Lançado em julho de 2013, o Programa Mais Médicos completa dois anos. Neste tempo, resultados importantes, como a ampliação do atendimento básico de saúde para mais de 60 milhões de brasileiros e a abertura de novos cursos de medicina, foram alcançados.
Em entrevista ao site Saúde Popular, o médico sanitarista e ministro da Saúde, Arthur Chioro, comentou o programa que, para ele, “deixou de ser uma política de governo e passou a ser uma política de Estado e do SUS”.
O ministro também falou sobre as críticas e manifestações contrárias ao programa, como o projeto de decreto legislativo (PDS 33/2015) apresentado pelos senadores Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) e Aloysio Nunes (PSDB-SP), com o intuito de sustar o acordo que viabilizou o ingresso de profissionais cubanos no Mais Médicos.
“A única coisa que esse decreto legislativo poderia obter seria a exclusão de milhões de brasileiros do acesso digno à saúde nos locais mais pobres do país. Mais uma vez, o PSDB faz oposição ao Brasil para prejudicar o PT e o nosso governo”, disse.
Confira a entrevista completa.
Saúde Popular: Após dois anos de Mais Médicos, sempre marcado por fortes críticas da oposição e das entidades médicas, como o senhor avalia esse período de execução do programa? Essas críticas foram superadas?
Estamos muito satisfeitos com os resultados já obtidos pelo Mais Médicos. Seus resultados concretos mostram que ele tem sido expressivo na melhoria da assistência à população e na expansão do atendimento na atenção básica em todo país. Isso já foi confirmado pela própria população atendida: 95% das pessoas disseram estar satisfeitas ou muito satisfeitas com a atuação dos médicos do programa.
Antes de ser lançado, o Programa Mais Médicos para o Brasil passou por uma fase de debate, na qual as diversas esferas de governo, entidades profissionais e sociedade civil puderam trocar ideias e fazer sugestões, contribuindo assim para a consolidação do modelo definitivo a ser adotado. Após um longo debate, foram feitas algumas alterações no projeto inicial e hoje temos um modelo que vem funcionando de forma eficaz, transformado em lei pelo Congresso Nacional. Portanto, uma política de Estado.
Além de levar médicos para regiões vulneráveis que não contavam com essa assistência, o programa tem pontos estruturantes, como editais para abertura de cursos que contemplem a demanda social, mudando a lógica da formação médica do país. Como isso vai mudar a distribuição dos médicos no território, fixando profissionais em áreas carentes?
Com as novas diretrizes curriculares de medicina, aprovadas em 2013 pelo CNE, 30% do internato da graduação, composto de atividades práticas, será realizado em unidades básicas de saúde e serviços de urgência e emergência do SUS. Mudanças qualitativas na formação vêm sendo também acompanhadas por uma expansão contínua, mas criteriosa, do ensino médico, tanto no nível da graduação, quanto da residência médica, sempre com qualidade e direcionado às regiões com proporções menores que a desejada de médicos por habitante e vagas de curso de medicina por habitante. De modo a realizar isso com competência e efetividade, o governo federal estabeleceu uma nova lógica para abertura dos cursos, dando agora a iniciativa aos ministérios da Saúde e da Educação na busca por responder às necessidades de saúde e formação.
Segundo este novo formato, as cidades que receberão cursos são selecionadas por critérios objetivos relacionados à carência de vagas de graduação e de médicos na região, a disponibilidade de docentes e a análise de projeto político-pedagógico, estrutura local de serviços de saúde (necessária para garantir as atividades práticas dos alunos, e, portanto, uma boa formação). Pelo novo método, já foram autorizados 39 novos cursos de medicina em cidades que não contam com faculdades na área e que não são capitais, e outros 22, no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, estão em vias de autorização.
As medidas pensadas para resolver a médio prazo a distribuição de médicos já têm apresentado resultados?
