O golpe que afastou a presidenta Dilma Rousseff teve consequências para a criação artística, principalmente para os músicos?
Cláudio Jorge - Na criação só posso falar por mim e no meu caso perturbou, sim, na medida em que o golpe não foi só na Dilma, foi em seus eleitores, uns mais, outros menos apaixonados. Eu tenho uma apaixonada por Dilma em casa, minha esposa. Todo o processo do impeachment colaborou muito para o infarto que ela teve, e consequentemente tivemos que lidar com tudo isso. Minha inspiração para criar canções ficou ocupadíssima em produzir crônicas e posts para o Face em defesa da presidenta, de Lula e etc. Então no meu caso a consequência principal foi deslocar a minha inspiração para outros meios, mas deixar de criar, jamais.
Os artistas, pelo menos aqueles com quem você mantém contato, estão preocupados com o que está ocorrendo no Brasil - essa instabilidade política, a crescente escalada de retirada de direitos sociais, a insistente crise econômica...?
Cláudio Jorge - Acho a classe artística politizada, de um modo geral. Estāo nāo só preocupados com o que está acontecendo no Brasil como muitos até participam ativamente nas redes sociais. Uns à esquerda, outros à direita e outros ao centro. A partir de uma questão sobre direito autoral, interferência no Ecad e tudo mais, a classe já vinha há algum tempo apresentando fragmentação. O golpe dividiu de vez o Brasil e com a classe artística nāo poderia ser diferente.
No seu caso específico, como você vê essa situação? Há alguma saída a curto ou médio prazos?
Cláudio Jorge - Quando eu tinha meus 30 anos de idade fiz um visita ao meu pai, o jornalista Everaldo de Barros, de esquerda. Ele foi um dos jornalistas que trabalharam na extinta Rádio Mayrink Veiga na época do golpe de 64, e sofreu as consequências disso. Ele já nāo estava bem de saúde e batendo um papo fiz para ele naquela época exatamente a pergunta que você me faz. Resposta: "Meu filho, o Brasil nunca vai ter jeito." Na época, atribui a desilusão do meu pai à idade, à doença, ao cansaço da velhice de quem lutou, lutou e não viu seus sonhos para o país realizados. Hoje te respondo que há saídas para o Brasil, porque minha geração viveu os governos da ditadura e os governos progressistas de Lula e Dilma. Minha geração aprendeu como se constrói um golpe e a constatação de como nossa democracia é frágil. Entāo, por conta do que eu já assisti nestes 68 anos, eu te respondo que há saídas, sim, mas a longo prazo. O buraco é muito embaixo. O nível de destruição deste golpe de 2016, por exemplo, é muito alto.
Como está o Rio de Janeiro sob o "comando" do evangélico Crivella? Há algum vislumbre de luz no fim do túnel?
Cláudio Jorge - Sou otimista em relação à prefeitura do Crivella porque ela vai passar... rsrs. Os danos estão acontecendo, mas nāo têm o poder de destruição do governo federal. Ele está fazendo um governo contra a história e a vocação da cidade do Rio de Janeiro, está mexendo com coisas sérias ligadas à ancestralidade da cidade, ligadas a um modo de ver e viver a vida que nunca foi criado por decretos. O carnaval, que é a nossa maior expressão cultural, vai na contramão dos ideais evangélicos do prefeito, mas vai ser exatamente pelo carnaval que ele vai receber as maiores críticas à sua falta de respeito para com as nossas tradições.
Quais os artistas mais "politizados" que você conhece, ou conheceu?
Cláudio Jorge - Foram e sāo muitos. Chico Buarque, Gonzaguinha, Sérgio Ricardo, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Taiguara, Aldir Blanc, os politizados da minha banda de esquerda... rsrs. No meu meio dos instrumentistas destaco o arranjador e pianista Leandro Braga, o pianista e arranjador Itamar Assiére, o violonista Zé Paulo Becker, o baixista Ivan Machado... sāo muitos. Mas temos outros artistas de outras correntes políticas que sāo politizados também. Nos tempos modernos o pessoal do hip hop tá mandando muito bem, têm sido os porta vozes da nossa juventude, principalmente a da periferia, comunidades e favelas.
