O choro, ou chorinho, como é conhecido o tradicional gênero musical brasileiro, tem ganhado espaço e reconhecimento não apenas na Europa, mas em muitos países mundo afora. Esta semana, o grupo brasiliense Reco do Bandolim e Choro Livre está em Portugal, fazendo apresentações com um repertório que inclui compositores clássicos como Ary Barroso e Pixinguinha.
Reco do Bandolim, bandolinista e fundador da Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello, em Brasília, disse que foi recebido com emoção e entusiasmo pelo público português.
“Eu fiquei impressionado com a reação explosiva das pessoas quando ouvem o choro. A identidade é indiscutível. A sensação que temos é que isso está um pouquinho no DNA deles [dos portugueses] também. Há uma troca, uma sinergia fantástica. Na verdade, o choro começa como uma maneira de tocar os gêneros que vinham da Europa. Os xotes, a mazurca. Aos poucos, os grandes compositores brasileiros, Henrique Alves Mesquita, Joaquim Antônio da Silva Calado, Anacleto de Medeiros, Ernesto Nazaré e Pixinguinha, finalmente, foi quem deram forma ao choro”, disse.
Reco do Bandolim, que também participou da criação do Clube do Choro em Brasília, em 1978, ressalta que a influência da música portuguesa no Brasil, principalmente do fado, “deixou na nossa alma um traço de certa melancolia, de nostalgia, que está muito presente no choro, no choro mais romântico, chorado, como a gente fala”.
O músico avalia que, com a mistura de influências negras, europeias e indígenas no Brasil, o choro conseguiu encontrar seu caminho genuíno e se fixar como um “gênero brasileiríssimo”.
“Tem a coisa da nostalgia [portuguesa], mas tem sobretudo a coisa da alegria, da sensualidade, da alegria do nosso povo. Tem similaridades, mas tem todas as suas diferenças. Aliás, eu acho que diante dessa globalização que a gente vive no mundo, que democratiza a informação e a cultura, nós precisamos delimitar nosso território cultural. Assim como se tem o fado em Portugal, no Brasil a gente tem o choro que é gênero brasileiríssimo, que fala muito do nosso perfil, da nossa alma profunda”, afirma Reco.
Integrante do Choro Livre, Henrique Neto afirma que o repertório escolhido para os shows no exterior sempre privilegiam compositores que falem do Brasil e buscam fazer um painel geral dos ritmos e estilos. “A gente toca forró, choro, samba choro, valsa, frevo. Procuramos dar uma noção bem ampla do Brasil, com músicas tocadas na linguagem do choro. Tocamos Aquarela do Brasil, Brasileirinho... alguns choros mais conhecidos e outros nem tão conhecidos, para mostrar que a música está viva e se renovando sempre.”
Filho de Reco, o jovem violonista, de 31 anos, veio a Portugal para fazer um mestrado na cidade de Aveiro e seguirá na Europa pelos próximos meses. Ele conta que, entre os projetos atuais, está o lançamento de um manual de choro, feito sob coordenação dele, e que se propõe a ensinar a linguagem do estilo musical para profissionais e amadores.
“A gente tem viajado muito com o grupo Choro Livre e agora com o manual, que é um material super importante para divulgar essa música, para facilitar o aprendizado, e é bilíngue. Vem um CD de áudio, com 134 áudios, que vai possibilitar uma maior propagação da música”, afirma.
Para Henrique, o choro tem conquistado um grande espaço nos últimos anos devido ao trabalho e à qualidade dos músicos brasileiros. Ele conta que há um interesse crescente em relação ao estilo porque é uma música nova “que ainda não foi descoberta pelo mundo”.
“Ela traz um frescor para os outros estilos. A gente vê que existe esse interesse por músicos de várias vertentes, tanto do jazz quanto do clássico. Na Espanha, por exemplo, também tem clube do choro, em Madri. E os músicos flamencos se interessam bastante. Acho que é um momento importante para a gente propagar o choro e estamos buscando fazer isso”, diz Henrique.
Choro e jazz
Reco do Bandolin explica que, apesar da comparação entre choro e jazz, o movimento musical brasileiro é anterior ao norte-americano.
“Há pessoas que, no passado, faziam a comparação do choro com o jazz, como se o choro fosse o jazz para os brasileiros e vice-versa. Mas há diferenças muito grandes. No jazz, os temas são curtos e os tocadores se notabilizaram pela capacidade de improvisação. Eles expõem um pequeno tema e saem improvisando. O choro é uma música mais complexa, que tem frequentemente três partes com harmonias que não são tão simples. Muitas pessoas acham que tem uma influência de um sobre o outro. Mas o choro antecede o jazz em algumas décadas. No Brasil, começou em 1850. O jazz começa a aparecer em 1910, 1920”, explica.
O grupo Choro Livre, um dos mais tradicionais do Brasil, já teve diversas formações. Há oito anos é composto por Reco do Bandolim (bandolim), Henrique Neto (violão 7 cordas), George Costa (violão 6 cordas), Marcio Marinho (cavaquinho) e Valério Xavier (pandeiro). Os músicos já dividiram palco com grandes nomes da música brasileira, como Nelson Cavaquinho, Clementina de Jesus, Moraes Moreira, Armandinho, Waldir Azevedo, Paulinho da Viola, Hermeto Paschoal, João Donato e Sivuca.
Marieta Cazarré
(Agência Brasil, de Lisboa)