“Rodam menos, ganhe um valor maior e buscam mais previsibilidade de Renda e Controle de escalas e horários”. Leia a opinião de motoristas:
isto acontece por que muitos Trabalhadores buscam maior previsibilidade de renda e controle sobre escalas e horários.
Por volta das 14h30min de quinta-feira (10), Deives Lael , 35 anos, chegou com um Fiat Mobi vazio a um depósito na região do 4º Distrito. Cerca de 15 minutos depois, saía do local com o carro lotado, com 54 pacotes alocados no porta-malas e dividindo espaço com ele dentro do veículo.
Após cerca de sete anos trabalhando como motorista de aplicativo, Lael migrou para o ramo de entrega de mercadorias nos últimos meses. Hoje, consegue um bom rendimento rodando cerca de cem quilômetros por dia. Antes, para conseguir retorno semelhante no transporte de passageiros, tinha de percorrer no mínimo 300 quilômetros, além de usar pelo menos duas plataformas distintas para as corridas.
Lael é um dos tantos profissionais que deram essa volta na carreira em busca de mais previsibilidade de renda e menos rodagem . Atualmente, os relatos de motoristas mudando de ramo, saindo do transporte de passageiros e indo para os serviços de entrega, aparecem com mais frequência em grupos de WhatsApp e nas conversas do dia a dia, segundo a presidenta do Sindicato dos Motoristas em Transportes Privados por Aplicativos do Estado do Rio Grande do Sul (Simtrapli-RS), Carina Trindade. Ela afirma que esse movimento ficou mais forte nos últimos seis meses:
— Eles rodam menos quilometragem, ganham um valor maior e não têm aquele embate direto com o passageiro durante o dia. Muitas vezes, o transporte de passageiros (o motorista) é mal avaliado por coisas que não existiam dentro do carro ou porque o passageiro está num dia difícil.
Mais previsibilidade
Em boa parte dos casos, os profissionais que vão para o ramo de entregas atuam como parceiros de gigantes como Shopee, Amazon e Mercado Livre. Eles coletaram a carga em um centro de distribuição e partiram para os destinos em uma rota pré-determinada .
Citado no início da reportagem, Deives Lael é registrado como microempreendedor individual e presta serviços para o Shopee. Ele destaca que ir para o ramo das entregas não significa trabalhar um pouco. No entanto, é possível rodar menos milhas, maximizar ganhos e ter maior previsibilidade nos retornos. Hoje, ele atua em dois turnos, totalizando em média 12 horas por dia . No transporte de passageiros, chegava a atuar entre 15 e 18 horas, intercalando entre plataformas para driblar o limite de horário, sem garantia de um bom retorno.
— Temos um número de cargas com valor já definido . É diferente dos aplicativos de mobilidade onde você roda muitas horas e nem sempre o retorno é o mesmo. O ganho varia muito por causa de uma chuva, de evento, regiões da cidade. Então, nas entregas, além de serem mais rentáveis, temos um valor que não modifica tanto — explica.

Exemplificando essa diferença, ele se destaca que chegou a receber R$ 3,4 mil em uma semana, rodando cerca de cem milhas por dia, em seis dias da semana. Nenhum aplicativo de transporte de passageiros, teria de rodar entre 300 e 500 milhas por dia, operando em duas plataformas diferentes para chegar a um retorno semelhante.
Conhecimento mais profundo de rota e agilidade para conseguir dar conta das duas cargas diárias são alguns dos pré-requisitos para obter rendimentos nesse patamar, segundo Lael.
Na quinta-feira, ele teve uma jornada mais puxada. Na carga da manhã, entregamos 118 pacotes. Na tarde, destinou outros 54.
Hoje, o trabalhador usa um carro alugado. No entanto, estuda investir no futuro na compra de um veículo de carga leve, como um Fiat Fiorino, para conseguir transportar itens maiores e aumentar os rendimentos.
Mudança de hábitos
O crescimento do mercado de entregas ocorre na esteira do avanço das vendas online . Com o aumento da demanda por esse serviço, principalmente a partir da pandemia, gigantes como Mercado Livre, Shopee e Amazon investiram em estratégia de logística, marcada por centros de distribuição distribuídos pelo país e uma rede com motoristas parceiros para dar mais dinamismo e agilidade às entregas. A velocidade e a qualidade nesse serviço são diferenciais importantes em um ramo cada vez mais competitivo.
Como informou a colunista de GZH Giane Guerra, a Shopee tem três imóveis logísticos no Rio Grande do Sul , que totalizam 37,3 mil metros quadrados, segundo levantamento da Buildings. Já o Mercado Livre ocupa uma área de 7,1 mil metros quadrados em uma unidade no Estado.
