Artigo de Nina Fideles revela que é necessário promover diversidade na produção midiática, garantir mecanismos de participação e assegurar o acesso universal ao uso e consumo da informação
Por Nina Fideles*
A comunicação desempenha um papel crucial na construção e manutenção de ideologias e realidades, já que pode induzir comportamentos e cristalizar narrativas, influenciando diretamente o curso da história. Isso se prova em diferentes momentos políticos ao redor do mundo, com a comunicação sendo usada por grupos para moldar e alterar trajetórias históricas. No Brasil, isso ficou evidente na eleição de Jair Bolsonaro em 2018, que consolidou uma mentalidade de extrema direita, fenômeno que ecoa globalmente.
Não há dúvidas que a comunicação é extremamente relevante para a sociedade, especialmente na manipulação de sentimentos e opiniões através da difusão de informações com objetivos específicos. Contudo, o verdadeiro desafio reside em tornar esse campo mais justo e equilibrado.
Os debates sobre a democratização da comunicação envolvem mais do que a disponibilidade e acesso à informação, abarcando também o direito de mobilização política e a representatividade nas mídias, garantindo equilíbrio na difusão de ideias e posicionamentos.
Em linhas gerais, a partir da literatura acadêmica sobre o tema, para que o direito à comunicação seja garantido, é necessário promover diversidade na produção midiática, garantir mecanismos de participação e assegurar o acesso universal ao uso e consumo da informação, independentemente da condição socioeconômica dos indivíduos e espectros culturais.
No entanto, é preciso destacar que apenas ampliar o acesso às mídias – sejam redes sociais ou meios tradicionais, como jornais e sites – não garante que diferentes narrativas e visões ganhem espaço. Existe uma tensão inerente à ideia de democratização, na medida em que o acesso, em muitos casos, está condicionado a regras impostas por setores que controlam as plataformas e os recursos de comunicação.
Monopólios e Big Techs
A promessa de um acesso livre e irrestrito à internet é ilusória por três razões principais. Primeiro, o poder aquisitivo da população é um obstáculo: no Brasil, a internet tem um custo elevado para muitos. Segundo a pesquisa TIC Domicílios 2023, do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), apenas 69% das classes D e E e 88% da classe C possuem acesso à internet. Isso ocorre mesmo que o número de pessoas com 10 anos ou mais que possuem acesso no Brasil tenha crescido de 81% para 84% entre 2022 e 2023.
A educação digital também é um desafio, afetando o exercício da cidadania plena e permitindo a disseminação de desinformação. Segundo um estudo da Universidade de Indiana, nos EUA, notícias falsas têm 70% mais chances de serem recompartilhadas do que as verdadeiras, exacerbando a manipulação da opinião pública.
Por último, o controle do ambiente em que consumimos e produzimos informação é todo dominado pelas chamadas Big Techs. Empresas como Google, Meta/Facebook, Amazon, Apple e Microsoft dominam não somente setores de comunicação e informação, mas também o que compramos, consumimos e armazenamos na internet.
A partir do debate sobre as eleições de 2018, o governo federal tentou emplacar o Projeto de Lei 2.630/2020, conhecido como PL das Fake News, que visa regulamentar as mídias sociais. A Meta, que agrega Instagram, Facebook e WhatsApp, se manifestou prontamente contra a proposta brasileira, alegando que ela contrariava algumas das leis já estabelecidas no país. O Google também se pronunciou contra, inserindo no rodapé de suas páginas iniciais a mensagem: “O PL das Fake News pode aumentar a confusão sobre o que é verdade ou mentira no Brasil”.
Para além destes posicionamentos públicos, há a possibilidade de que as plataformas tenham bloqueado a distribuição de conteúdos favoráveis ao projeto de lei. A pressão das Big Techs, somada ao lobby dos bolsonaristas, impôs a dificuldade de avanço deste debate.
O descumprimento de algumas decisões judiciais do ministro do STF Alexandre de Moraes — resultado de investigações sobre a disseminação de notícias falsas em redes sociais, especialmente sobre a lisura das urnas eletrônicas — escalonou para ataques públicos de Elon Musk e culminou na suspensão da plataforma X após a empresa não instituir um representante legal no país. A narrativa das Big Techs é sempre a mesma: a regulação da mídia é censura e restringe a liberdade de expressão.
Portanto, discutir a democratização da comunicação é também questionar os limites impostos pelo controle econômico e estrutural sobre o acesso à informação e à participação política, e como esses fatores influenciam profundamente a representação e a diversidade de ideias em nossa sociedade.
Longo prazo
Quando nos desafiamos a analisar a realidade e buscar alternativas para mudar esse cenário de monopólio, devemos olhar criticamente para a nossa comunicação. Quando digo nossa, me remeto a forma, conteúdo e linguagens que o campo progressista, de maneira geral, busca transmitir sua mensagem. E acredito que resultado dessa reflexão nos levante algumas perguntas fundamentais.
Para quem estamos falando? Sabemos que é papel das mídias alternativas oferecer subsídios e argumentos para o nosso próprio campo, mas não deve ser somente esse nosso objetivo. Construir credibilidade e trazer à luz os temas essenciais para toda a população é fundamental para a construção de uma contracorrente. Devemos inclusive levantar o que é contraditório.
Estamos subestimando a capacidade do público de tirar suas próprias conclusões? Apesar de compreender a eficiência da estratégia da extrema direita de manipular afetos, isso não deve nos empurrar para fazer o mesmo ou nos fazer achar que é uma luta perdida. Só será possível constituir uma outra cultura de comunicação se ela for balizada em informação real e tomada de consciência.
Certamente, escolher a consciência em contraponto à manipulação, a verdade em contraponto à mentira, o conhecimento, à ignorância, é o caminho mais difícil. É trabalho de longo prazo e os resultados não serão imediatos, mas nosso objetivo não é efêmero. Ele deve ser consolidado como cultura e alteração do sistema de monopólios em comunicação. E isso dependerá de esforços amplos, inclusive de políticas públicas que permitam alterar esse cenário, mas principalmente de um longo debate sobre a centralidade da comunicação na disputa política e na elaboração de uma outra concepção sobre o tema. Seja ela independente, de Estado, de movimentos populares ou de partidos.
*Diretora executiva do Brasil de Fato
Reblogado da Página do MST