O senador Roberto Requião (PMDB/PR) foi à tribuna do Senado nesta quinta-feira (27) para falar sobre as eleições deste ano e as propostas para a economia. Para ele,“Governo e Oposição estão distantes de oferecer ao brasileiro um projeto de Nação.”
“Existe outro caminho”, garantiu. “É por isso que, mais uma vez, vou esmurrar a faca e apresentar-me à convenção nacional do partido como candidato do PMDB à Presidência da República. Mas isso é assunto para depois. O que me ocupa agora é debater um programa para o desenvolvimento brasileiro. Quero mostrar com que roupa, documentos e argumentos irei à campanha eleitoral”.
Segundo Requião, sem que se faça uma Revolução no Brasil, nada vai mudar. “Como parte desse processo de transformações, é preciso que se dê início à implantação de uma política macroeconômica alternativa ao neoliberalismo, articulada com medidas sociais que levem à redução dessa realidade de violência, crueldade, opressão e insensibilidade”.
No discurso, o senador apresentou seis propostas para o desenvolvimento do Brasil.
1 – Planejamento público centralizado, impositivo para o setor público e indicativo para o setor privado.
2 – Criação de um sistema bancário público como instrumento de execução do planejamento impositivo e indicativo.
3 – Criação de um sistema de empresas públicas estratégicas, com capacidade de execução do planejamento básico e capacidade de incitar e puxar as empresas privadas.
4 – Política fiscal/monetária anticíclica, pela qual a dívida pública seja efetivamente um dispositivo do desenvolvimento.
5 – Atuação no câmbio, para assegurar uma taxa ligeiramente favorável às exportações, como na China.
6 – A articulação desses cinco itens com metas de aumento da renda per capita, redução da desigualdade, mediante políticas sociais específicas, e o estabelecimento de imposto de renda realmente progressivo, a partir de uma renda mensal de R$ 10 mil.
A seguir, a transcrição do discurso, na íntegra…
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(Requião, na Tribuna do Senado)
Como acontece de dois em dois anos, neste 2014 teremos eleições. É o exercício do que Max Weber chamava de dominação legítima , que se ancora, entre outras coisas, em instituições representativas ou hipoteticamente representativas, como as eleições.
Quer dizer, de dois em dois anos, legitimamos o predomínio dos interesses de classe de uma minoria sobre os interesses de classe de uma amplíssima maioria. É o que chamamos de democracia.
Os estudiosos da democracia relativizam o governo do povo dos gregos, os inventores do sistema, já que havia barreiras à participação universal nas decisões. E cá, é diferente?
Os filtros, os embaraços, de ordem econômica, social, mediática, e mesmo institucionais, são tantos que não é possível validar as eleições, do vereador ao presidente da República, como autenticamente representativas, isentas de vícios.
A liberdade para que o capital financie partidos e candidatos, quase que ilimitadamente; a partidarização da mídia empresarial, de quem seria tolo, ingênuo exigir isenção ou mesmo informações honestas; a atuação de tribunais eleitorais, cujas decisões nem sempre são imparciais e justas; a demagogia, a falta de escrúpulos, a manipulação e a fraude representada por um bom número de candidaturas; isso tudo e um tanto mais, conspurca e distorce o resultado da chamada grande festa democrática que pretendem sejam as eleições.
No entanto, o que se destaca, sobretudo, é ausência de um debate inteligente, criativo, incitador e mobilizador sobre a realidade nacional; em consequência, a falta de uma proposta revolucionária, transformadora para o nosso país. O quê, na essência, distingue as candidaturas até agora postas?
Não saberia dizer; ou talvez dissesse que a eleição de um candidato de direita –e temos dois deles disputando apoio e votos dos setores mais atrasados do Brasil- seria um recuo indesejado para um país que avançou tão pouco desde a tal redemocratização.
Cada vez que digo isso, que as melhorias são o que são: melhorias; que mudanças e transformações são coisas de outra natureza; toda vez que faço esse reparo , reptam-me com uma avalanche de estatísticas gloriosas, triunfantes.
Isso não arranha, sequer faz cócegas no cerne do enunciado, que é: Governo e Oposição não têm programa para o desenvolvimento brasileiro; um programa com começo, meio e fim, com táticas e estratégias claramente definidas.
Governo e Oposição estão distantes de oferecer ao brasileiro um projeto de Nação.
Os pastiches alinhavados à véspera de cada eleição não podem ser considerados seriamente como projetos para o desenvolvimento brasileiro. Nem se acredita que os candidatos os considerem como tal. Afinal, até mesmo o cinismo e a idiotia têm limites.
