Datas
Andei conversando com Filipe, o “Pernambuco”. Comunicamos-nos de vez em quando. No mês de outubro, todo ano, desde a infância, nunca deixamos de conversar, e a intensidade e durabilidade desses diálogos aumentaram a partir de 1987. Os motivos? Ei-los:
“Nobre ‘Maranhão’... Que prazer!”, disse-me Filipe, quando abri a porta de casa pensando se tratar de vendedores, em visita recente feita a mim. “O prazer é todo meu, caríssimo”, respondi, convidando-o para entrar e sentar-se. Indagou-me, apontando para a porta de madeira que eu estava fechando: “Que belo trabalho! Pelo visto, foste tu quem esculpiu Jano segurando a chave?” “Deu-me certo trabalho, mas realizei um sonho. Mas, a que veio ‘Pernambuco?’”, perguntei. “Então estamos aqui em mais um outubro... Isso é motivo de comemoração, hein?”, retrucou-me, abrindo um sorriso que lhe é peculiar quando quer induzir-me a reconhecer que está certo em alguma coisa. “Não me venhas com teus sermões”, avisei-o, completando: “Bem o sabes que o que vem à minha memória nos dias 3, 14 e 30 não é lá razão de comemoração, salvo o 14, caso eu fosse acostumado a festejar meu aniversário natalício”. “Ora, ora!”, começou a ladainha, “Ficas a ti remoer quando deverias dar uma boa olhada para esta tatuagem que tanto falas, e levantar a cabeça. Sempre vens com tuas velhas superstições. Esses números, da forma como colocas, dão a entender, quando não, o induz, a ter em mente que a única alegria deste mês é a data de teu nascimento no meio dos fatídicos dias de aniversário das mortes de teus pais”. “E não é?”, perguntei. “É óbvio que sim, mas o que quero dizer é que tu não deves ver as coisas como se fossem obras do destino”. “Eu não acredito em destino”, interrompi-o, concordando consigo. “Sim, mas do jeito que colocas as datas – ‘Dia 3 morreu minha mãe, dia 14 eu nasci e dia 30 meu pai faleceu’ – dá a impressão que a ordem dos acontecimentos, embora em anos distintos, representaria um aviso dos deuses para tu não esqueceres que o sofrimento anda junto a ti. São apenas coincidências, meu caro. Antes, pelo contrário, tu deverias tomar isso como desafio”, sustentou. “Nisto estou em comum acordo contigo”, frisei, fitando-o nos olhos. “Coloco a situação assim só pra tentar ver o meu Deus de outras formas nunca antes experimentadas, pois, se minha tristeza passa a impressão de que me autopuno, na verdade, estou refletindo sobre as causas e conseqüências das ausências de meus genitores em determinada época de minha vida, como a de Dona Maria José, que me deixou dez dias antes de minha data-mor, em 1970, ou do Seu Isidro Lima que também o fez após quinze dias decorridos dali, em 1987. O exercício de imaginação que faço, colocando-me nos lugares de ambos, hipotetizando as emoções vividas por eles nas suas horas derradeiras é um momento de encontro nosso, cujo objetivo visa unicamente à busca incessante da compreensão do Incompreendido que cada um de nós o faz de alguma forma, em várias etapas da vida”, taxei. “Bom, nesse caso, sou obrigado a concordar também contigo. Então, por que (perguntou Filipe ao mesmo tempo em que remexeu numa sacola de papel de cor prata que trouxera) não tomemos esse Bordô enquanto jogamos uma partida de xadrez?” “Tu sempre me aprontando, hein? Será um prazer!”, respondi, enquanto me dirigia à mesa para desempoar as peças do jogo que já estavam a postos.
_________
Postado por Marcos "Maranhão" em 24 de outubro de 2007, às 07:47h






0no comments yet
Bitte geben Sie die beiden untenstehenden Wörter ein