Além dos cursos já autorizados que começarão a funcionar em breve, continuamos a expandir as vagas em universidades públicas, principalmente federais, e programas de residência já existentes, de modo que, pela primeira vez, as vagas de graduação no interior superam as nos grandes centros – são 12.023 vagas em municípios do interior, contra 10.651 localizadas em capitais. A meta do Governo Federal é criar 11,5 mil vagas de graduação até 2017, e parte desta meta já foi cumprida, com a autorização de 5.088 vagas de graduação – 3.295 no interior e 1.793 nas capitais.
O mercado de especialidades ainda é controlado pela demanda de mercado, resultando em formações que não respondem à demanda da sociedade. Quais as dificuldades para enfrentar esta questão?
O Programa tem uma dimensão dirigida à formação de especialistas através da residência médica, estimulando nossos médicos a se interessarem pelas especialidades mais importantes para a população e para o SUS. Atualmente, a profissão de médico de família, por exemplo, não é vista como “prestigiosa” ou “gratificante”, e isso precisa mudar se o nosso objetivo é construir uma atenção básica resolutiva e um SUS mais efetivo. Sendo assim, outra mudança promovida pela Lei do Mais Médicos foi determinar que, para que um médico faça uma residência médica em qualquer especialidade, ele antes terá que fazer 1 ou 2 anos de residência em Medicina Geral de Família e Comunidade.
Então, antes de se especializar “na parte” ele se especializará “no todo”. Também as demais especialidades, assim como as vagas de graduação, serão definidas em função da necessidade de cada região de saúde. Está sendo promovida também a universalização das vagas com foco em localidades e especialidades prioritárias – com a garantia de que todo egresso da graduação terá oportunidade de se tornar especialista.
Uma pesquisa encomendada pelo Ministério da Saúde mostra que, para cerca de 60% dos usuários, a falta de especialistas ainda é uma dificuldade, além da demora para conseguir exames. De que forma o ministério espera enfrentar esta questão?
Estamos elaborando o Programa Mais Especialidades. A proposta ainda está em fase de planejamento e será discutida com a Presidência da República. Atualmente, estamos produzindo o diagnóstico nacional junto aos estados e municípios sobre as principais demandas do SUS para definir o formato da iniciativa. Entre as áreas já prioritárias temos a oftalmologia e a ortopedia. Mas é importante destacar que só é possível formular o Mais Especialidades hoje depois de ter dado um salto de qualidade importante na atenção básica com o Mais Médicos.
O PSDB propôs um decreto legislativo que impede a parceria com Cuba porque isso seria uma forma de transferir recursos para a ilha. Como responder as críticas feitas ao programa, sobretudo em relação à parceria com Cuba?
O projeto de decreto legislativo da liderança do PSDB, no Senado, é um verdadeiro atentado contra o programa. Ele significa a derrocada do Mais Médicos, porque nós perderíamos, imediatamente, 11.429 médicos, que são os profissionais cubanos engajados no programa. É difícil entender como alguém com algum comprometimento com a saúde pública proponha algo assim. Vale lembrar que, até 2014, 59% das prefeituras do PSDB aderiram ao Programa Mais Médicos e também seriam prejudicadas.
O acordo firmado com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) cumpre todos os requisitos estabelecidos pela legislação, tanto do Programa Mais Médicos, quanto daquelas que versam sobre cooperações internacionais. Ao longo dos últimos 14 anos, o Ministério manteve um total de 80 termos de cooperação com a organização e esse não difere das demais. Além disso, a Opas seguiu os parâmetros utilizados pelo governo de Cuba em acordos com outros mais de 60 países.
Os documentos que detalham o termo de cooperação já foram apresentados ao Tribunal de Contas da União e estão disponíveis no site do Ministério, e o cálculo dos gastos com esses médicos levam em consideração os mesmos custos que temos com os médicos estrangeiros de outras nacionalidades, como bolsa formação e ajuda de custo. A única coisa que esse decreto legislativo poderia obter seria a exclusão de milhões de brasileiros do acesso digno à saúde nos locais mais pobres do país. Mais uma vez, o PSDB faz oposição ao Brasil para prejudicar o PT e o nosso governo.