O que se discute, então, hoje no Brasil? E quais serão os temas das eleições? A fonte que municiou os jornalistas do Washington Post, no escândalo de Watergate, deu um conselho vital para desemaranhar a trama: sigam o dinheiro, sugeriu o informante.
Caso façamos o mesmo exercício, pesquisando as campanhas eleitorais brasileiras, seguindo o dinheiro que financia os candidatos presidenciais, vamos descobrir, sem qualquer surpresa, que os financiadores de uns, são os mesmos financiadores de outros.
Ainda que alguns desses financiadores, acredito, depois de doações generosas a candidaturas supostamente de esquerda, corram ao confessionário à cata de perdão ou busquem se preservar com o habeas corpus preventivo das indulgências plenárias.
Ora, se banqueiros, empreiteiras de obras públicas, concessionários de serviços públicos, grandes fornecedores governamentais, instituições de ensino e outros “investidores” eleitorais dividem um tanto em cada cesta –como os especialistas aconselham os poupadores fazer- é porque imaginam beneficiar-se qual seja o eleito.
Como, então, esperar que os candidatos até agora prontos para a corrida ofereçam aos brasileiros qualquer proposta de mudança, por menor e tímida que seja?
É claro, para a totalidade dos grandes financiadores eleitorais, melhor fosse a vitória de um candidato francamente, desabridamente neoliberal, que exterminasse a política de aumento real do salário mínimo; elevasse os juros; privatizasse ou concedesse o que sobrou de estatal; colocasse freio nas gastanças sociais; fizesse uma nova reforma da previdência, dilatando a idade para a aposentadoria……. enfim o receituário todo que os rapazes e as moças da Globo, GloboNews, Manhattan Conexion, CBN, Folha e Estadão recomendam dia sim e no outro também.
Ah, sim! Que se desse um jeito no preço das passagens aéreas, que ninguém mais aguenta acotovelar-se com a pobreza nos aeroportos. Aeroporto ou rodoviária? É a pergunta indignada da classe média.
Enfim, se os concorrentes anunciados não se distinguem, quanto aos chamados pressupostos da política econômica, é o caso dos brasileiros, tão simplesmente, curvarem-se a esse destino manifesto do atraso e da dependência?
Existe outro caminho.
Apenas os medíocres, os fronteiriços, a esquerda que se deixou sequestrar pelo neoliberalismo, os arrependidos ou apostatas dos sonhos revolucionários podem se conformar e enquadrar-se à tal unanimidade.
Sim, unanimidade!
As discrepâncias são tão sutis que, às vezes, neste plenário, fico sem saber quem é oposição e quem é situação. Esse baralhamento, com frequência, arranca ciúmes de um e de outro lado, cada qual reivindicando a autoria, a invenção desse ou daquele malefício para o país.
Existe outro caminho.
É deplorável que o maior partido do Brasil, como o PMDB gosta de nomear-se, renuncie, abra mão da magnitude para se apequenar como linha auxiliar, ora do PSDB, ora do PT. O pretexto “patriótico”, “altruísta” é a tal da governabilidade.
Ora… vão contar outra para os brasileiros que essa já não engana ninguém. Sabemos perfeitamente qual é a balança que pesa o nosso desprendimento, qual é o metro que mede a nossa patriótica inquietação com a governabilidade.
É por isso que, mais uma vez, vou esmurrar a faca e apresentar-me à convenção nacional do partido como candidato do PMDB à Presidência da República. Mas isso é assunto para depois. O que me ocupa agora é debater um programa para o desenvolvimento brasileiro. Quero mostrar com que roupa, documentos e argumentos irei à campanha eleitoral.
Quero debater idéias, perscrutar caminhos, definir objetivos estratégicos, formular as táticas, construir os meios para alcançá-los.
Afinal, a campanha eleitoral não pode ser transformada em simples mecanismo de chancela ao domínio das classes que amarram o país no pelourinho do atraso, da desigualdade, da concentração de riquezas e de rendas, da submissão ao sagaz Brichote, como Gregório de Matos lamentava a nossa dependência, já no distante século 17.
É o que interessa. O mais são quizilas, picuinhas, miudezas para desviar o país do que importa. Ora, se os candidatos, os partidos, a dita academia não se coçam, pouco se dão, não perdem tempo em discutir um Projeto de Nação, é porque acham que essa mixórdia em que vivemos é o bastante. E que algumas maquiagens serão suficientes para disfarçar a feiura, a hediondez de uma sociedade e de um Estado mesquinhos, insensíveis e, por isso, fatalmente condenados à ruína.
