Recomendo este texto de Nádia Lapa:
"Feministas não nascem, elas se constroem", diz bell hooks, em Feminism is for everybody. Tal construção é por vezes lenta e acontece na vida de cada mulher em momentos diferentes. Somos criadas em uma cultura sexista, patriarcal, e contestar o status quo não vem fácil. Pelo contrário.
Desde que nascemos já estamos seguindo os passos escolhidos para nós. Há papéis a serem cumpridos. Meninas vestidas de rosa, meninos de azul. Chegamos ao ponto de uma empresa fabricar perucas para bebês. Para meninas, claro. Durante a infância, os brinquedos seguem o mesmo padrão de cores, e começamos a ver a divisão sexual do trabalho. Enquanto garotas brincam de lavar louça, eles estão construindo coisas e sendo super heróis.
Estes papéis de gênero são opressores para todos nós, mas as mulheres somos levadas a acreditar que não podemos desejar nada além daquilo. Forma-se, então, uma angústia dentro de nós, como se houvesse algo de errado, mas não conseguimos identificar o que é. Muitas de nós, que nos identificamos mais com as “brincadeiras de menino", passamos a nos considerar menos mulheres. Menos. Incompletas.
Afinal, as mensagens recebidas desde sempre é que mulher não pode falar palavrão, tampouco gostar de futebol. Sentar de pernas abertas ou odiar ir ao salão de beleza? Nem pensar. Com certeza deve ter algo de errado com você, pois “toda mulher é assim". Como bem apontou Simone de Beauvoir em O Segundo Sexo, busca-se uma explicação biológica para analisar o comportamento da mulher. A tentativa é falha, mas demoramos demais a perceber isso.
Enquanto a ficha não cai, nós ficamos meio sem saber quem somos. Mulheres são vistas como frívolas, infantis, fracas. Quem gostaria de ser assim? Muito melhor se espelhar nos homens, e considerar todas as outras mulheres como menores. Com isso, nasce a competição entre nós: quem é mais bonita, quem é mais paquerada, quem tem a barriga mais chapada. Buscamos no outro o nosso valor, como se só pelo olhar alheio nós conseguíssemos nos enxergar.
Algumas mulheres descobrem logo novas o feminismo, e abandonam todas essas ideias estúpidas. Em eventos recentes dos quais participei, vi garotas ainda adolescentes muito engajadas com a militância. Eu não era assim. Demorei muito a entender o feminismo, pois as informações que tinha a respeito do movimento eram muito equivocadas.
Com o crescimento do feminismo durante a segunda onda nas décadas de 1960 e 1970, a mídia pintou o movimento como um verdadeiro horror. Apelaram para o mito da beleza: todas as feministas eram feias e peludas e, por isso mesmo, mal amadas. Afinal, um homem só gostaria de mulheres que se enquadrassem num determinado padrão.
A lesbofobia também entrou na roda. Aproveitaram-se do horrível sentimento (até hoje corrente; basta ver o terrível projeto de “cura gay") de que se relacionar com pessoas do mesmo sexo é errado, e as mulheres não iam gostar de ser tomadas como lésbicas. Estes mitos persistem, sendo repetidos constantemente por antifeministas. A mulher, criada para embelezar o mundo e ser amada por um homem, acaba se afastando do movimento.
É muito mais fácil ser machista. Os homens vão gostar mais da gente, nossas piadas terão mais graça na mesa de bar (mas, por favor, não gargalhe, porque uma mocinha não faz isso), as conversas no almoço de domingo não serão tão agressivas. Ser feminista, por outro lado, significa ser vista como a que vê problema onde não tem, a mal humorada. Mais uma vez: quem gostaria de ser assim?
O grande problema é que esses papeis não acalmam a inquietação. Por dentro, fica aquela sensação amarga de que está tudo errado. Você olha para o lado e acha que está mesmo inventando coisas. O artigo 5º da Constituição Federal diz que somos todos iguais. Você faz faculdade, mora sozinha, vota, toma pílula. “Feminismo pra quê?", pensa.
Até você se dar conta de que essa igualdade é apenas formal, não material, e que há incontáveis mulheres vivendo com esta mesma inquietação dentro do peito. Ao conversar com elas, você transforma sua própria história, percebe que elas não são “menores" ou “inimigas" como quiseram te fazer acreditar, e descobre a força que juntas todas nós temos.
Uma feminista, então, é construída. E esses alicerces ninguém mais abala.
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