Após participar de mesa-redonda sobre a "Conjuntura Política" realizado no primeiro dia de trabalhos do 36º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), na estância hidromineral de Águas de Lindóia (SP), cientista político Renato Lessa, da Universidade Federal Fluminense (UFF), disse que o julgamento do processo do mensalão, em fase final de julgamento em Brasília, criou um fato "sistêmico" que exigirá o julgamento de todas as acusações de crimes políticos feitas pelo Ministério Público Federal. "Agora é sistêmico. O sistema vai ter que funcionar quando tiver uma denúncia. É o mensalão mineiro, o mensalão de Brasília... Não tem mais como, politicamente, livrar a cara de ninguém", avaliou.
A reportagem é de Chico Santos e publicada pelo jornal Valor, 23-10-2012.
Lessa dividiu o papel de debatedor da mesa com o também cientista político André Singer, da Universidade de São Paulo (USP) e que foi porta-voz do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mais cauteloso, Singer disse que o processo "da Ação Penal 470" é "positivo", mas que caberia a questão de saber "se temas análogos terão o mesmo tratamento", em referência ao chamado mensalão mineiro, que envolve acusações de corrupção durante a campanha do PSDB ao governo de Minas Gerais em 1998. Singer preferiu sempre usar o nome técnico do processo, considerando que a denominação consagrada não trata o tema com isenção.
Singer disse aos jornalistas que o julgamento influiu no resultado da eleição municipal da cidade de São Paulo no primeiro turno, carreando votos de setores médios da sociedade paulistana para o candidato José Serra, do PSDB, mas que ele via agora, no segundo turno, a recuperação do candidato do PT, Fernando Haddad, com a atração de eleitores de baixa renda, da base tradicional do ex-presidente Lula, que no primeiro turno votaram no candidato Celso Russomano (PRB) por influência de religiões evangélicas.
O cientista político da USP considera que a candidatura de Haddad, favorito nas pesquisas para se eleger no domingo, representa uma "renovação" do PT, da mesma forma que, para ele, já foi a eleição da presidente Dilma Rousseff, mas disse que não vê relação entre essa renovação e a condenação de lideranças antigas, como o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e o ex-deputado federal José Genoino, no processo do mensalão.
"Não sabemos ainda quais serão os reflexos [sobre o PT] da Ação Penal 470", disse. Singer preferiu "não opinar" sobre o papel reservado a Dirceu no futuro do partido. Ressaltou também que as indicações de nomes como Haddade do economista Marcio Pochmann para disputar, respectivamente, as prefeituras de São Paulo e de Campinas pelo PT são anteriores ao julgamento do mensalão.
Durante a mesa-redonda, Singer considerou que no governo do presidente Lula conviveram uma política macroeconômica "neoliberal" com iniciativas de ativação do mercado interno "por baixo" com iniciativas de transferência de renda como o Bolsa Família, a ampliação do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e deficientes e também com a política de valorização do salário mínimo, além da ampliação do crédito, com medidas como a criação do crédito consignado.
Para Singer, o Brasil caminha em direção a um Estado de bem estar social, embora de forma excessivamente lenta. "Como envolve [o processo de inclusão social] um pacto conservador, essa mudança é lenta, face ao patamar de desigualdade do Brasil", afirmou.
Lessa, da UFF, tem discordâncias. Para ele, o Estado brasileiro não chega a ser assistencialista, mas possui uma estratégia de inclusão social que está longe daquela voltada para a busca de um Estado de bem estar social semelhante aos perseguido, e alcançado, por Estados europeus após a segunda guerra mundial. Faltam, segundo o cientista político fluminense, ações firmes do Estado em segmentos como educação, saúde e habitação, características da busca do Estado de bem estar social, ainda que ela também não exclua políticas de transferência de renda.
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