Recentemente, a Amazon, que já conta com serviço de empresas parceiras para entrega, anunciou a chegada do Amazon Flex ao Brasil. Na plataforma, os motoristas podem se cadastrar e realizar entregas de mercadorias pela empresa americana de forma direta.
O professor Moisés Waismann, coordenador do Observatório Unilasalle: Trabalho, Gestão e Políticas Públicas, afirma que o aquecimento no ramo de entregas ocorre na esteira de uma série de fatores. Um dos destaques é a mudança nos hábitos de consumo da população após eventos extremos.
— Nós falamos por um período de pandemia e em seguida tivemos uma enchente e os nossos hábitos de nos deslocarmos e de consumir, foram se adaptando. Então, o que acontece? A gente acaba consumindo mais por esses aplicativos de compra — explica Waismann.
O corpo docente destaca que os custos fixos dos motoristas de aplicativo, como complemento e manutenção, também são mais elevados. Com isso, a possibilidade de uma atividade mais rentável e que desvalorize menos o carro ganha destaque.
Rotina mais organizada
Ytalo Schaidhauer, 29 anos, é outro profissional que optou pelo transporte de cargas. Ele também realiza entregas para o Shopee, principalmente em Guaíba e região. Além do retorno maior e da previsibilidade nos rendimentos, Schaidhauer destaca a possibilidade de fugir de tranquilidades em momentos de pico durante essa nova rotina.
— Por exemplo, no horário do pico, você tá entregando num bairro só. Não tá numa tranqueira, numa avenida municipal. Escolha o local onde você quer trabalhar.
Quando atuava no segmento de passageiros, conseguia “transformar” R$ 50 de combustível em R$ 150, R$ 200 via corridas. Hoje, com as entregas, chega a fazer R$ 300 com o mesmo valor , rodando menos.
— Para fazer esses R$ 150, R$ 200 no aplicativo, vamos dizer, eu ia rodar uns 100 quilômetros por aí. Hoje eu faço com 20, 30 milhas, eu faço uma rota aqui e ganhei esse valor, entendeu? – explica Schaidhauer.
Além das melhorias em rendimentos, rota e trecho percorrido, a migração entre as duas atividades também tem impacto no bem-estar , segundo os profissionais ouvidos pela reportagem.
Atuando há seis anos como motorista de aplicativo, Karoline Marques Acosta, 40, tem entregas como função principal desde novembro de 2024. Conseguindo uma rota em Canoas, onde mora, viu a chance de ter previsibilidade nos rendimentos e mais tempo com a filha , de nove anos:
— Ela tá crescendo e eu não estava mais acompanhando tanto ela. Minha filha estava ficando com outras pessoas. Agora, não. Eu consigo ter mais tempo para ficar com ela.
Os três profissionais ouvidos pela reportagem afirmam que não largaram definitivamente o transporte por aplicativo . Como no ramo de entregas os pagamentos costumam ocorrer em dados pré-determinados, eles acabam usando as corridas com passageiros para verba imediata a fim de fazer frente a despesas pontuais, como abastecimento.
Efeitos na economia
O professor Moisés Waismann afirma que, num primeiro momento, a expansão dos serviços de entrega tem um efeito positivo sobre a economia . Com mais profissionais aumentando seus rendimentos, o dinheiro circulando cresce, impactando na atividade econômica.
Por outro lado, Waismann alerta para a necessidade de pensar na sustentabilidade dessas empresas no médio e longo prazo . Citando o exemplo de outras plataformas, como o transporte de passageiros, o professor cita a possibilidade de sucateamento desse tipo de posto no futuro diante da saturação no ramo, com mais pessoas buscando essas vagas:
— Há pouco tempo atrás, era um orgulho ser motorista de aplicativo, né? Porque tu tinhas que passar por lista para entrar, para dirigir, tinha uma renda diferenciada. Agora, essas pessoas não conseguem mais se manterem apenas no aplicativo. Então é uma discussão que a gente tem que fazer.
Na maior parte dos casos, as plataformas são desativadas para que os profissionais tenham registro como pessoa jurídica, como formalização via microempreendedor individual ( MEI ). O presidente do Simtrapli-RS destaca esse processo como uma garantia de segurança mínima, que não ocorre em aplicativos de transporte de passageiros. No entanto, ela reforça que também é necessário pensar em alternativas contra uma eventual precarização desses postos.
Com informações Zero Hora