Presidente americano anuncia a volta de encargos sobre metais. Especialistas apontam choque no mercado siderúrgico e mudança na relação entre os dois países
Com informações Do Jornal Nexo
JAIR BOLSONARO E DONALD TRUMP EM PRONUNCIAMENTO À IMPRENSA NA CASA BRANCAO presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou na segunda-feira (2) a imposição de tarifas sobre aço e alumínio vindos do Brasil e da Argentina. Segundo Trump, a medida é uma reação à desvalorização das moedas locais nos dois países, que estaria sendo feita de modo proposital, prejudicando a concorrência de produtos agrícolas e manufaturados americanos.
Brazil and Argentina have been presiding over a massive devaluation of their currencies. which is not good for our farmers. Therefore, effective immediately, I will restore the Tariffs on all Steel & Aluminum that is shipped into the U.S. from those countries. The Federal….— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) December 2, 2019
O anúncio pegou de surpresa as autoridades brasileiras. À Rádio Itatiaia o presidente Jair Bolsonaro afirmou que não entender a medida como uma retaliação. A tendência é que o governo brasileiro não revide. Bolsonaro afirmou que vai procurar o diálogo com o presidente americano:
“Eu vou conversar com o Paulo Guedes [ministro da Economia]. Se for o caso, ligo para o Trump. Eu tenho um canal aberto com ele”
Jair Bolsonaro
presidente da República, algumas horas após o anúncio de Trump pelo Twitter
As tarifas anunciadas por Trump vêm sob o pretexto de que a alta do dólar no Brasil e na Argentina teria sido proposital. Na Argentina, o dólar disparou durante o processo eleitoral que colocou o peronista Alberto Fernández na Casa Rosada.
No Brasil, o mês de novembro viu a moeda americana ultrapassar a cotação de R$ 4,20 e atingir o maior patamar nominal de sua história. Especialistas ouvidos pelo Nexo apontaram que a alta está relacionada à diminuição do diferencial de juros entre Brasil e EUA, à frustração com o leilão do petróleo ocorrido no início de novembro, à desaceleração da economia mundial e às turbulências da política econômica brasileira. A fala do ministro Paulo Guedes em referência ao AI-5 – ato institucional da ditadura militar que reforçou perseguições políticas, torturas, assassinatos e censura – também foi outro fator que reforçou a tendência de alta do dólar no final do mês de novembro.
O histórico de tarifas
Não é a primeira vez que o presidente dos EUA toma medidas protecionistas no mercado de aço e alumínio.
Em março de 2018, Trump havia anunciado tarifas de 10% sobre as importações de alumínio e 25% sobre as importações de aço. Os únicos países que escapariam das sobretaxas seriam Canadá e México, parceiros comerciais da América do Norte.
A medida visava proteger a indústria siderúrgica americana, que teria sido gravemente afetada pela concorrência internacional. Outro argumento utilizado é que as tarifas eram importantes para defender a segurança nacional. Isso porque havia risco dos EUA se tornarem dependentes demais de importações desses produtos.
Em agosto de 2018, o presidente americano decidiu aliviar as taxas para países como Brasil, Argentina e Coreia do Sul. Pelas novas medidas, as empresas americanas que comprovassem falta de matéria-prima poderiam comprar aço desses países sem ter de pagar os 25% estipulados em março daquele ano.
No início de dezembro de 2019, no entanto, Trump voltou atrás. Ainda não foram divulgadas regras e taxas exatas que serão cobradas de cada produto, mas sabe-se que elas terão efeito imediato.
As exportações do Brasil aos EUA
Os EUA são o segundo maior comprador de produtos brasileiros, segundo dados do Ministério da Economia; o primeiro é a China.
Nos primeiros dez meses de 2019, o país liderado por Trump foi responsável por comprar US$ 24,2 bilhões em produtos brasileiros. O valor representa um aumento de 2,04% em relação aos dez primeiros meses de 2018.
13,1%
foi a participação dos EUA nas exportações brasileiras entre janeiro e outubro de 2019
A categoria de produtos mais exportados pelo Brasil são óleos brutos de petróleo. Mas logo na sequência aparecem produtos semimanufaturados de ferro ou aço – são aqueles intermediários entre o metal bruto e o bem finalizado.
