Desde 2007, todo dia ouve-se falar e se lê notícias sobre o petróleo que o Brasil vai passar a produzir a partir de jazidas situadas no pré-sal. No momento, a maior discussão gira em torno não propriamente da produção do petróleo, mas de como será administrada essa riqueza mineral.
Não é à toa que se fala tanto nisso, pois se trata realmente de uma reserva gigantesca, que está mudando o modo de encarar esse recurso energético em nosso país.
O que é o pré-sal ?
O petróleo ocorre sempre em regiões da crosta formadas por rochas sedimentares. Ele forma-se em uma rocha, chamada rocha geradora, a partir de restos orgânicos, sobretudo micro-organismos animais. Durante milhões de anos esses detritos orgânicos sofrem transformações, que levam a um aumento da temperatura e da pressão interna, o que acaba rompendo a rocha. Com isso, o petróleo migra para cima através dos poros existentes nas rochas, até encontrar algo que o impeça de continuar se deslocando. Essa barreira, chamada de trapa, pode ser uma rocha impermeável, como uma camada de sal.
O que se chama de pré-sal são as rochas sedimentares que existem abaixo da uma camada de sal com até 2.000 m de espessura, que se estende por uma grande extensão. Essa espessa camada de sal, formada principalmente de halita (cloreto de sódio, ou seja, o sal que usamos na comida) e anidrita (sulfato de cálcio) é uma barreira que se formou diretamente sobre a rocha geradora, impedindo que, neste caso, o petróleo migrasse.
Quando a sonda perfura as rochas, ela encontra esse petróleo depois da camada de sal. Mas não se diz que ele está no pós-sal e sim no pré-sal porque está em rochas que se formaram antes das que estão acima, como é normal nos processos geológicos de sedimentação. O prefixo pré-, portanto, refere-se ao tempo, não ao espaço. Pós-sal é o que está acima do sal. A Fig. 1 mostra o perfil geológico na área do pré-sal. Notar a comparação do morro do Corcovado com a profundidade a que está o petróleo.
Por que só nos últimos tempos se começou a falar em petróleo do pré-sal ? Porque, devido às enormes profundidades, nunca se havia procurado petróleo abaixo da camada de sal. É preciso lembrar que esse combustível está 3 a 5 km abaixo do fundo do mar e que existem até 2.200 m de água até chegar ao fundo. (Além disso, as plataformas de exploração e produção ficam a até 340 km da costa.)
O pré-sal existe também em outros países, mas apenas na África ele tem características semelhantes às do Brasil.
Nosso país é hoje autossuficiente em petróleo, ou seja, produz um volume suficiente para o que consome. Mas, importa ainda certa quantidade de petróleo mais leve, de melhor qualidade, e é exatamente este tipo de petróleo que existe no pré=sal.
As reservas do pré-sal
As reservas que se acredita existirem abaixo da camada de sal ocupam uma área de 149.000 km² (equivalente à do estado do Ceará) e atingem 90 bilhões de barris, ou seja cerca de sete vezes o volume de petróleo conhecido acima da mesma camada. Isso nos torna o quarto país em reservas de petróleo, em condições de passar a exportador do produto.
A Petrobras, por enquanto, divulgou avaliações apenas para as principais áreas já licitadas, os campos de Tupi, Iara e Parque das Baleias, onde existiriam até 14 bilhões de barris. Mas, isso já é suficiente para dobrar as reservas brasileiras conhecidas. Em outubro de 2009, estarão disponíveis dados também sobre o campo de Guará.
Um dos campos conhecidos, Tupi, situado na bacia de Santos, está a mais de 5.000 m de profundidade e possui uma reserva recuperável entre 5 e 8 bilhões de barris (reserva recuperável é o que realmente se pode retirar do subsolo, porque nunca se consegue extrair todo o petróleo existente numa jazida). Ainda está em fase de testes, com uma produção de 7.000 barris por dia. Esse volume poderá chegar a um milhão de barris por dia por volta de 2020. Como a produção total de petróleo no Brasil é hoje de dois milhões de barris por dia, isso mostra bem a grandiosidade das reservas de petróleo no pré-sal. Além disso, não está descartada a possibilidade de os diversos campos petrolíferos do pré-sal estarem interligados, formando uma única e descomunal jazida.
Quem pode extrair esse petróleo?
Com o fim do monopólio em 1997, estabelecido pela lei do Petróleo (Lei nº 9.478) esse bem mineral é de quem o extrai, não mais da Petrobras apenas. Há agora 76 empresas explorando petróleo e gás natural no Brasil, sob o regime de concessão. É o governo brasileiro, através da Agência Nacional do Petróleo, quem decide quais áreas são abertas à pesquisa e extração por empresas outras que não a estatal brasileira. Elas participam de leilões, através dos quais se habilitam a concessões públicas. A Petrobras concorre em pé de igualdade com as demais empresas e não tem uma participação mínima garantida. Esse é o sistema adotado em países democráticos e de economia aberta.
O governo não quer que o Brasil entre em mais um ciclo econômico como foram os ciclos do pau-brasil, da borracha e da cana-de-açúcar, que geraram grandes lucros mas não resultaram em riqueza para o país. Quer que de alguma forma se garanta que o lucro do petróleo extraído do pré-sal seja investido em educação e em outros setores básicos para o desenvolvimento do país. Para isso, estuda a implantação do sistema de partilha, em que a produção é dividida entre a União e as empresas. Ficará com o direito de extração a empresa que oferecer ao governo a maior porcentagem do petróleo extraído. A Petrobras seria operadora única do pré-sal, podendo se juntar em consórcio a outras empresas, mas tendo uma participação mínima garantida de 30% em cada campo.
