por Reginaldo Nasser no Opera Mundi
Há uma ideia geralmente aceita de que questões que envolvem a Política Internacional tendem a ser sempre perigosas, obrigando o Estado a fazer uso de medidas consideradas hediondas, mas que são justificadas por terem como objetivo preservar a segurança e a liberdade de seus cidadãos. Esse argumento sempre é invocado para os EUA justificarem bombardeios, assassinatos, tortura, espionagem e outras ações que, em outras circunstâncias, seriam consideradas abomináveis.
O princípio básico é o mesmo: se você conseguir número suficiente de pessoas assustadas, provavelmente elas vão permitir que o governo faça qualquer coisa para que você possa se sentir mais seguro. O que está acontecendo é uma conseqüência direta dos atentados ocorridos no dia 11 de Setembro de 2001, quando as autoridades norte-americanas construíram a Al Qaeda como uma “ameaça existencial” da nação norte-americana.
Durante o período de 1999 a 2010, os atentados terroristas mataram cerca de 3 mil pessoas nos EUA, enquanto cerca de 360 mil foram mortas por armas de fogo. Ou seja, as chamadas armas leves representam uma ameaça para a vida do cidadão norte-americano cem vezes maior do que o terrorismo. Um cálculo aproximado sugere que, nos últimos cinco anos, as chances de ser morto por um terrorista são de uma em 20 milhões, sendo que o risco de morrer em um acidente de carro de um em 19.000. O terrorismo é diferente de todas as outras ameaças que os norte-americanos estão expostos? Ao criar um difuso sentimento de perigo, governo, mídia e outras organizações tentam difundir a pecepção de ameaça generalizada, o que, em última instancia, justificaria a manutenção cada vez maior de seus “segredos”, bem como a busca incessante de descobrir o segredo dos outros. Espionando todo mundo, em todos os lugares.
Apesar do mito da América como a terra da liberdade ter sido constantemente desmentido há muito tempo, as revelações de Edward Snowden sobre os detalhes de como a NSA (Agência Nacional de Segurança dos EUA) monitora supostos terroristas permitiu que os cidadãos norte-americanos fizessem automaticamente analogia entre a sociedade democrática liberal em que vivem e os Estados totalitários, onde a vigilância é onipresente. As vendas do Livro 1984, de Georg Orwell, na Amazon Books, aumentaram 6.000% em um único dia. Mas, paradoxalmente, as revelações também permitiram às autoridades governamentais argumentarem que a divulgação de informações sigilosas estava causando danos consideráveis à segurança da nação, o que justificaria expandir prerrogativas dos servições de inteligência para um sistema de vigilância em massa.
De certa forma, a política atual incentiva vazamentos, já que há poucos canais legais que permitem a denúncia de irregularidades na área de inteligência, e os que existem não fornecem proteções seguras para denunciantes que, compreensivelmente, têm boas razões para duvidar das autoridades. Tudo isso torna ainda mais difícil a distinção entre os segredos que o conhecimento público da informação supera o prejuízo da revelação, daqueles segredos que realmente afetariam a segurança nacional.
Estarão mais seguros os norte-americanos após ceder uma parcela significativa de sua liberdade? No fundo, o que está em jogo é a legitimidade da democracia, pois como podemos saber se o governo atingiu o equilíbrio certo entre a segurança e a liberdade, como proclamou o presidente Obama, se até as interpretações jurídicas estão envoltas em segredo?
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