Por Igor Felippe
A aprovação da prestação de contas de campanha de Dilma Rousseff e do Comitê Financeiro Nacional do PT nas eleições 2014 pelo plenário do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), por unanimidade, jogou um balde de água fria nos analistas que “anteviram” uma operação para dar um golpe institucional no país.
A cristalização da leitura de que a direita se movimenta para dar um golpe e derrubar a presidenta Dilma é um espantalho que tira o foco das forças democráticas, progressistas e populares. É evidente que setores minoritários defendem o “Fora Dilma”, tanto por meio do impedimento pela responsabilização nos casos de corrupção na Petrobras como pela deslegitimação das contas da campanha da petista. Uma ala menor ainda advoga por um golpe militar.
No entanto, as grandes placas tectônicas da política brasileira não se movem para catapultar Dilma do Palácio do Planalto. Um golpe é uma operação bastante complexa e perigosa, que vai para além da batalha das ideias, com manchetes de jornais, discursos na tribuna do Congresso, declarações de ministros da Suprema Corte ou protestos isolados na Avenida Paulista.
A luta política tem diversas esferas, passando pela econômica, social, institucional e ideológica. Para acompanhar os movimentos dessa disputa, que se manifesta de forma permanente nas questões cotidianas, é fundamental observar cada uma dessas esferas. As avaliações que apontam para um golpe contra a presidenta Dilma Rousseff na esquina da República superestimam a dimensão ideológica da disputa, deixando em segundo plano as outras esferas.
Um golpe ou um processo de impeachment, mesmo com alguma legitimidade institucional, tem consequências imprevisíveis e inaugura um período de insegurança jurídica, que assusta até mesmo a burguesia. Por isso, a tática da classe dominante não passa por um golpe ou pelo impedimento, mas por um sangramento profundo da presidenta Dilma e do PT durante esses quatro anos.
Dilma não é Fernando Collor de Mello. Se o sinal amarelo do golpismo ascender pra valer, a presidenta tem um partido organizado nacionalmente, movimentos populares, sindicatos, entidades estudantis, grupos de intelectuais reconhecidos, blogueiros comprometidos com a democracia, relações internacionais, articulações com os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e Unasul (União de Nações Sul-Americanas) para defender a legalidade. Até mesmo setores que se identificam com a oposição não necessariamente aceitariam uma ruptura constitucional.
A classe dominante brasileira não tem nenhum compromisso com a democracia, mas sabe que uma aventura de caráter golpista teria como consequência uma radicalização política em torno de uma polarização entre os setores democráticos e os segmentos golpistas, que teria um desfecho imprevisível. Essa tática tumultuaria ainda mais o quadro econômico, que é o maior pesadelo para os diversos segmentos da burguesia.
O que está em processo não é derrubar o PT com uma paulada, mas aprofundar um processo de rendição do governo, sangramento político e desconstrução moral do partido, dentro de um quadro de crise econômica que intensifica as contradições. Por isso, o espantalho do golpismo cria um alarmismo que roda em falso, porque não toca as contradições centrais.
No curto prazo, a burguesia quer um governo fragilizado, que possa ceder todos os anéis sob a ameaça de perder os dedos. Assim, os agentes do mercado têm melhores condições para chantagear o governo, dirigir a política econômica e operar medidas para fortalecer seus interesses. Já os partidos e parlamentares fisiologistas aproveitam o quadro para ganhar nacos do Estado, cargos nos ministérios e estatais, além da liberação de emendas.
Para o longo prazo, os inimigos do projeto neodesenvolvimentista em curso – como as frações da burguesia associadas ao capital internacional, os partidos de oposição de direita e a velha mídia – fazem uma operação desgaste político para arrancar do peito dos brasileiros e brasileiras, especialmente dos mais pobres, o reconhecimento das conquistas sociais e a gratidão com o grande construtor dessas políticas, o ex-presidente Lula.
A vitória de Dilma em um quadro assustadoramente adverso demonstrou a dimensão do sentimento do povo brasileiro em relação às políticas identificadas com Lula e com o PT, apesar da campanha permanente de oposição da velha mídia e da estratégia de desmoralização do petismo a partir do caso do Mensalão.
Esse sentimento é considerado pela classe dominante um câncer que não pode ser arrancado de forma brutal, mas precisa ser tratado com sessões diárias e pesadas de “quimioterapia” pelas ondas da televisão e do rádio.
