Quando não foram essas as “provas” citadas, escorregava-se num perigoso e taxativo “é impossível que ele não soubesse”… ou seja, estamos falando de suposições, de ilações, de expectativas e de conexões transformadas em máximas absolutas.
Já escrevi por aqui e retomo: até onde sei, e se estiver errado que me corrijam meus colegas advogados, um magistrado só pode julgar de acordo com os autos – e, se não há provas nos autos, deve prevalecer o princípio da presunção da inocência, que diz que “todos são inocentes até que se consiga PROVAR o contrário”. Não é possível, em democracias, condenar a partir daquilo que eu acho, de suposições, de ilações, de desejos ou de vontades pessoais. Não pode. Ainda mais quando se trata de ação penal, o sujeito vai ser preso. É sério demais.
O fato é que quem condenou de antemão foi uma difusa opinião pública (ou publicada…), que não aceitaria outro resultado e está agora a levantar brindes e a comemorar. Era preciso “pegar os petistas”. Com todo o devido respeito, sempre, o STF aproveitou os holofotes de uma narrativa midiática oportunista e espetacularizada e jogou para uma parte das arquibancadas, antes histérica, agora em êxtase, a soltar urros de alegria. No Coliseu romano, a sensação deveria ser semelhante quando o Imperador colocava o dedão para baixo e determinava a morte do gladiador – ou do cristão. Ou de qualquer outro desafeto.
Cuidado. O Brasil do século XXI não é a Roma dos gladiadores. Pode custar caro. Porque foi quebrado um princípio fundamental do Estado Democrático de Direito. Criou-se jurisprudência,virou referência e parâmetro para futuras ações – ou, usando um clichê, a porteira foi aberta. Porque hoje o “domínio do fato” foi usado para condenar José Dirceu. Amanhã… Quem será a próxima vítima?
Como já escreveu um poeta, “na primeira noite, eles se aproximam e colhem uma flor de nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem, pisam as flores, matam nosso cão. E não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E porque não dissemos nada, já não podemos dizer nada”.
Não se trata de fulanizar o debate e/ou de defender José Dirceu. Estou é preocupado com algo muito mais complexo e profundo, importante – os valores e fundamentos da democracia. Muitos podem não gostar, torcer o nariz, resmungar. Mas vivemos num Estado Democrático de Direito. Ainda.
0sem comentários ainda
Por favor digite as duas palavras abaixo