POR FERNANDO BRITO no TIJOLAÇO
O pior do policialismo é que ele, pelo chocante das situações de criminalidade, penetra em nossas mentes como regra para tratar dos problemas que são estruturais – e culturais, portanto – das sociedades.
Quando vejo o discurso moralista da mídia e dos órgãos judiciais e parajudiciais – juízes, procuradores, policiais, advogados – que vocifera contra a corrupção vem-me à mente o que assisto, há quase 40 anos, em relação às drogas.
Estamos, nestas décadas, ouvindo o discurso da “guerra às drogas” quase que incessantemente.
Não é preciso dizer que, se é mesmo uma guerra, nela perde-se batalha após batalha e, embora ainda haja muita gente que acredite nesta tolice, qualquer pessoa com um mínimo de lucidez sabe que o uso e tráfico de drogas – sobretudo das pesadas – só fez piorar nestas décadas.
Não faltou armar a polícia, dar-lhes mais tropas e meios, mais salários e, acima de tudo, mais poder.
Também não faltaram prisões, mortes, desbaratamento de quadrilhas, apreensões de gramas, quilos e toneladas.
Ah, sim, um detalhe insignificante: mais repressão aos pobres e favelados, mais balas “perdidas” que encontram crianças, mais truculência e uma situação de suspeita generalizada que torna qualquer um – e muito mais os negros e mulatos – sujeito a ser enfiado na caçapa de um camburão sem protesto e até com aplauso dos circunstantes, seja ou não traficante.
E com seletividade que vai muito além do helicóptero do pó. Ou alguém acha que se revogou a frase de um ex-chefe de Polícia do Rio que disse que “Ipanema brilha à noite”?
Bem, se você ousa criticar esta abordagem você “não quer deixar a polícia trabalhar”, defende os traficantes, é uma espécie de “traficalha”
Criou-se um “inimigo da felicidade” e é claro que é o tráfico de drogas que torna opressiva, insegura e torturante a vida nas grandes cidades ou, ao menos, num entorno de seus enclaves de pobreza ou nas periferias longe demais para Deus passar, onde só as denominações neopentecostais vão.
Nossa atual “guerra à corrupção” segue os mesmos caminhos.
Exibem-se algumas cabeças, apreendem-se algumas toneladas da “erva” furtada e instala-se o comando das “UPP” – unidade entre promotores e policiais – no seio da administração pública.
Curiosamente, o dinheiro que já não é furtado e surrupiado pelos ratos da corrupção tornou-se menor e as obras “superfaturadas” acabaram, mas acabaram com isso com todas as obras.
O povo já não é roubado, não é? Mas vai “poder” ganhar menos, ter menos escolas, hospitais, postos de saúde porque a moralidade é o corte de tudo, para que o dinheiro se esvaia nos bons moços do mercado, aqueles que podem brilhar em Ipanema e nos Jardins. E, claro, para o Escobares do mundo financeiro…