Por José Antonio Moroni*, especial para Escrevinhador
Não é de hoje que a reforma política entra na pauta do Congresso e da sociedade. Essa agenda está presente, no mínimo, nos últimos 20 anos, porque a Constituinte de 1988 manteve os alicerces do sistema político herdados da ditadura, para não dizer sistema que imperou na nossa historia.
No século 20, vivemos a maioria do tempo em ditaduras e, quando em democracia, um sistema formal e não real. Somos um país “democrático” com uma democracia sem povo, sem mecanismos eficazes de expressão da soberania popular, uma democracia submissa ao poder econômico, configurando um poder masculino, branco, proprietário, vitalício e hereditário.
Uma democracia com esse formato não tem lugar para os pobres, as mulheres, a população negra, os povos indígenas, os homoafetivos, lideranças da juventude, camponeses…
Neste ano, para não correr o risco da “sociedade fazer”, o presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha resolveu fazer com as próprias mãos e da pior forma possível, tanto no método como no conteúdo. Simplesmente, desconheceu os debates e propostas acumulados pela sociedade nos últimos anos e, assumindo o papel de monarca absolutista, fez e desfez como quis.
A expressão disso, mas não só, foi a votação da constitucionalização do financiamento empresarial de campanha. Depois de perder em um dia, recolocou a pauta no outro. Ganhou a sua posição. Para que isso tenha ocorrido, precisou que partidos e parlamentares mudassem o voto. O que aconteceu na madrugada de Brasília para acontecer isso?
O pior é que os partidos e parlamentares não se sentiram na obrigação de explicar essa mudança, o que demonstra que somos uma democracia sem povo. O povo só é chamado para votar mesmo. No entanto, um dia essa realidade mudará, como diz a música “ Cai o rei de espadas, cai o rei de ouros, cai o rei de paus, Cai, não fica nada”.
Depois de todos os escândalos que vieram à luz e que sempre existiram, os “representantes do povo” não querem só manter o atual sistema política, mas constitucionalizar o financiamento empresarial de campanha. Assim, fazem um deboche com o povo.
O que podemos esperar de um parlamento composto por uma maioria absoluta que tem muito dinheiro? Nas últimas duas eleições para deputado, as candidaturas eleitas (em torno de 9%) utilizaram mais da metade dos recursos totais de campanha registrados no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Em outras palavras: menos de 10% do total das candidaturas eleitas consumiram mais da metade de todos os recursos disponíveis. Esse dinheiro vem de onde? Os fatos estão ai, tiremos as nossas conclusões.
Na votação em relação à forma como elegemos “os nossos representantes”, perdeu o sistema que cristaliza o poder que temos: masculino, branco, proprietário, vitalício e hereditário. Menos mal que o distritão ou qualquer forma de distrital não tenha passado.
A opção da Câmara foi de deixar como está. O atual sistema não democratiza o processo eleitoral, concentrando poder nas oligarquias antigas ou novas. Temos um sistema de lista aberta, no qual os partidos apresentam suas candidaturas (não se sabe ao certo quais os critérios usados na escolha) e o/a eleitor/a vota em uma delas. Parece algo democrático, mas não é, por varias razões.
Uma delas é que as diversas candidaturas não têm as mesmas condições de disputa. Cada candidato faz seus acordos com os financiadores privados, que apresentam a conta depois. Como cada candidatura busca seus próprios recursos, a tendência é que esse financiamento reproduza os preconceitos e as relações de poder existentes na sociedade.
Aí está uma das explicações por que “se muda” para permanecer as coisas como sempre estiveram, deixando a política sem o seu poder de transformações e concedendo o poder de conservação das coisas como sempre foram.
Dessa forma, não há lugar para a representação dos sujeitos sociais e políticos que não estão no centro da engrenagem – mulheres, população negra, povos indígenas, juventude, pessoas homoafetivas -, a não ser que pertençam às famílias e grupos que sempre estiveram no poder, com as exceções de praxe.
Ainda está na pauta da Câmara a questão da cota para a representação feminina, afinal de contas, temos um parlamento com os menores índices de participação feminina, em torno de 10%. Aliás, ficamos atrás de países onde as mulheres são obrigadas a usar burca e são proibidas de dirigir sozinhas.
No entanto, as articulações estão soltas para não acontecer essa votação. Ficaria muito feio para a imagem do poder ter aquele monte de homens de ternos pretos votando contra a participação das mulheres. Afinal de contas, o poder também tem a sua ética e estética. Essa articulação é feita pela bancada BBB (Boi, bala e bíblia), com o apoio da rede de TV que tem os direitos autorais sobre a sigla.
Fora isso, no processo de votação, tivemos outras perolas: partidos votando em teses que até o momento da votação eram radicalmente contrários, em troca de outra votação de seu interesse. Tudo feito como se fosse o caminho natural da política. Não, esse não é o caminho natural da política.
Política se faz com ética, com coerência, com defesa de princípios, com compromissos com os verdadeiros donos do poder, que é o povo e, principalmente, a “ luz do dia” e não nas negociatas das madrugadas do poder. Mas como diz a musica, um dia “cai, não fica nada”.
Por isso, militantes e ativistas das campanhas por uma verdadeira reforma política (como a da iniciativa popular da reforma democrática e eleições limpas e do plebiscito constituinte exclusiva e soberana do sistema politico) continuaremos na luta.
Precisamos denunciar as manobras do poder, pois queremos o quanto antes o raiar do dia em que tudo cai e não fica nada. Só assim vamos construir uma verdadeira democracia, alicerçada na soberania popular e onde todas as formas de poder sejam exercidas tendo como objetivo a construção de uma sociedade de iguais.
*Colegiado de gestão do INESC e da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político.
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