Medidas recentes apontam para perda de financiamento para o Sistema Único de Saúde, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do orçamento impositivo. Como garantir o cumprimentos dos princípios do SUS, como a universalidade, integralidade e equidade, com perda de recursos? O senhor acredita que a segmentação será uma alternativa nesse sentido?
O Ministério da Saúde tem assegurado investimento crescente, estável e contínuo para a saúde pública em todo o país, e cumpre rigorosamente o que determina a Constituição, que aponta que a União deve aplicar na saúde o mesmo valor destinado ao orçamento no ano anterior, mais a variação nominal do PIB. Na última década, o Ministério da Saúde tem executado 99% dos recursos liberados para o orçamento da pasta. Isso garantiu que o desembolso em ações e serviços públicos de saúde quase triplicasse neste período, passando de R$ 32,7 bilhões em 2004 para R$ 92,2 bilhões em 2014. Para 2015, a previsão de aplicação mínima é de R$ 98,4 bilhões, exclusivamente em ações e serviços públicos de saúde.
Esta ampliação tem permitido aos estados e municípios, responsáveis pela execução das ações em saúde, também com recursos próprios, ampliar programas estratégicos como Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), as redes regionalizadas de atenção, a expansão da Atenção Básica, a incorporação de novas tecnologias para o tratamento de doenças no SUS e a oferta de medicamentos gratuitos para hipertensão, diabetes e asma, entre outras iniciativas fundamentais.
Quero reafirmar que as ações e serviços públicos de Saúde no âmbito do SUS estão inteiramente preservados, mesmo após o anúncio do ajuste realizado pela equipe econômica do governo, que liberou, além do piso constitucional para a saúde pública recursos adicionais de R$ 3 bilhões. É importante esclarecer que, como determina a Constituição, a gestão do SUS é compartilhada entre a União, que estabelece as diretrizes das políticas de saúde, e os estados e municípios, responsáveis pela execução dos serviços, bem como de toda a organização da rede de assistência à saúde da população.
Estamos também trabalhando na melhoria de gestão do sistema, no aperfeiçoamento de modelos resolutivos de atenção à população e reforçando as ações para garantir uma rede integral à saúde da população brasileira. Não obstante os recursos serem crescentes para a saúde pública, avaliamos que é necessária a discussão sobre novas fontes de financiamento que garantam a sustentabilidade do sistema público de saúde universal, integral e equânime.
O senhor falou no ano passado que o Mais Médicos não tem prazo de validade. O que isso significa?
O Programa Mais Médicos foi instituído por lei, e suas medidas poderão ser implementadas pelo tempo que for necessário à resolução do problema de escassez de médicos, no âmbito do provimento emergencial. Apesar de cada médico permanecer no país por três anos, prorrogáveis por mais três, nada impede que se realize novos processos de seleção de profissionais, sempre com prioridade para médicos brasileiros com registro do país.
Os que obtiveram a autorização em 2013 poderão ficar até 2016, prorrogáveis até 2019. Já para os que entraram neste ano, os anos são 2018 e 2021, respectivamente. Além disso, as medidas de formação e residência fazem parte de um longo processo de reestruturação do ensino médico que não vai acontecer de uma hora para outra. As metas traçadas vão até 2026, portanto, mais 11 anos. Não pode existir “validade” para um programa deste tipo, tão complexo e que se propõe a encarar tantos desafios. O Mais Médicos, após a conversão da Medida Provisória em Lei, em outubro de 2013, deixou de ser uma política de governo e passou a ser uma política de Estado e do SUS.
The post Arthur Chioro: Mais Médicos continuará até acabar a escassez de médicos appeared first on Escrevinhador.