A Associação Software Livre.Org e demais entidades que interpelaram o Governo Federal sobre um eventual acordo entre a união e o Facebook receberam resposta do Ministério das Comunicações. Por meio de correspondência, o chefe de gabinete do ministério Ricardo Antônio de Souza Karam afirmou que foram feitos apenas estudos de projetos iniciais que pudessem ajudar o país a implementar soluções para inclusão digital. Além disso, salientou que qualquer iniciativa do gênero deve respeitar o Marco Civil da Internet e legislações que regulam direitos de concorrência e do consumidor. O governo também se posicionou sinalizando que está aberto a diálogos com a sociedade civil para o desenvolvimento e aprimoramento de políticas públicas de inclusão digital.
A correspondência questionando o governo foi enviada no dia 23 de abril de 2015, dirigida à presidenta Dilma Rousseff e cobrava explicações do governo sobre declarações do governo que afirmavam a adesão do Brasil ao projeto Internet.Org, que claramente desrespeita princípios básicos da neutralidade da rede e ampla concorrência, na opinião da Associação Software Livre.Org. O documento foi assinado pela ASL e por mais 33 instituições e pessoas físicas.
Veja o documento digitalizado.
As seguintes organizações assinaram a carta:
1) Artigo19
2) Associação Brasileira de Centros de Inclusão Digital
3) Associação Software Livre do Brasil
4) Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé
5) Co: Laboratório de Desenvolvimento e Participação - USP
6) Coletivo Digital
7) Coletivo Soylocoporti
8) Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
9) Frente Acorda Cultura
10) Hacklab Independência
11) Instituto Bem Estar Brasil
12) Instituto Beta Para Internet e Democracia
13) Instituto de Defesa do Consumidor
14) Instituto Telecom
15) Intervozes
16) Movimento Mega
17) PimentaLab - Unifesp
18) Recursos Educacionais Abertos Brasil
19) Rede Livre
20) União Latina de Economia Política da Informação, 21) Comunicação e Cultura
Pessoas físicas:
1) Anahuac de Paula Gil
2) Augusto César Pereira da Silva
3) Bruno Freitas
4) Camila Agustini
5) Raphael Martins
6) Diego Viegas
7) Hilton Garcia Fernandes
8) Iuri Guilherme dos Santos Martins
9) Marco Gomes
10) Raphael Martins
11) Reinaldo Bispo
12) Thadeu Cascardo
13) Thiago Zoroastro
Leia o documento na íntegra:
Carta à Presidente Dilma Roussef sobre o acordo com o Facebook
Exma. Sra. Presidente,
As organizações e indivíduos abaixo assinados vêm por meio desta manifestar sua contribuição ao debate com relação ao recente anúncio realizado por Vossa Excelência durante a 7o Cúpula das Américas sobre o estabelecimento de uma parceria com o Facebook para a implementação do projeto "Internet.org" no Brasil.
Embora estejamos de acordo com o diagnóstico de que há um grande déficit na qualidade e na extensão do acesso à Internet fixa e móvel em países em desenvolvimento como o Brasil, consideramos que este projeto que vem sendo promovido pelo Facebook em diversos países da América Latina, África e Ásia, pode colocar em risco o futuro da sociedade da informação, da economia no meio digital e os direitos que os usuários usufruem na rede, como a privacidade, a liberdade de expressão e a neutralidade da rede.
Ao prometer acesso gratuito e exclusivo a determinados serviços e aplicativos o Facebook está na verdade limitando o acesso à Internet aos demais serviços existentes na rede e oferecendo aos que têm menos recursos econômicos o acesso a apenas uma parte da Internet, o que viola os fundamentos e princípios basilares do Marco Civil da Internet (Lei no 12965), da Declaração Multissetorial do NETMundial e dos Princípios para a Governança e Uso da Internet no Brasil do CGI.br (RES/2009/003/P), conforme elencamos a seguir:
• A lei no 12965 que institui como fundamento do uso da Internet a liberdade de expressão, o reconhecimento da escala mundial da rede, a pluralidade e a diversidade, a abertura e a colaboração, a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor (art.2o), assim como reconhece os princípios da proteção da privacidade, a preservação e garantia da neutralidade de rede e a garantia da preservação da natureza participativa da rede (art.3o).
Lembramos também que a referida lei estabelece como objetivo do uso da Internet o direito de acesso a todos, o acesso à informação, ao conhecimento, à participação na vida cultural e política, a inovação e a adesão a padrões tecnológicos abertos(art.4o);
• O Encontro Multissetorial Global sobre o Futuro da Governança da Internet (NETMundial) que reconheceu a Internet como um recurso global que deve ser gerido como recurso público, e identificou um conjunto de princípios comuns e valores, dentre os quais ressaltamos o caráter de espaço unificado e não fragmentado, onde datagramas e informação fluam livremente de ponta a ponta independentemente de seu conteúdo legal, a proteção e promoção da diversidade cultural e linguística, a arquitetura aberta e distribuída, preservando o ambiente fértil e inovador, a promoção de padrões abertos consistentes com os direitos humanos e com o desenvolvimento e a inovação na rede, e a preservação de um ambiente favorável à inovação sustentável e à criatividade, reconhecendo o empreendedorismo e o investimento em infraestrutura como condições para a inovação;
• Os Princípios para a Governança e Uso da Internet do Brasil aprovados pelo CGI.br, o Comitê Multissetorial de Governança da Internet no Brasil, que buscam embasar e orientar ações e decisões com vistas à governança democrática e colaborativa, preservando e estimulando o caráter de criação coletiva da Internet, a universalidade, a diversidade, a inovação,a neutralidade da rede e a padronização e interoperabilidade da rede.
