Ao abrir os trabalhos, a deputada Erika Kokay (PT-DF) afirmou que a política sobre drogas ainda tem “caminhos por desbravar, que exigem coragem. Esta Câmara dos Deputados tem que se debruçar e analisar os acertos e erros do que está sendo feito, mas com a clareza de que o mais do mesmo não está resolvendo. O recrudescimento penal não tem resolvido os problemas do Brasil. Esta Casa tem que ter a coragem de discutir a descriminalização das drogas. A guerra às drogas é como se tivéssemos as drogas humanizadas, e não pessoas, isso quando temos um extermínio de jovens negros em curso”.
Rubens Adorno, presidente da Associação Brasileira Multidisciplinar de Estudos sobre Drogas (ABRAMD), entidade que sugeriu a realização da Audiência, foi o primeiro convidado a falar. Para ele, “inexistem sociedades sem drogas. É bom lembrar que todos os medicamentos são drogas, muitos alimentos são drogas, como o café, por exemplo. Temos que fazer distinção entre as pessoas que usam drogas e as pessoas que desenvolvem problemas com o uso. Noventa e cinco por cento das que usam, não desenvolvem problemas; só 5% desenvolvem. É uma premissa para a discussão desse tema. O Brasil é o segundo consumidor mundial de cocaína, depois dos Estados Unidos. Somos o primeiro consumidor mundial do antidepressivo ritrovil, que é prescrito indiscriminadamente.”
Ana Ferraz, secretária Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD) do Ministério da Justiça e Cidadania, explicou que “neste momento de transição, um dos grandes desafios é a recomposição da SENAD e a transmissão, ao novo ministro, dos projetos, ações e objetivos nossos. Até o momento não há indício de descontinuidade do que vem sendo desenvolvido, mas a questão do orçamento é uma grande preocupação nossa. A secretaria tem o foco na redução da demanda de drogas – a redução da oferta fica por parte da Segurança Pública”.
Telmo Ronzani, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), citou “a conquista que foi a formação do Sistema Único de Saúde (SUS), buscando a universalização da saúde, com perspectiva inclusiva. Mas existe a tentativa de destruir ou sucatear o SUS, e precisamos resistir a isso. Não podemos deixar na mão de poucos o acesso à saúde. Nossa visão é de que o usuário de drogas não é uma mercadoria, mas um cidadão com direitos, que precisa ser cuidado, com respeito aos direitos humanos”.
Luana Malheiros, representante da Rede Latino-Americana das Pessoas que Usam Drogas, criticou a política de guerra às drogas sem o respeito aos direitos humanos. “A estratégia de guerra tem se mostrado ineficaz para o controle à droga, mas tem servido para controlar setores da sociedade, em especial negros e pobres. O Estado atua na clandestinidade, ao arrepio da lei. No Brasil, são 50 mil mortos em embates com as forças de segurança, dos quais metade é atribuído ao combate às drogas. Mesmo assim, o mercado de drogas é o terceiro maior do mundo”, afirmou.
Maurício Fiore, coordenador científico da Plataforma de Políticas sobre Drogas, afirmou que “as drogas são prejudiciais e relacionadas a sofrimento, mas é preciso levar em conta as especificidades de cada droga. É uma política complexa, que envolve a produção, a comercialização e o consumo – sejam lícitas ou ilícitas. Nós temos centenas de milhões de consumidores de drogas ilícitas no mundo – dezenas de milhões, no Brasil. Todos têm acesso fácil às drogas, e a ‘solução’ apresentada é o encarceramento de usuários e traficantes – uma solução placebo, que não funciona nem aqui, nem nos Estados Unidos. No nosso país, morrem seis consumidores ou traficantes de drogas e um policial por dia na guerra das drogas. São 15 mil por ano – nenhuma droga causa tanta morte por ano! Portanto é preciso discutir a política de drogas, levando em conta o sofrimento humano, mas também a eficácia das medidas adotadas”.
Andrea Gallassi, coordenadora-geral do Centro de Referência sobre Drogas e Vulnerabilidades (CRR), historiou a reforma psiquiátrica que, no Brasil, excluiu os usuários de drogas ilícitas e álcool, “o que levou a que se tratasse o assunto com a ‘pedagogia do terror”, que não tem apresentado resultados positivos. É dever do Estado garantir a formação de profissionais que eleve o respeito aos direitos humanos e rebaixe as abordagens morais sobre as questões da saúde, inclusive o tema drogas”.
A íntegra da Audiência Pública pode ser acessada no endereço abaixo:
http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/clp/reunioes/videoArquivo?codSessao=57587&codReuniao=44769#videoTitulo