Por Miguel Enrique Stédile, especial para o Escrevinhador
Durante a Cúpula das Américas, a presidenta Dilma Rousseff se encontrou com Mark Zuckerberg, criador, dono e mente por trás da maior rede social do planeta, o Facebook. Da conversa, saiu o anúncio de que o projeto internet.org aportaria no país, levando internet para famílias de baixa renda.
O internet.org foi anunciado por Zuckerberg no ano passado como uma iniciativa para levar internet para os 60% da população mundial que não estão conectados. Começou pela Zâmbia, mas neste ano já chegou à Colômbia, Paraguai e México.
O dono do Facebook estava na Cúpula das Américas justamente buscando outros países para receberem o projeto. Teoricamente, se trata de uma parceria público-privada em que a rede social intermedia um acordo com as operadoras de telefonia para que o acesso à internet seja gratuito nos locais definidos.
O primeiro problema reside justamente aqui. É o Facebook e as operadoras quem definem quais programas terão acesso gratuito e quais não terão. Por isso, é óbvio que o pacote de gratuidade inclui o Whatsapp ou o Instagram, que pertencem a Zuckerberg do que qualquer outro aplicativo concorrente de troca de mensagens ou de fotografias.
É como se o governo distribuísse aparelhos de televisão com a exigência de você só possa assistir uma emissora. Em outras palavras, não é o interesse público quem define quais os aplicativos, mas o parceiro privado. Logo, esta seleção fere o princípio de neutralidade da internet – que todos dados e serviços devem ter o mesmo tratamento, sem privilégios. Portanto, fere o próprio Marco Civil da Internet, promulgado por este governo e que deveria garantir essa neutralidade.
Segundo, a suposta gratuidade do serviço é falsa. O grande segredo do Facebook e de outras grandes empresas do ramo, como o Google, está no acesso de bilhões de dados dos seus usuários. Quando você acessa o seu perfil no Facebook, os comerciais exibidos são personalizados a partir das suas buscas recentes e de seus gostos pessoais. Informações como onde você esteve, o que gosta de comer, comprar, são armazenados e utilizados por essas empresas, constituindo num capital valioso. Pode não ser ilegal, já que os usuários aceitam os termos do serviço, mas é antiético. Por trás do altruísmo do Facebook, está a possibilidade de incluir milhares de novos consumidores em seus bancos de dados.
Sem garantia do interesse público, não há possibilidade de que programas que respeitem a privacidade dos usuários sejam escolhidos em vez dos aplicativos que funcionam capturando dados e utilizando de acordo com seus interesses econômicos.
Terceiro, e mais grave, o Facebook está no centro de uma polêmica que a presidenta conhece bem. Segundo as denúncias de Edward Snowden, o Facebook é um dos principais alimentadores do programa PRISM da NSA (National Security Agency – Agência Nacional de Segurança), utilizado ilegalmente pelo governo Obama para monitorar milhares de cidadãos americanos ou não.
As denúncias de Snowden revelaram que o governo americano utilizou uma série de programas clandestinos para “grampear” digitalmente não apenas cidadãos, mas governos. No caso brasileiro, a Petrobrás, a Presidência e o Ministério das Minas e Energias.
No mês de março, o Tribunal de Justiça da União Europeia analisou um processo movido por ativistas contra as empresas norte-americanas, que fornecem dados para o PRISM – Facebook, Google, Yahoo, Apple, Microsoft e Skype. Na ocasião, o advogado da Comissão Europeia Bernhard Schima declarou que “ se você quiser manter a NSA longe dos seus dados, não use o Facebook”.
Por conta do episódio, a presidenta havia cancelado uma vista aos Estados Unidos. Durante a Cúpula, Dilma se reconciliou com Obama, mas também com seu agente indireto, Zuckerberg. E ainda, segundo reportagem do New York Times em fevereiro, Dilma continua sendo vítima da vigilância ilegal e clandestina da NSA.
Ao estender a “pemedebização”, ser gentil e dócil com seus opositores, Dilma comete a irresponsabilidade com esse episódio de comprometer dados dos cidadãos brasileiros. Para ampliar o acesso à internet para milhares de brasileiros, Dilma não precisaria se aliar a Zuckerberg.
Poderia, por exemplo, desarquivar o projeto do ex-ministro Franklin Martins de ampliação da banda larga, ou ainda respeitar as discussões da 1.ª Conferência Nacional de Comunicações, sobre o respeito à privacidade, à promoção do software livre e expansão da Banda larga. Ou ainda ler o abrangente trabalho do Intervozes sobre a universalização da Banda Larga (clique aqui para ler), que considera o Estado como indutor fundamental deste acesso.
Com o Marco Civil e a posição dura em relação a espionagem, denunciando na Assembleia geral da ONU, Dilma e o Brasil ganharam o respeito e admiração no campo do ativismo digital, tornando-se referência mundial no tema, a ponto do Wikileaks considerar sua transferência para o país.
Agora, aceitar o internet.org significa não apenas um retrocesso, mas a extensão da política do governo das mídias tradicionais – tolerância e submissão – às novas mídias digitais.
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