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"Bem, é verdade que também eu não tenho piedade do meu personagem principal, a nordestina: é um..."

27 de Janeiro de 2014, 17:18 , por Desconhecido - 0sem comentários ainda | No one following this article yet.
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Bem, é verdade que também eu não tenho piedade do meu personagem principal, a nordestina: é um relato que desejo frio. Mas tenho o direito de ser dolorosamente frio, e não vós. Por tudo isto é que não vos dou a vez. Não se trata apenas de narrativa, é antes de tudo vida primária que respira, respira, respira. Material poroso, um dia viverei aqui a vida de uma molécula com seu estrondo possível de átomos. O que é mais do que invenção, é minha obrigação contar sobre essa moça entre milhares delas. E dever meu, nem que seja de pouca arte, o de revelar-lhe a vida.

Porque há o direito ao grito.
Então eu grito.

Grito puro e sem pedir esmola. Sei que há moças que vendem o corpo, única posse real, em troca de um bom jantar em vez de um sanduíche de mortadela. Mas a pessoa de quem falarei mal tem corpo para vender, ninguém a quer, ela é virgem e inócua, não faz falta a ninguém. Aliás – descubro eu agora – eu também não faço a menor falta, e até o que escrevo um outro escreveria. Um outro escritor, sim, mas teria que ser homem porque escritora mulher pode lacrimejar piegas.



- Clarice Lispector in A hora da estrela
Fonte: http://metalogis.tumblr.com/post/74757371121

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