Como todos parecem concordes com esse mistifório, deixam de lado a substância e se fartam e se lambuzam com alguns temas que classificam de prioritários. Aquelas obviedades de sempre.
“O pilar de meu programa de governo é a educação” diz um, como se fosse o arauto da mais incrível e fantástica novidade. O segundo proclama como primeira prioridade ou prioridade prioritária, como costumam dizer, a saúde. O terceiro, a segurança. E assim segue o desfile de declarações de intenção porque todos eles não pretendem mexer na essência das coisas, nas causas que fazem de nosso país um dos mais injustos, cruéis, violentos e desiguais de todo o planeta Terra.
É claro, quanto à macroeconomia, todos ancoram seus “programas” nos suportes construídos pelo neoliberalismo, que a banca nacional e internacional sustenta e que a mídia comercial proclama sacrossantos.
Alguns, para se tornarem ainda mais palatáveis ao mercado, desvestem-se de todo o constrangimento ao defenderem a radicalização desses pressupostos.
Todos, postados diante do espelho do mercado, querem saber: “Espelho, espelho meu, quem é mais ortodoxo do que eu?”. Dito o quê, exponho o que penso.
Parto da seguinte condicionante: sem que se faça uma Revolução no Brasil, continuaremos firmemente de braços dados com o atraso e inevitável corolário. Revolução no sentido estrito, rigoroso da palavra.
A idéia de Hegel de que a violência dá à luz a história, concepção de que Marx escoimou o vezo fatalista e dicotômico, sempre teve uma leitura parcialíssima de parte das classes dominantes. Quando a violência é um recurso para a imposição de seus interesses de classe, ela é legítima; mas, quando os dominados reagem, a violência torna-se espúria, maldita, condenável.
Assim, quando se fala em Revolução, para transmitir a noção da radicalidade, da extensão e alcance das transformações propostas, os conservadores ouriçam-se e esconjuram as mudanças, como subversão da ordem natural das coisas.
Todas as tentativas, ao longo de nossa história de civilizar o Brasil, de fazê-lo menos atrasado, menos cruel com seu povo, menos injusto com os mais pobres, mais generoso e atencioso com seus jovens, solidário com os mais velhos, fracassaram.
Ou não é um fracasso constatar que o Brasil é o vice-campeão mundial na concentração de terras? Que um por cento de proprietários rurais detêm em torno de 46 por cento de todas as terras? E que quatro milhões e oitocentas mil famílias de sem-terra, meeiros, parceiros, posseiros vivam em propriedades com menos de cinco hectares?
Não seria também um fracasso, na tentativa de estabelecer uma sociedade minimamente equitativa, harmoniosa, o fato de que somente cinco mil clãs brasileiros, não mais que vinte mil pessoas, apropriem-se de 45 por cento de toda a riqueza e renda nacional, com o restante sendo repartidos entre 51 milhões de famílias ou 200 milhões de pessoas?
Nesse mesmo sentido, não seria um retumbante e redondíssimo fracasso o fato de que a distância entre o menor e o maior salário pago no país chegue a quase duas mil vezes? Que os assalariados paguem mais imposto de renda (!) que os multimilionários? Que os pequenos empresários paguem mais impostos que os bancos?
Que nunca prosperou neste país a cobrança de impostos sobre grandes fortunas, como é de praxe em qualquer democracia ocidental? Que um punhado de brasileiros mantenha mais de um trilhão de reais em paraísos fiscais?
Até o final deste ano, 50 mil brasileiros vão ser assassinados, boa parte deles negros e pobres abatidos na periferia das grandes cidades pelas polícias militares e grupos de extermínio.
Até o final do ano, outros 50 mil brasileiros vão morrer em acidentes de trânsito, parte deles trabalhadores atropelados entre o ir e vir ao trabalho. Não é isso também um doloroso e indesculpável fracasso?
É para contrapor a essas iniquidades que se impõe uma Revolução neste país.
Como parte desse processo de transformações, é preciso que se dê início à implantação de uma política macroeconômica alternativa ao neoliberalismo, articulada com medidas sociais que levem à redução dessa realidade de violência, crueldade, opressão e insensibilidade.
Minha proposta é esta:
Primeiro. Planejamento público centralizado, impositivo para o setor público e indicativo para o setor privado.
Segundo. Criação de um sistema bancário público como instrumento de execução do planejamento impositivo e indicativo.
