A ditadura militar instaurada no Brasil em 1964 e que caiu de podre 20 anos depois perseguiu implacavelmente inúmeros artistas que ousaram se opor a ela - ou simplesmente adotaram uma liberdade estética fora dos padrões oficiais. Na música popular, os casos mais notórios são os de Geraldo Vandré, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque.
Nenhum cantor e compositor, porém, foi tão perseguido quanto o talentosíssimo Taiguara, que nos anos 60 e 70 do século passado foi figura constante nos festivais de música e paradas de sucesso, com as suas canções e voz despudoradamente românticas - ao mesmo tempo em que, em seus shows e entrevistas, dizia cobras e lagartos do regime que suprimia as liberdades do povo brasileiro.
A jornalista Janes Rocha, que escreveu um livro sobre o artista, levantou 81 composições de Taiguara vetadas pela censura.
Dois discos, “Imyra, Tayra, Ipy” e “Let the children hear the music”, gravado em Londres, foram inteiramente proibidos depois de lançados.
A barra era muito pesada naqueles tempos de "Brasil, ame-o ou deixe-o"...
Taiguara morreu em 1996. Doze anos antes, lançou uma obra-prima, o disco "Canções de Amor e Liberdade", absolutamente político, um grito de revolta, um testemunho de um grande artista sobre uma época que envergonha a espécie humana.
É um disco de rara coerência, com melodias calcadas em ritmos regionais, letras que soam como lindos poemas libertário e arranjos criativos.
Uma das faixas, "Voz do Leste", tem a participação da excelente dupla sertaneja Cacique e Pajé. "Anita", um bolero, é dedicada à filha de Luís Carlos Prestes, o eterno "Cavaleiro da Esperança"; o clássico "Índia" ressurge com a letra original traduzida; "Estrela Vermelha", com melodia do avô de Taiguara Graciliano Silva, é de um lirismo emocionante...
Que falta faz um Taiguara neste Brasil Novo!
https://www.youtube.com/watch?v=1tfWmF6eHY0&t=64s
Voz do Leste
Sou Voz Operária do Tatuapé
Canto enquanto enfrento o batente co'a mão
Trabalho no ritmo desse Chamamé
Meu pouco Salário faz minha ilusão
Sou voz operária do Tatuapé
Vivo como posso e me deixa o patrão
E enquanto respira dessa chaminé
Meu povo se vira e não vê solução
No teatro da vergonha
aonde a verdade não se diz
Tem quem representa a massa,
quem ri da desgraça
E quem banca o infeliz
Tem até burguês que sonha
que entra em cena e engana a atriz
Tem quem sustenta a trapaça
e depois que fracassa
amordaça o país
Tem quem sustenta a trapaça
E depois que fracassa,
Amordaça o país.
Já meu drama é o da cegonha...
quase morre o meu guri...
Sobra pr'o Leste a fumaça
e a peste ameaça
O ar do Piqueri
Pior que a matança medonha
é o desemprego pra engolir...
Seja no peito ou na raça,
esse teatro devasso
Alguém tem que proibir...
Seja no palco ou na praça
Essas peças sem graça
vão ter que sair.
(sair de cartaz...)
Sou voz operária...
Carlos Motta