Por Ivan Richard, da Agência Brasil
Alvo de fraudes que podem superar em quase o dobro o montante investigado pela Polícia Federal (PF) na Operação Lava Jato, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) tem modelo de composição e atuação “suscetível à corrupção”, na avaliação do procurador da República que atua na Operação Zelotes, Frederico Paiva.
Deflagrada pela PF, o Ministério Público Federal, a Receita Federal e Corregedoria do Ministério da Fazenda, a Operação Zelotes desarticulou uma organização que atuava manipulando o trâmite de processos e o resultado de julgamentos e que pode ter causado prejuízo aos cofres da União de R$ 19 bilhões.
Última instância da esfera administrativa tributária federal, antigo Conselho de Contribuintes da Receita, vinculado ao Ministério da Fazenda, o Carf é composto por 216 conselheiros, sendo 113 indicados pelo Ministério da Fazenda e 113 por confederações representativas de categorias econômicas de nível nacional e pelas centrais sindicais. O órgão é dividido em turmas, compostas por seis conselhos cada, divididos de forma paritária entre servidores públicos e representantes das empresas.
“O Carf é totalmente suscetível à corrupção. Esse modelo atualmente vigente propicia a corrupção. Para se ter uma ideia, o conselheiro do Carf não é remunerado. Seria um trabalho pro bono [voluntário]. Estamos falando de grandes advogados, experientes que, obviamente, não vão ficar três anos afastados sem remuneração. O próprio modelo de indicação pelo Sistema S permite direcionamentos”, disse à Agência Brasil o procurador Frederico Paiva.
“O sistema é naturalmente falho, tem que ser mudado e esperamos que o Ministério da Fazenda tome as providências. Neste momento de ajuste fiscal, em que se busca receitas, o Carf é um grande escoadouro de recursos públicos. Isso é de conhecimento público, pelo menos dos grandes escritórios de advocacia”, acrescentou o procurador que atua na Operação Zelotes.
O secretário adjunto da Receita Federal, Luiz Fernando Nunes, defendeu o modelo do Carf, mas ressaltou que o resultado das investigações poderá levar a mudanças no órgão. “O Carf é um órgão que tem mais de 80 anos de existência, com serviços relevantes prestados ao país. São mais de 200 conselheiros que têm mandato de três anos. Estamos falando de um pequeno grupo de pessoas [envolvidas em corrupção]”, afirmou Nunes.
“De fato, um caso como esse é um momento de reflexão. É importante que pensemos, enquanto administração, enquanto sociedade e Poder Legislativo, se esse é o melhor modelo, se funciona adequadamente, se é necessário mudar algum rito, algum tipo de procedimento porque, de fato, não podemos conviver com a possibilidade futura de ocorrências de coisas semelhantes. Ainda que saibamos que é relativa a determinadas pessoas”, acrescentou o secretário adjunto da Receita.
De acordo com o Ministério da Fazenda, a atual estrutura do Carf foi instituída em 2009, após aprovação da Medida Provisória 449 e a edição da portaria assinada pelo então ministro Guido Mantega. Ainda segundo a Fazenda, o Carf resultou da unificação das estruturas administrativas do primeiro, segundo e terceiro Conselho de Contribuintes em um único órgão, mantendo a mesma natureza e finalidade dos conselhos.
De acordo com a PF, o grupo que atuava no Carf fazia um levantamento dos grandes processos em curso no órgão, procurava empresas com altos débitos no Fisco e oferecia facilidades, como a anulação de multas. Pelas investigações, iniciadas em 2013, mais de 70 processos tributários podem ter sido fraudados, acarretando prejuízo superior a R$ 19 bilhões aos cofres públicos.
O delegado da Polícia Federal Marlon Cajado, responsável pelas investigações, informou que até o momento foram identificados “indícios veementes” de manipulação de cinco julgamentos, já finalizados, em que o Estado foi lesado em quase R$ 6 bilhões.
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