PERFIL DAS EXPORTAÇÕES
Como um todo, produtos relacionados ao alumínio e ao aço costumam girar em torno de 13% das exportações brasileiras aos EUA.
13,9%
é a participação dos dois metais nas exportações brasileiras nos dez primeiros meses de 2019
AÇO E ALUMÍNIO
Duas análises sobre os impactos das tarifas
O Nexo conversou com dois especialistas para entender as consequências das tarifas impostas por Trump – tanto no curto como no longo prazo. Roberto Dumas, professor de economia do Insper, e Vinícius Vieira, professor de relações internacionais da FGV (Fundação Getulio Vargas) e da USP (Universidade de São Paulo), falaram sobre dois pontos que poderão ser impactados pelas tarifas.
O setor siderúrgico
Dumas e Vieira apontaram que o setor siderúrgico será o que mais sofrerá impactos. As tarifas tendem a dificultar a concorrência dos produtos brasileiros no mercado internacional, o que deve afetar, em especial, as regiões que mais dependem da exportação de aço. Alguns exemplos são as regiões das cidades de Ipatinga, em Minas Gerais, e Cubatão, em São Paulo.
Dumas também aponta que o principal efeito das tarifas americanas será pelo viés da incerteza. Afinal, a terceira mudança nas regras de exportação dos metais para os EUA em menos de dois anos deixa o mercado siderúrgico em uma situação de instabilidade.
“Risco é uma coisa que todo empresário sabe correr. O que ninguém sabe correr é incerteza. A incerteza acaba impactando investimento – e investimento é o que o Brasil mais precisa para ter um crescimento sustentável”
Roberto Dumas
professor de economia do Insper, em entrevista ao Nexo
Já Vieira lembra que as tarifas de Trump não são o primeiro golpe sofrido pelo setor. A crise na Argentina – historicamente o maior importador de automóveis brasileiros – e a retomada lenta da economia brasileira, com recuperação gradual do consumo, também são outros fatores que influenciam negativamente o segmento siderúrgico.
“Se nenhuma dessas três condições for revertida [Argentina, mercado interno e tarifas], podem transformar-se, em conjunto, em uma espécie de tempestade perfeita para um setor que já vinha enfrentando problemas nos últimos anos, como toda a indústria.”
Vinícius Vieira
professor de Relações Internacionais da FGV (Fundação Getulio Vargas) e da USP (Universidade de São Paulo), em entrevista ao Nexo
As relações entre Brasil e EUA
Dumas e Vieira apontam também para uma mudança no cenário do comércio internacional entre EUA e Brasil. Apesar da tentativa de aproximação de Bolsonaro com Trump, as tarifas sobre aço e alumínio não são o primeiro caso em que os EUA deixam de lado a amizade entre os países.
Um primeiro caso é o do suspenção da importação de carne brasileira não congelada ou processada, iniciada em 2017, após a deflagração Operação Carne Fraca. Em março de 2019, uma inspeção americana aos frigoríficos brasileiros frustrou o governo ao decidir pela manutenção do veto.
Mais recentemente, em outubro de 2019, os EUA deixaram de cumprir a promessa de inclusão do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). A decisão foi mais uma a decepcionar as tentativas de Bolsonaro de se aproximar de Trump.
Segundo os especialistas ouvidos pelo Nexo, a volta das tarifas sobre aço e alumínio pode ser um momento de virada na relação entre os dois países, com o Brasil adotando uma posição mais objetiva.
“O governo atual tem uma pauta de relação muito ideológica com os EUA. Vê tudo pelo filtro de que o Brasil deve se alinhar automaticamente aos EUA. Espera-se que isso [o anúncio das tarifas] faça o Brasil adotar uma linha mais pragmática nas suas relações com os EUA.”
Vinícius Vieira
professor de Relações Internacionais da FGV (Fundação Getulio Vargas) e da USP (Universidade de São Paulo), em entrevista ao Nexo
“Agora fica bem claro que Trump nunca mentiu: America first [EUA em primeiro lugar, em inglês].”
Roberto Dumas
professor de economia do Insper, em entrevista