Terceiro. Criação de um sistema de empresas públicas estratégicas, com capacidade de execução do planejamento básico e capacidade de incitar e puxar as empresas privadas.
Quarto. Política fiscal/monetária anticíclica, pela qual a dívida pública seja efetivamente um dispositivo do desenvolvimento.
Quinto. Atuação no câmbio, para assegurar uma taxa ligeiramente favorável às exportações, como na China.
Sexto. A articulação desses cinco itens com metas de aumento da renda per capita, redução da desigualdade, mediante políticas sociais específicas, e o estabelecimento de imposto de renda realmente progressivo, a partir de uma renda mensal de dez mil reais.
São estes os pressupostos para a construção de um programa que tenha como objetivo estratégico a fundação do Brasil-Nação. Pressupostos, diga-se, que se situam do outro lado do caminho que trilham os três principais candidatos à Presidência da República.
Presos aos dogmas do mercado, mesmo que esses dogmas tenham sido desmoralizados e pulverizados pela crise, não conseguem desgrudar da ortodoxia, cada um prometendo ser mais aplicado e obediente que o outro.
Não passa pela cabeça do terceto a mais longínqua possibilidade de desmontar a armadilha das premissas macroeconômicas impostas pelo consenso de Washington, de esgarçar e romper a camisa de força do superávit primário, do câmbio, da política de juros, da política fiscal.
É contraditório ver no plenário desta Casa oposição e base do governo reunidos na frente única de defesa dos estados e municípios, brigando por recálculos de dívidas, reequilíbrio na distribuição de tributos, reforma fiscal e isso e aquilo.
É contraditório porque, ao mesmo tempo, oposição e base, esmeram-se para ver que bancada é mais ardorosa e fiel militante dos fundamentos neoliberais da macroeconomia.
É contraditório porque o aperto fiscal dos estados e dos municípios é decorrente dessas premissas.
Ou alguém ainda é ingênuo e não sabe, por exemplo, com que objetivo se fez a Lei de Responsabilidade Fiscal e por que existe essa concentração brutal de tributos e contribuições nas mãos da União? Por que a União é malvada?
Ora… Pasquale Cipro Neto, o nosso atento gramático, dia desses deixou de lado os solecismos, os galicismos e outros vícios e erros de linguagem para soltar um grito angustiado diante da realidade nacional. Disse o professor: “A barbárie brasileira não tem fim (….) O Brasil vive de improvisos, como se o país não fosse, por si só, um caótico improviso”.
Palavras duras de um brasileiro normalmente tranquilo, gentil, cordial. Palavras duras, amargas mas ajustadas a um país cuja elite, de que fazemos parte, recusa, de forma metódica, teimosa e burra fazer do Brasil uma Nação. Uma Nação para o contentamento e o bem-estar de todos e não, como é hoje, mero espaço para alguns poucos se locupletarem, se empanturrarem.
Vinte mil pessoas apropriam-se de 45 por cento de toda riqueza e renda nacional, enquanto 200 milhões de brasileiros se atropelam para dividir o restante.
Isso é uma Nação ou um caótico improviso de que se aproveita uma elite gananciosa e estúpida? Estúpida por que não vê que esse é o caminho inevitável para a sua ruína.
Nação é mais do que um eventual espaço territorial, que o amontoado anárquico de cidades, que um rítmo musical, que uma língua comum, que uma bandeira ou um hino nacional.
Nação não é um estabelecimento comercial, uma feitoria, uma plantation, um morro de minérios ou um poço de petróleo voltados a produzirem para o consumo dos outros. Nação não é um país para os outros, um mercado para o desfrute dos outros. Nação não é uma operação comercial ou o pregão da jogatina financeira internacional.
Isso não é uma Nação. É uma gambiarra, um improviso conectado por conveniências e ambições.
A Nação arrima-se na solidariedade e no amor entre os seus; na partilha; na realização da ventura de vida; na afirmação pessoal e na construção coletiva de um destino; na busca, e no direito, à da felicidade.
A Nação funda-se em sua história; no sacrifício e no sangue vertido na conquista, expansão e consolidação do território.
A Nação é um pacto entre homens e mulheres livres, reunidos pela idéia de civilização, cultura, harmonia, prosperidade, cooperação, reciprocidade, tolerância e irmandade.
A Nação é a materialização da mais bela e generosa de todas as utopias, a utopia do socialismo. Mas, desgraçadamente, os nossos candidatos à Presidência estão ocupados demais em ganhar as eleições para pensar na Nação Brasileira.
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