Desde a crise do Mensalão, a oposição tenta desgastar o governo e, até agora, não conseguiu vencer a eleição presidencial. Chegaram muito perto neste ano, mas perderam. Assim, atuam para aprofundar o sangramento para ganhar musculatura em 2016 e vencer em 2018, ainda mais com a perspectiva de enfrentar Lula.
A deterioração do quadro econômico, a crise do sistema político e a dimensão da Operação Lava Jato apontam para um período extremamente difícil para a presidenta Dilma e abrem uma janela histórica para a oposição partidária de direita. Para além de retomar a presidência, os setores conservadores querem destruir os laços de identificação do povo brasileiro com Lula e o PT.
Os próximos quatro anos serão de guerra permanente da oposição de direita e da velha mídia, que não baixarão a guarda porque não querem correr o risco do governo tomar medidas para recompor as forças sociais e avançar com o projeto de desenvolvimento e distribuição de renda, por meio da intervenção do Estado.
A oposição partidária ao governo – com suas ramificações no Estado, especialmente no Poder Judiciário – mantém o tom político elevado e trabalha para desgastar ao máximo a presidenta Dilma e o PT. Apesar da derrota no 2º turno da eleição presidencial, as lideranças oposicionistas mantêm a ofensiva, tendo como base os mais de 50 milhões de votos recebidos por Aécio Neves.
Por isso, trabalham noite e dia para corroer a autoridade do governo na sociedade, no mercado, no Congresso Nacional e no Poder Judiciário, enquanto Dilma está preocupada em governar e, o PT, com a sobrevivência dentro do time do segundo mandato. O governo apanha, à espera do fim do round.
A oposição ataca o governo, a mídia repercute e amplifica, o Poder Judiciário e o Ministério Público investigam, parte dos depoimentos são vazados, a mídia divulga trechos, a oposição ataca o governo, atrai uma parte da “base aliada”, convoca autoridades do governo e instaura CPIs, a mídia faz a cobertura…
Esse é o círculo vicioso da luta política no país, desde que o PT chegou ao governo federal, em 2003. Esse modus operandi tem mais ou menos êxito a depender da capacidade de coesão da base social e política em torno do projeto em curso. Em um quadro de dificuldades econômicas, crise política e radicalização da direita, os impactos são maiores.
No entanto, não há novidades em relação aos procedimentos dos setores conservadores, mas na intensidade da ação da oposição. A direita está raivosa, tem mostrado seus dentes, rosnado e latido. Dessa forma, faz a luta ideológica permanentemente. Assim, é necessário localizar com precisão o lugar do “golpismo” na estratégia global.
Os rumores golpistas são um tempero para dar um sabor de crise institucional, corroer a legitimidade da presidenta, mostrar a fragilidade do governo, colocá-lo na defensiva e criar um clima de paralisia. Assim, o “golpismo” é funcional, mas não está no centro da tática dos opositores do governo Dilma. Claro que esse quadro pode mudar, mas não há evidências de que valha a pena para a classe dominante optar por um caminho tão tortuoso.
O efeito perverso da paranoia anti-golpista é levar ao governismo radical, que neutraliza os setores democráticos e populares, que ficam na defensiva e admitem cada passo atrás do governo como se fosse um mal menor. Com isso, abrem mão de fazer pressão para puxar o governo para a esquerda, que é a única saída para os setores progressistas.
O governo Dilma só sairá das cordas se der um passo à frente, que reorganize as forças sociais antineoliberais, para partir para a ofensiva. Infelizmente, os primeiros sinais depois da eleição demonstram que a opção foi dar um passo atrás, recompondo com os segmentos neoliberais, o que inviabiliza um salto para um projeto de desenvolvimento nacional e radicalização da democracia.
No entanto, o impacto no Congresso Nacional da Operação Lava Jato dará contornos dramáticos à batalha da reforma política. No quadro de recrudescimento da crise institucional, os setores conservadores lançarão a carta do impeachment de Dilma, que obrigará o governo recuar ainda mais, inviabilizando o projeto em curso.
A única carta que poderá tirar o governo da defensiva e mudar o quadro é a convocação de uma Assembleia Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político, a partir de um processo de luta social que reorganize os setores progressistas, colocando no centro da crise do conjunto do sistema político para fazer o enfrentamento ao sequestro da política institucional pelo poder econômico.
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