Em audiência pública promovida nesta terça-feira (13/11) pela Comissão de Legislação Participativa (CLP) da Câmara dos Deputados, especialistas alertaram sobre a necessidade de combater o preconceito e reforçar as políticas de saúde para atendimento às pessoas que gaguejam. O debate aconteceu por iniciativa do deputado Glauber Braga (Psol-RJ), atendendo a uma sugestão do estudante Felipe Sepulveda Leão, do Rio de Janeiro.
Um dos expositores foi Luiz Fernando de Souza Ramos Ferreira, presidente da Associação Brasileira de Gagueira (Abragagueira), organização não governamental fundada em 2004, sem fins lucrativos, para apoiar e valorizar as pessoas que gaguejam. “Nós precisamos superar vários obstáculos por dia, que se tornam maiores quando olhamos ao redor e nos sentimos numa sociedade excludente, que só nos enxerga para fazer chacota”, disse.
Segundo ele, no Brasil há uma média de 700 pessoas que gaguejam para cada fonoaudiólogo em atuação, o que dificulta o atendimento.
O coordenador da área de Saúde da Pessoa com Deficiência do Ministério da Saúde, Danilo Campos da Luz e Silva, informou que, embora a Pasta não tenha uma política específica para essa questão, o tratamento e a reabilitação das pessoas que gaguejam estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), por meio de serviços de fonoaudiologia.
Campos ressaltou que o ministério vem investindo na capacitação e qualificação profissional de fonoaudiólogos credenciados no SUS e está aberto a parcerias para melhorar o atendimento.
Importância do tratamento
A fonoaudióloga Renata Donadelli, da Abragagueira, informou que há cerca de 10 milhões de pessoas que gaguejam no Brasil e 360 milhões em todo o mundo. “Existe muito preconceito. Não há cura, mas a gagueira precisa ser tratada desde o aparecimento dos primeiros sintomas, da maneira mais precoce possível, por um profissional especializado”, alertou.
A presidente do Instituto Brasileiro de Fluência (IBF), Anelise Junqueira Bohnen, reforçou esse argumento ao informar que, em geral, o adulto que gagueja foi uma criança que não recebeu tratamento na hora adequada. “Há tratamentos com crianças de 2 anos que têm 98% de chances de recuperação total”, ressaltou. “Não temos cura, mas temos tratamentos e ações preventivas que fazem maravilhas”, acrescentou.
Anelise Bohnen também observou que não há amparo legal para as pessoas com gagueira se inscreverem como deficientes em concursos públicos, nem para serem incluídas nas cotas de pessoas com deficiência para serem contratadas por empresas.
Renata Donadelli propôs a adoção oficial da data de 22 de outubro como o Dia Nacional de Atenção à Gagueira, com o slogan “gagueira não tem graça; tem tratamento”.
“Precisamos tratar este assunto com severidade e respeito, e o primeiro passo é com ações educativas. A temática da gagueira e de outros problemas de fluência da fala deve ser incluída na formação dos professores e dos demais profissionais ligados à educação. Assim, todos poderão ter propriedade para abordar o assunto em sala de aula. A criança que gagueja precisa ter acesso a um professor que entenda o que é a gagueira”, disse Renata Donadelli.
A representante do Conselho Federal de Fonoaudiologia, Silvia Tavares de Oliveira, explicou que as desordens na fluência da fala podem afetar a funcionalidade do indivíduo em termos sociais, afetivos e culturais, ao restringir o seu convívio social e a sua capacidade de comunicação.
“Estamos ampliando os conhecimentos sobre essa situação; o diagnóstico deve ser objetivo e formal, o que valoriza ainda mais a atuação do fonoaudiólogo nesses casos”, destacou.
Desafios diários
Sandra Merlo, fonoaudióloga e diretora científica do IBF, explicou que a gagueira começa geralmente entre dois e cinco anos de idade. “5% das crianças começam a gaguejar e 1% delas vão se tornar adolescentes e adultos com gagueira persistente. Assim, há dois milhões de adultos com gagueira persistente no Brasil, o equivalente à população de Manaus, uma das maiores cidades do País”, informou.
A especialista observou que a gagueira gera desafios diários de comunicação na família, na escola, no mercado de trabalho e nas relações sociais: “Além disso, as pessoas têm de lidar com o preconceito e a discriminação, com situações de deboche e chacota que, no limite, geram processos judiciais por danos morais. Estão sujeitas a apelidos pejorativos e podem ter uma série de prejuízos de escolarização, socialização e no mercado de trabalho.”
Ela explicou que, ao contrário do que se costuma pensar, a gagueira não é um problema de ansiedade, e sim de controle neuromotor da fala.
O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) salientou que temas como este unem deputados de diferentes correntes políticas em busca de soluções para as questões de saúde pública. O parlamentar elogiou a perseverança das pessoas que gaguejam na luta pela melhoria do atendimento e pelo fim dos preconceitos.
Debates e depoimentos
O deputado Glauber Braga leu perguntas e comentários de cidadãos que acompanhavam os debates pelo portal e-democracia, da Câmara dos Deputados. Ele sugeriu que, em 2019, a CLP continue acompanhando o tema da gagueira e as propostas apresentadas pela sociedade civil para abordar a questão.
Além disso, pessoas que gaguejam deram testemunhos, durante a audiência, sobre as dificuldades que enfrentam no cotidiano.
“As pessoas não têm noção do preconceito sofrido na escola, no trabalho e em qualquer lugar. A maioria sofre sem rebater as discriminações. Precisamos de uma sociedade com equidade, com oportunidades iguais”, disse Daniel Barbosa, do Rio de Janeiro, produtor de um documentário sobre o assunto. Ele contou que, ao se candidatar a deputado estadual, recebeu do seu partido apenas três segundos para se pronunciar no horário eleitoral gratuito da TV, enquanto candidatos sem dificuldades de fala receberam tempos maiores.
Felipe Sepulveda Leão contou quase ter desistido da luta para enfrentar as dificuldades da gagueira, mas percebeu a importância de seguir em frente: “Aprendi que vale a pena lutar por coisas difíceis”, disse ele, que hoje se empenha para apoiar outras pessoas que gaguejam.