O fim do monopólio surgiu porque a pesquisa petrolífera envolve alto grau de risco e enormes somas de dinheiro, ficando difícil para a Petrobras fazer isso sozinha. Acontece, porém, que a pesquisa no pré-sal vem sendo considerada de baixíssimo risco, o que justificaria mudanças nas regras, no chamado marco regulatório.
Alguns especialistas condenam alterações no atual sistema de concessão. Segundo David Zylberstajn, ex-diretor da Agência Nacional de Petróleo, o sistema atual é absolutamente transparente [e] não foi objeto de nenhum tipo de questionamento. Mudá-lo seria um retrocesso institucional. Para João Carlos de Luca, do Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis, o sistema de partilha que alguns setores do governo defendem inibirá a atuação de companhias privadas.
Embora todos os dez primeiros furos feitos pela Petrobras no pré-sal tenham encontrado petróleo e a empresa diga ter um índice de sucesso de 87%, há indícios de que esse risco não é tão baixo assim, pois alguns poços abertos por empresas privadas deram resultado negativo. Isso aumenta ainda mais a polêmica em torno do assunto.
Outra questão ainda em debate é se deve ou não ser criada uma nova empresa estatal para administrar o aproveitamento do pré-sal. Extrair o petróleo será atribuição da Petrobras, sem dúvida. Mas, tudo indica que será criada uma nova empresa – que vem sendo chamada de Petrosal - para monitorar a execução dos projetos de exploração e principalmente os custos de produção. Seus executivos serão indicados pelo governo e aqueles que são contra sua criação apontam os riscos de utilização política dessa empresa e do risco também de se abrir uma nova oportunidade para a corrupção.
Quanto vale o petróleo do pré-sal ?
O preço do barril de petróleo oscila bastante em razão de fatores de âmbito internacional. Segundo o engenheiro Fernando Siqueira, presidente da Aepet (Associação dos Engenheiros da Petrobras), se ele estiver acima de 100 dólares por barril quando ocorrer a produção no pré-sal, gerará um lucro da ordem de 10 trilhões de dólares. Essa produção gerará 250.000 empregos diretos e 350.000 indiretos. O petróleo do pré-sal, diz ele, poderá acabar com todos os nossos problemas sociais, econômicos e financeiros.
Uma questão importante, porém, é o ritmo em que este petróleo deve ser produzido. Se o Brasil o extrair muito rapidamente, ele poderá acabar no período de uma geração. Além disso, se o país se tornar um grande exportador de petróleo, nossa moeda ficará muito valorizada, o que poderá prejudicar as exportações e facilitar as importações. Isso pode resultar no enfraquecimento de outros setores produtivos como a Indústria e Agricultura.
Como será distribuído o lucro com o petróleo do pré-sal ?
Esta é mais uma questão polêmica e ainda não resolvida. Normalmente, os estados onde se situam as jazidas de petróleo recebem recursos provenientes da produção do óleo (chamados royalties). Como o petróleo do pré-sal situa-se numa faixa marítima de 800 km de extensão por 200 km de largura, que abrange apenas os estados entre Espírito Santo e Santa Catarina, autoridades das demais unidades da federação acham justo que uma riqueza tão grande seja repartida entre todos os estados. O Rio Grande do Sul foi a primeira unidade da federação a se manifestar nesse sentido, através de audiência pública realizada pela sua assembléia legislativa, em maio de 2009, sobre Impactos da Exploração da Camada pré-Sal.
A Associação dos Engenheiros da Petrobras também defende a participação de todos os estados, desde que os recursos sejam aplicados em investimentos sociais.
Outra proposta, divulgada em 15 de setembro de 2009, destina 30% dos recursos obtidos aos estados produtores, 40% aos demais estados e os 30% restantes a um fundo a ser criado e que aplicaria o dinheiro sobretudo em investimentos nas áreas de Educação e Saúde
Conclusão
A discussão em torno do aproveitamento do petróleo do pré-sal e a própria produção desse petróleo estão apenas começando. A situação aqui descrita é a que vigorava em setembro de 2009 e poderá mudar em pouco tempo. O assunto é de extrema relevância para o presente e para o futuro do Brasil e tem mesmo que ser amplamente debatido.
FONTES CONSULTADAS
GUANDALINI, Giuliano et al. 10 questões sobre o pré-sal. São Paulo, Veja, Abril, 42(36):68-7. 09.09.2009. il.
PRÉ-SAL. Wikipédia em português. Acessado em 14.09.2009.
SANTUCCI, Jô. Pré-sal – Um bilhete premiado ? Porto Alegre, Conselho em Revista, Crea-RS, 5(58):13-17. il.
CURIOSIDADES
* O investimento para produzir petróleo é altíssimo, mas o retorno é também enorme. Em alguns poços das Arábia Saudita, o custo de produção é de US$ 5 por barril e o petróleo é vendido a US$ 70. Por isso, há quem diga que o melhor negócio do mundo é uma empresa de petróleo bem administrada, e que o segundo melhor negócio do mundo é uma empresa de petróleo mal administrada.
* Quando se fala em barril de petróleo, fala-se apenas em uma unidade de volume equivalente a 159 litros, uma vez que o petróleo não é armazenado em barris. Mas, no início da indústria petrolífera ele era, sim, armazenado dessa maneira. Eram barris de madeira, depois substituídos por barris de aço.
Um barril de petróleo media 50 cm de diâmetro por 90 cm de altura.
A energia contida nessa quantidade de petróleo é suficiente para um carro a gasolina rodar 1.400 km.
A energia contida nessa quantidade de petróleo é suficiente para um carro a gasolina rodar 1.400 km.
CPRM - Pércio de Moraes Branco
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