Como está o mercado para o samba - em baixa, estacionado, em alta? O que tem surgido de novo?
Cláudio Jorge - O mercado de música para o samba no momento está em baixa. O mercado está em alta para a música do “agronegócio”. Agora, o movimento de música, fora do mercado, continua em grande ebulição, em todos os estilos. Novos artistas surgem a cada momento arrumando um jeito de produzirem seus discos, shows e etc. As rodas de samba se espalham pelo Brasil de norte a sul. O problema é que, estando fora do “mercado”, a remuneração profissional dos que trabalham com o samba está em crise. Com a “crise” toda a cultura de um modo geral está enfrentando problemas.
A internet veio para ajudar ou prejudicar os artistas?
Cláudio Jorge - Acho que veio para ajudar. Quando eu comecei minha carreira de cantor me lembro da dificuldade que era você conseguir um “tijolinho” para divulgar um show teu num jornal de grande circulação. Matéria sobre disco, show, então, era para poucos. Hoje você consegue alcançar muito gente nas redes sociais, aqui e fora do país. Agora, como sempre, a internet funciona melhor para quem tem mais recursos. É um processo difícil você colocar seu novo álbum em algum serviço de stream e você alcançar a mesma audiência da Anitta, por exemplo. Vender as faixas do teu disco ao ponto de dar lucro o suficiente para cobrir o que você investiu na produção, impossível.
A arte é revolucionária?
Cláudio Jorge - Nem toda arte é revolucionária, levando-se em conta que revolucionária” esteja se referindo a transformação, progresso, evolução humana. Vivemos um tempo em que a nossa trilha sonora de massas nāo é nada revolucionária. Hoje vivemos o momento do quanto pior, melhor. Se isso acontecesse dentro de uma igualdade de opções para o ouvinte, tudo bem, nāo sofreríamos danos maiores por isso. A questão é a massificação de uma ou duas opções de consumo de música que valorizam os piores comportamentos. O efeito disso a longo prazo é uma loucura. A população brasileira dos últimos anos tem o seu gosto musical muito comprometido e isso vai de geração para geração. Se você for numa festa de criança de dois anos num desses salões de festa, tem uma hora que “Vai, Malandra" vai tocar e todo mundo vai cair dentro. Com certeza vai ter alguém pra dizer que esse meu pensamento é coisa de velho... rsrs.
O que você tem feito, quais os próximos projetos?
Cláudio Jorge - Ano passado produzi três discos muito legais. Um do meu filho, Gabriel Versiani, um disco autoral. Outro do meu parceiro Paulinho da Aba, que infelizmente faleceu recentemente, e um terceiro, em que dividi a produção e fiz os arranjos do disco, da cantora brasileira radicada em Paris, Ana Guanabara. Ainda estou surfando na onda do disco que lancei ano passado com meu amigo Augusto Martins, “Ismael Silva, uma Escola de Samba”. Fiz uma participação especial cantando no novo disco do Martinho da Vila, homenagem à Vila Isabel, além de alguns arranjos e tocar os violões, e continuo participando como violonista de seus shows. Este ano lanço mais um disco autoral “Samba Jazz, de Raiz”, no qual eu pude contar com as participações especiais de Mauro Diniz, Frejat, Fátima Guedes, Ivan Lins, Wilson das Neves e outros amigos.
Cite alguns de seus ídolos, musicais ou não, as suas maiores influências, as pessoas que ajudaram você a se tornar o que é hoje.
Cláudio Jorge - Isso é fácil... rsrs. Nas canções, meus principais ídolos sāo Ismael Silva, Chico Buarque e Gilberto Gil. No violão e guitarra, os principais sāo Jorge Santos (meu vizinho no Cachambi, violonista do regional do Waldir Azevedo), George Benson e Hélio Delmiro.