Por Igor Felippe
As vísceras do sistema político brasileiro estão expostas com a eleição do deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para a presidência da Câmara dos Deputados.
Reconhecido como operador dos interesses das grandes empresas no Congresso Nacional, o deputado carioca é um dos parlamentares que mais arrecada recursos para campanhas eleitorais.
Cunha não escamoteia o tipo de relação que constrói com bancos, empreiteiras, mineradoras, operadoras de planos de saúde, agronegócio, empresas de telefonia e do ramo de bebidas. “Há afinidade nas propostas”, explica.
O comitê de Eduardo Cunha arrecadou R$ 6,8 milhões para a eleição do ano passado. Os gastos de campanha ficaram em R$ 6,4 milhões. Ou seja, sobrou dinheiro (leia mais aqui)
“Este ano não tive dificuldade para captar. Até sobrou dinheiro na minha campanha”, admitiu Cunha. “Na maioria das vezes são as empresas que me procuram. Até porque tenho a mesma visão delas”.
A máscara caiu. A eleição de Cunha é o fim da hipocrisia no Congresso. Esse negócio de representante do povo é coisa do passado. A verdade nua e crua é que esse sistema político foi sequestrado pelas grandes corporações e levou seu maior símbolo à presidência da Câmara.
O odor de um sistema político podre exala ao folhear as páginas da Folha de S. Paulo. A institucionalidade que sustenta esse modelo de fazer política chegou a um paradoxo.
Vamos às notícias:
1- PMDB vai questionar na Justiça criação de partidos
Depois da eleição, Cunha manifestou que o PMDB vai questionar na Justiça a criação de novos partidos, que são formados para burlar a legislação, que restringe a mudança dos parlamentares entre as legendas existentes, sob ameaça de perda do mandato.
O desvio da infidelidade partidária teve como consequência um remendo patrocinado pelo STF na interpretação da legislação eleitoral, que deixou buracos e demanda um novo remendo nesse emaranhado institucional. Os parlamentares estão se lixando para os partidos e negociam essas mudanças justamente para barganhar seus votos em troca de cargos e emendas.
2- Apoio no Congresso será condição para obter cargos, diz Mercadante
Derrotado com o desfecho da disputa para a presidência da Câmara, o governo trabalha para reconstruir a base parlamentar. Depois de lotear o ministério entre os diversos partidos, os cargos de 2º escalão são a bola da vez.
O preço da governabilidade é a distribuição de cargos. Ou seja, o Congresso não funciona a partir da discussão de projetos à luz dos interesses da sociedade, mas da “satisfação” dos parlamentares com cargos. Esse artifício tem nome: chantagem. E o governo é refém desse procedimento para viabilizar a governabilidade.
O loteamento desses postos, que fazem interface do Estado com empresas privadas, cria as condições para o desvio de recursos para fins pessoais e eleitorais.
3- Ives Gandra Da Silva Martins: A hipótese de culpa para o impeachment
A Folha publica um artigo do renomado jurista nas hostes conservadoras Ives Gandra Da Silva Martins, professor emérito da Universidade Mackenzie, que defende a fundamentação jurídica para um pedido de impeachment da presidenta Dilma.
O tutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra apresenta uma interpretação da Constituição que abre margem para imputar culpa a Dilma por omissão, imperícia, negligência e imprudência no esquema de corrupção na Petrobras.
Martins registra também que o julgamento de um impeachment pelo Congresso é mais político que jurídico, dando como exemplo o caso do presidente Fernando Collor, que foi afastado, mas absolvido pela suprema corte.
As vísceras da política institucional estão à mostra. Depois da eleição de um parlamentar considerado um lobista das grandes empresas para a presidência da Câmara, a edição desta terça-feira da Folha desvela que esse sistema político é caracterizado pela infidelidade partidária e pelo loteamento de cargos do Estado para garantir a governabilidade.
No entanto, a saída para a crise que o jornal ensaia está na seção de artigos, com a discussão sobre a viabilidade jurídica para o impeachment da presidenta. A salvação para os agentes e cúmplices desse sistema político é jogar a responsabilidade da sua crise terminal no colo de Dilma.
Restará às forças democráticas mobilizar a sociedade diante de um quadro de crise institucional em torno de uma profunda reforma política, que será possível apenas com uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político.
A eleição de Cunha representa um escudo para o atual sistema político. Confiar ao Congresso a legitimidade de fazer uma profunda reforma política pode ter um desfecho bastante diferente do desejado por aqueles que querem sinceramente purificar o jogo institucional no país.
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