Resenha: Eros e Civilização – Uma Interpretação Filosófica do Pensamento de Freud
Em Eros e Civilização, Marcuse se utiliza de conceitos psicanalíticos para uma melhor compreensão da Repressão Sexual, utilizada por nossa sociedade para sua auto-conservação. Ele nomeia essa sociedade unidimensional– ou seja, sem dimensões e/ou diferenciações de valores. Tudo equivale a tudo, todos a todos (como se, basicamente, tudo fosse mercadoria), numa condição de objetos de consumo.
Também a nomeia sociedade administrada – isto é, não há real (pura) liberdade de expressão. Tudo o que dizemos, fazemos, pensamos, gostamos e não…tudo é controlado por uma força maior, inapontável e incombatível.
Marcuse fala também de Super-Repressão, que é um conjunto de restrições e imposições que auxiliam a “domesticação” do Homem para o convívio em sociedade, indo além do Recalque e da Contenção do Princípio de Prazer por exigências do Princípio de Realidade de Freud, nos quais há simplesmente uma demanda de sobrevivência do indivíduo – já na Super-Repressão, a finalidade não é simplesmente a conservação da integridade e existência do indivíduo, mas da sociedade em primeiro lugar.
Quando Freud expõe a Contenção do Princípio de Prazer, ele explica como: “O Homem vive em constantes angústia e penúria, assim devendo trabalhar para sobreviver a esse desgosto”. Com isso, não só a Libido é sublimada e convertida num melhor rendimento, mas também o prazer “é ensinado” a se protelar para suportar frustrações e angústias longas (às vezes definitivas).
No entanto, indo mais além, Marcuse aponta que Freud não considerou um aspecto essencial desse contexto: a desigualdade. Ele pontua que se deve considerar que somos indivíduos diferentes, com diferentes necessidades e capacidades e, além disso, há aqueles cuja penúria e angústia são resolvidas com a “condenação permanente” de outros, de diferentes classes sociais e econômicas.
E a Super-Repressão, assim como fragmenta as condições existenciais desses indivíduos sociais quase que absolutamente, fragmenta também a sexualidade.
Para que o trabalho seja aceito como valor e virtude central, ocorre a dessexualização e deserotização do indivíduo – “destruindo” as múltiplas zonas erógenas que possui afirmando que qualquer estímulo a elas é imoral, perverso e criminoso –, reduzindo a sexualidade então a mera cópula com fins reprodutivos, limitando-a à genitalidade (ainda assim controlada e contida).
Porém, a Super-Repressão não visa à dominação por si só, mas sim à funcionalização do Homem – transforma o trabalho que era virtude em trabalho alienado, privador de satisfação, prazer, alegria e compensações (sendo essas últimas adiadas, mas nunca alcançadas), assim “destornando-o” fonte de criação e sublimação. Acaba por “matar” o prazer.
Para que a Super-Repressão ocorra devidamente é necessário, contudo, que ela esteja internalizada; e, para que possa ser internalizada, recorre à divisão do tempo e espaço, limitando-os e suas possibilidades de propiciarem um momento para a sexualidade. E, para piorar, essa limitação de tempo-espaço não ocorre só com o sexo, mas também com o lazer.
Essa problemática implica num terrível dilema: o tempo possível de ser dedicado ao lazer é o mesmo da sexualidade. A solução mais exercida para a solução desse dilema – que não é a melhor, mas a “menos pior” – é a fusão de ambos pelo consumo de pornografia, motel, sauna, “casa de massagem”, trazendo uma ilusão de liberdade sexual.
E é por esse caminho que a Super-Repressão se articula com o Princípio de Rendimento. Marcuse o determina como forma contemporânea do princípio de realidade: consumir para produzir e produzir para consumir. Com isso, o indivíduo sente-se humilhado se não atinge às demandas de consumo e produção impostas pela sociedade.
Com isso, a identidade do indivíduo não depende mais da relação [corpo-psique-ics-consciência Natureza-cultura], mas dos critérios de avaliação social. Deixamos de ser autônomos quanto à sexualidade e nossas próprias vidas para sermos heterônomos – ou seja, deixamos de seguir nossas próprias leis e passamos a ser determinados por leis alheias.
Super-Repressão e Princípio de Rendimento, dessa forma, reduzem o Eros a quase zero e alimentam Thanatos em seu cruel e perverso desejo de morte, vazio e fim.
Acontece que, assim como o recalcado retorna, retorna a Libido reprimida igualmente, que assume três modalidades de manifestação:
Princípio de destruição, agressividade realizando o prazer (nazismo, fascismo, massacres, destruição da Natureza…).
Infantilização e conformismo, dessublimação repressiva (exibição do nu em propagandas visto como profanação).
Revolta de Eros e negação do existente em vez de sua afirmação (“perversões” sexuais como fontes de vida e saúde).
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