós, cidadãos e cidadãs, temos de nos expressar – é indispensável a existência de regras. Como consta do Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948: “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.
O que talvez Cunha não saiba, ou sabe mas ignorou, é que a ONU possui uma Relatoria para Liberdade de Opinião e Expressão que tem recomendações bastante abrangentes e consolidadas sobre a necessidade de se construir um rol de leis e dispositivos institucionais (dentro e fora da estrutura do Estado) que componham um marco regulatório para as comunicações de forma a garantir a diversidade e a pluralidade, impedir a formação de monopólios, proteger as culturas nacionais e regionais, estimular a produção de conteúdo independente, preservar os direitos humanos e tantos outros que seriam necessários muitos caracteres para descrever.
Mas Cunha foi até a ONU para dizer que não cabe na democracia a existência de regras para a atividade de comunicação, nem regulação econômica. O presidente da Câmara fez questão de sublinhar o aspecto econômico para se opor à ideia, defendida pela presidenta Dilma Rousseff durante as eleições, de que é preciso se discutir no Brasil uma regulação econômica para os meios de comunicação que impeça a formação de monopólios.
E isso, nada mais é do que respeitar as diretrizes já existentes no Art. 220 da Constituição Cidadã que Eduardo Cunha foi propagandear nos Estados Unidos. Essa Constituição que cabe ao Congresso Nacional aprovar leis para regulamentar. Ou seja, Cunha viajou 6.520 km (distância estimada entre Brasília e Nova York) para dizer que ele se nega a fazer o serviço para o qual foi eleito – zelar e garantir a aplicabilidade de todos os artigos da Constituição Federal.
Aqui no Brasil a gente já sabia de tudo isso. Ele já mostrou seu “apego” à democracia, já deu declarações bastante enfáticas para dizer que durante o seu mandato nenhum projeto de regulação da mídia será pautado “nem por cima do meu cadáver”, a frase é dele.
Em seu discurso em Nova York ele ressaltou que “os Parlamentos são o foco de resistência que devem zelar por esse combate, a despeito de governos autoritários."
A questão que fica é: e quem defende o povo de parlamentos autoritários que ignoram e rasgam a Constituição? Talvez o povo, aquele que fica na planície ignorada, e que precisa sair às ruas para defender a democracia, impedir retrocessos civilizatórios que estão em curso no parlamento brasileiro, como a proposta de redução da maioridade penal, a institucionalização da corrupção pelo financiamento privado da política, a terceirização das relações de trabalho e desubstruir outras como o debate para ampliar a diversidade e pluralidade nos meios de comunicação.
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