
Os 25 anos da Lei da Reforma Psiquiátrica no Rio Grande do Sul foram lembrados em audiência pública da Comissão de Saúde e Meio Ambiente, na manhã desta quarta-feira (16). O encontro foi dirigido pelo deputado Altemir Tortelli (PT), que é presidente da Comissão de Saúde e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa, e proposto em conjunto com o deputado Valdeci Oliveira (PT). Participaram do evento o psiquiatra argentino Rubén Oscar Ferro, o ex-deputado e jornalista Marcos Rolim (autor da lei nº 9.716/1992), Paulo Michelon, usuário da rede de saúde mental, e a psicóloga e ex-secretária de saúde do RS, Sandra Fagundes, dentre outros deputados e usuários da rede. Ao final da audiência pública, Tortelli, propôs a formação de um grupo de trabalho (GT) para dar continuidade à atividade de conscientização sobre o tema. “Precisamos abrir um espaço para que as pessoas contem suas histórias, suas experiências de vida e a construção de suas vitórias para que sirvam de exemplo para a sociedade e, principalmente, se articulem para enfrentar preconceitos e buscar soluções dos governos para os problemas da área da saúde mental”, disse o deputado.
Pioneirismo gaúcho
Reconhecido como um dos maiores especialistas em saúde mental na América Latina e autor de diversos livros sobre o assunto, Rubén Oscar Ferro, da Universidade Nacional de Córdoba, Argentina, falou da sua relação com o Rio Grande do Sul, referindo o pioneirismo do estado na questão da saúde mental. Ele fez uma defesa enfática da lei, alertando para a necessidade de se reorganizar a luta para que ela não seja desmontada. “O manicômio é uma máquina poderosa do neoliberalismo e, portanto, logicamente, esta luta nunca irá terminar”, pontuou. “Todos sabem que há muitos ataques contra a lei, e ela vem sendo defendida por pessoas que saíram às ruas, pelos movimentos sociais”, disse. “Não se sustenta a lei por sua própria letra, a lei se sustenta pela luta”, acrescentou.
Para ilustrar o significado da loucura e dos manicômios, o argentino referiu a obra de Machado de Assis, O Alienista, de 1882, que contava a história de Simão Bacamarte, fundador do primeiro manicômio do Brasil, resumida da seguinte forma: “encerra as pessoas para estudar a personalidade supostamente anormal; trabalha sob o respaldo da ciência e em favor dos internados; enriquece economicamente e se torna uma pessoa importante na sociedade; utiliza as forças jurídicas e políticas para internar as pessoas segundo o saber científico; vive e termina a vida internado em seu próprio manicômio”.
Retrospecto
O ex-deputado Marcos Rolim descreveu o contexto em que a lei de sua autoria foi elaborada. Disse que os mais jovens não tinham ideia de como era a realidade dos manicômios naquela época, quando a única alternativa que se tinha para aqueles em sofrimento psíquico era a internação. Segundo ele, o paciente era internado inúmeras vezes pelo SUS e a situação representava um negócio para os estabelecimentos psiquiátricos.
Assumindo o anseio dos movimentos antimanicomiais, contou que inicialmente sua ideia era apenas estabelecer na lei um prazo para que os hospitais psiquiátricos fossem fechados. Porém, após conhecer os debates da província argentina de Rio Negro, percebeu que o texto era simplório e precisava de aperfeiçoamento, o que o levou a apresentar um substitutivo ao seu próprio projeto, prestes a ser votado na Assembleia Legislativa. Houve quem entendesse na ocasião que ele estaria fazendo concessões, o que, segundo disse, não era o caso. A lei, explicou Rolim, congelava a oferta de leitos em hospitais psiquiátricos, determinando a internação em hospitais gerais, o que, além de possibilitar o tratamento de comorbidades, evitava o estigma social dos pacientes. “É uma excelente lei – modéstia à parte”, declarou.
Ainda em relação à saúde mental, Rolim disse que é preciso trabalhar com políticas públicas baseadas em evidências e que o debate hoje no país evidencia a “loucura nacional”. Segundo ele, a ânsia por internação que se via antes em relação à saúde mental de modo geral volta-se hoje para a drogadição e o alcoolismo. Observou que tanto o capitalismo como o socialismo fizeram uso das internações. “No capitalismo, elas foram usadas para garantir o lucro para os donos de clínicas e, no socialismo, para controlar dissidentes”.
Manifestações
Paulo Michelon, usuário da rede de saúde mental, saudou os 25 anos da lei, enaltecendo o papel da militância em sua defesa ao longo do período. Disse que por diversas vezes a Assembleia sofreu pressões por parte de médicos para desmontá-la, no entanto sempre encontrou uma militância aguerrida pronta a defender o que considera uma conquista. O produto da lei para ele, não era o abandono, como referiam alguns, mas a liberdade.
A psicóloga e ex-secretária estadual da Saúde e ex-superintendente do Grupo Hospitalar Conceição Sandra Fagundes disse que a população brasileira rechaça a ideia dos manicômios e reforçou a necessidade de luta e resistência contra possíveis retrocessos. Relatou a situação em Belo Horizonte de 300 mulheres que teriam tido seus filhos “roubados” sob a alegação de que elas eram usuárias de drogas. Ainda aproveitou para prestar uma homenagem a mulheres já falecidas que se destacaram na causa: Cristina Carvalho, Loiva de Boni Santos, Egídia Olegal dos Santos e Tatiana Ramminger.
Representando o Ministério Público, a promotora Denise Casanova disse que “evidentemente a instituição não concordava com internações de longo prazo”, mas chamou a atenção para as dificuldades enfrentadas especialmente por crianças e adolescentes. “Não se consegue internação”, disse. Também manifestou preocupação com o problema da drogadição.
A audiência pública encerrou com uma apresentação cultural do Grupo Mentaleiros, que cantou e encenou sobre o tema da Saúde Mental e a importância da reforma psiquiátrica.
Texto: Carlos Machado (MTB 17159), com informações da Agência de Notícias da AL