VAGINA NÃO É BACALHAU
por Ananda Hilgert, no Noo, em 26.01.2015, sugerido por Eduardo Prestes Diefenbach
O nome que a gente dá para as coisas na vida não é inocente, não é por acaso, é marcado por posicionamento, é político, é cultural. Pensando nisso, os diversos apelidos dados aos órgãos sexuais feminino e masculino dizem muito sobre sexo e papéis de gênero:
Enquanto o pênis tem todos os nomes possíveis que remetem ao formato de cenoura, nabo, cano, anaconda, espeto e tantos outros mais, à vagina direciona-se outro tipo de apelido, muito mais pejorativo, como:
bacalhau
carne mijada
nugget de peixe
marisco
suvaco de coxa
túnel cheiroso
suadinha
A vagina e seus perseguidos odores! Fedor de peixe, suor, mijo. A vagina é nojenta, tem mau cheiro. Tudo que o homem hétero quer é que sua estaca crave esse marisco, mas sem abrir mão de rebaixar essa pobre carne mijada ao seu devido lugar.
A mulher escuta esses nomes desde pequena mesmo sem entender ainda seus significados. A gente vai crescendo e entendendo que é suja, que deve esconder nossos cheiros, mesmo que sejam naturais para todas as mulheres. A menina desde novinha aprende a usar uma infinidade de produtos de higiene, enquanto o menino aprende a fazer xixi na árvore e dar só uma balançadinha na sua bengalinha. A gente aprende que peixe podre e vagina tem o mesmo odor. Carregamos um túnel “cheiroso” no meio das pernas, motivo de piada, medo, objeto de controle.
Esses apelidos podem parecer apenas piadinhas inofensivas para muita gente, mas carregam um peso muito maior que uma comédia boba. Muitas mulheres realmente acabam tendo nojo de si mesmas, não conhecem suas próprias vaginas, não tocam em si mesmas. Aliás, falando em toque, a masturbação feminina é um grande tabu que vem também desses apelidinhos carinhosos:
engole espada
ninho de rola
lixa-pica
casa do caralho
papa-duro
gulosinha
buraco da serpente
Se o homem chama a vagina de lixa-pica e casa do caralho, isso significa que a maldita xoxota só existe para servir ao homem; portanto, mulheres, o prazer sexual não é de vocês, mas do homem e sua espada.
O homem carrega orgulhoso sua terceira perna (a vontade de aumentar o tamanho do pênis através de apelidos é visível), sua furadeira, seu socador, sua ferramenta. A mulher esconde, depila, limpa sem cansar seu suvaco de coxa. Dar nomes pejorativos à vagina prejudica muito a sexualidade feminina, pois a mulher tem pensamentos negativos em relação a si mesma, acaba se limitando, tem medo de se expor, de ter o cheiro errado, o formato errado, o prazer errado.
A tentadora vagina, o testador de batina pode parecer idolatrado por muitos homens, mas essa adoração tem um limite muito demarcado: o controle. Dar nome é querer controlar, diminuir, determinar a função. O homem apelida de ninho de rola quando quer dizer que a vagina serve para nada além das vontades de sua rola. O homem corta, mete, penetra, come com sua serpente, seu canivete, sua arma. E finaliza chamando de bacalhau.
Essa mistura de idolatria e controle é muito parecida com aquela história de chamar as mulheres de musas que muitos adoram. Vários homens tentam fugir de uma imagem de machista dizendo que amam as mulheres, que elas são musas inspiradoras, deusas que devem ser veneradas. Gente, deixa eu contar um segredo: isso ainda é machismo, isso ainda é tentar definir uma posição para mulher alheia à sua vontade. Portanto, não me venha dizer que a vagina é a coisa mais adorada do mundo, a área VIP, a desejada, a caixa dos prazeres, pois, homem, você está determinando que a vagina só serve pra ti.
Os apelidos dados à vagina tiram da mulher o controle (e orgulho) sobre o próprio corpo. Quando somos condenadas a levar entre as pernas nada além de um nugget de peixe e um buraco de serpente, aprendemos que somos submissas ao gigante adormecido masculino. O poder das palavras é forte na subjugação de qualquer grupo, qualquer minoria. As 100 palavras para vagina citadas no vídeo no início deste texto podem ser separadas em três grupos: mau cheiro/aparência feia; diminutivos; provedor do prazer masculino. Nenhum apelido carrega uma ideia de poder como espada, ou de algo que machuca e domina como arma.
Esses nomes condenam a mulher pela sua própria natureza, ou seja, não há saída. As mulheres passam a vida lutando contra as suas cavernas, cabaças, cabeludas, pombinhas. A espada manda, o engole-espada obedece. Vivemos numa cultura de idolatria do pênis, toda a teoria psicanalítica do Freud gira em torno do desejo ao falo. No entanto, com as mulheres tentando se libertar cada vez mais, podendo finalmente falar (de vez em quando e ainda controladamente) que gostam de sexo, que se masturbam, que gostam do próprio corpo, acho que está na hora de apelidos com mais empoderamento feminino.
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