Enfatizamos ainda que essa estratégia do Facebook e de outras grandes empresas, realizada em parceria com as operadoras de telecomunicações, representa uma grave violação da regra da neutralidade quando promove "acesso para todos" sob a máxima "internet grátis". Esta prática é conhecida internacionalmente como zero-rating (taxa zero) e, mesmo que possibilite o uso dos serviços mais populares, no longo prazo acaba gerando concentração da infraestrutura e monopólio sobre o tráfego de dados na rede, reduzindo tanto a disponibilidade de aplicativos e serviços na Internet, quanto a liberdade de escolha do usuário. Com isso, cabe perguntarmos como se espera que o Brasil desenvolva o setor de aplicativos, um dos mercados que mais crescem no mundo, se estes terão limitado seu acesso a grande parte da população. O modelo proposto pelo projeto Internet.org tem também efeitos desastrosos para o desenvolvimento das culturas regionais, comprometendo o direito de acesso à informação ao violaroutro princípio basilar do Marco Civil e da declaração Multissetorial do NETMundial que é a liberdade de expressão. Isto porque boa parcela da receita das empresas de Internet e operadoras de telefonia são hoje provenientes da venda de aplicações e conteúdos que acabam sendo fornecidos de forma imposta e verticalizada nos pacotes de serviços. A formação de conglomerados econômicos, devido ao processo de convergência dos meios de comunicação, tem feito com que as empresas que prestam serviços de acesso à Internet sejam as mesmas que fornecem conteúdos. O resultado é o desrespeito ao direito de escolha dos consumidores e à livre concorrência, a limitação da diversidade cultural e o cerceamento do livre fluxo de informações na rede.
Não podemos esquecer ainda que a plataforma tecnológica do Facebook tem sido uma das principais portas para a vigilância em massa, colocando em risco outro importante princípio do Marco Civil e da declaração Multissetorial do NETMundial que é a privacidade dos cidadãos. A ausência de uma lei de proteção de dados no país agrava o problema e faz com que hoje os possíveis usuários dos serviços que serão disponibilizados pelo Internet.org fiquem vulneráveis aos interesses comerciais dessa plataforma e às pressões políticas que uma empresa com sede nos Estados Unidos está sujeita.
É por considerar que existem outras alternativas de políticas públicas capazes de promover a universalização do acesso à Internet, tais como cidades digitais, provedores comunitários integrados a telecentros, pontos de cultura, GESAC, estações digitais e iniciativas de comunicação comunitária, que nos posicionamos veementemente contra o acesso privilegiado ao mercado e aos dados dos brasileiros que o Facebook pretende obter com seu projeto através do Internet.org. Dentre as excelentes alternativas internacionais que poderiam ser aproveitadas, cabe também mencionar o Plan Ceibal no Uruguai, que busca fomentar as redes livres, o GuifiNet, uma parceria entre sociedade, ONGs e governos, OpenWRT, Commotion Wireless, entre outros.
Por último, vale lembrar que o Brasil possui um enorme contingente de organizações e ativistas que vem atuando na promoção da inclusão digital. Os esforços do Governo Federal no sentido de envolver tais agentes sempre foram reconhecidos e o diálogo tem avançado ao longo dos anos, tendo alcançado resultados positivos concretos. A notícia de uma parceria com a empresa Facebook sem qualquer conhecimento prévio pela sociedade civil, no entanto, diverge da postura democrática, transparente e inclusiva que tem sido adotada nos últimos anos.
Conforme o exposto acima, concluímos que é de extrema importância que se preserve o desenvolvimento da economia digital e que se garantam os direitos estabelecido pela Marco Civil da Internet assim como os princípios estabelecidos no encontro multissetorial Netmundial. Assim, as entidades ora signatárias requerem:
(i) Que não sejam firmados quaisquer acordos com a empresa Facebook no âmbito da sua iniciativa Internet.org que tenham como objeto o provimento de acesso grátis à Internet; e
(ii) Que quaisquer acordos que venham a ser firmados com a empresa Facebook - ou quaisquer outras empresas - respeitem os direitos positivados pelo Marco Civil, em especial o da neutralidade de redes;
Desde já nos colocamos à disposição para um encontro presencial com Vossa Excelência para debatermos melhor o assunto e certos de sua habitual atenção, subscrevemos.